O Estado de S. Paulo
Exame pode
ser alternativa para vestibular
Enem aponta
deficiências no ensino médio
Santa Casa inaugura
novo hemocentro
Folha de S. Paulo
Aluno não
sabe usar o pouco que aprende
Universidade
adota exame para selecionar
Avaliações
traçam perfil do ensino brasileiro
EDUCAÇÃO
Maioria quer uma
vaga em universidade
Jornal da Tarde
Se ficar o bicho pega
Chega de baixarias na TV
Veja
Tupi or not tupi
Época
Nossa língua renasce
Exame pode ser alternativa para vestibular
Posição é defendida por presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino
BRASÍLIA - O presidente da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(Abmes), Édson Franco, defendeu ontem a adoção
do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pelas
universidades do País para a seleção de
candidatos em processos alternativos ao vestibular. "Vou fazer
tudo para que as 600 instituições ligadas à
Abmes estudem a idéia com afinco", disse ele.
Franco, porém, considera indispensável
que o MEC divulgue para o grande público a relação
das
instituições que abrirem vagas para os aprovados
no Enem e apresente os resultados até o fim de
outubro.
No primeiro semestre do ano que vem,
264 alunos vão ingressar na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) por ter obtido rendimento
superior a 70% no exame. A
Universidade do Sul de Santa Catarina planeja seguir o exemplo
a partir de 99, exigindo desempenho
acima de 60%.
Segundo o ministro da Educação,
Paulo Renato Souza, o futuro do exame depende das
universidades: "O jovem precisa perceber que a prova tem uma
finalidade prática", disse o ministro.
Mas ele entende que o Enem não deveria isoladamente substituir
o vestibular. "Poderia constituir a
primeira fase da seleção", sugeriu Paulo Renato.
O adoção do Enem como critério
de ingresso no ensino superior foi aprovada em parecer do
Conselho Nacional de Educação (CNE), que precisa
ser homologado pelo ministro. (D.W.)
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Enem aponta deficiências no ensino médio
Teste revelou que formandos são incapazes de aplicar no cotidiano a maior parte do que aprenderam
DEMÉTRIO WEBER
BRASÍLIA - Depois de passar pelo
menos 11 anos na escola, o estudante brasileiro que conclui
o ensino médio (antigo 2º grau) é incapaz
de usar a maior parte do que aprendeu em sala de aula para
resolver problemas no seu dia-a-dia. Isso significa enfrentar
sérias dificuldades na hora de interpretar
informações, definir conceitos ou reunir dados
para argumentar numa discussão. É o que revela o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em que os 115,5
mil avaliados ficaram com média 4 na
prova de conhecimentos gerais e 4,5 na de redação,
resultados considerados regulares.
"Venho dizendo desde 95 que nosso ensino
médio é fraco", afirmou o ministro da Educação,
Paulo Renato Souza, que espera reverter o quadro com a reforma
curricular a partir do ano que vem.
Idealizado pelo Ministério da Educação (MEC)
para servir de instrumento nos processos de seleção
alternativos ao vestibular, o Enem é voluntário.
Assim, houve distorções entre o número de inscritos
nos
Estados, de modo que a amostra não é representativa
do 1,5 milhão de brasileiros em condições de
concluir o ensino médio este ano. Além disso, 9,1%
dos participantes concluíram a educação básica
em
anos anteriores.
Desempenho - Mas, como o próprio
ministro destacou, os estudantes que se submeteram à
prova constituem, em princípio, um grupo com mais condições
do que o total do País, uma vez que
provêm de Estados historicamente com desempenho escolar
acima da média nacional: dos 115.575
avaliados, por exemplo, 65.156 eram de Minas e do Paraná,
onde foram registrados os melhores
resultados do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) em 97.
"O resultado foi acima do esperado",
disse Paulo Renato. "Não porque a educação tenha
melhorado, mas por causa da amostra, que é melhor do que
o conjunto do País."
Aplicada no dia 30 de agosto, a prova
foi dividida em duas partes: uma redação e 63 questões
de múltipla escolha, com o objetivo de avaliar habilidades
e competências em vez de conteúdos. "O
exame dá ao estudante a oportunidade de mostrar como usa
o conhecimento que tem", observou a
coordenadora-geral do Enem, Maria Inês Fini.
De um modo geral, o que o teste avalia
é a capacidade de aprender. Nesse sentido, a ênfase não
é a memória, mas as operações mentais
relacionadas ao manejo da informação e do conhecimento. "Os
conteúdos cobrados são mínimos", explicou
ela.
A prova de conhecimentos gerais reuniu
questões ligadas a cinco competências: domínio da língua
portuguesa e demais linguagens, como a matemática e a
artística (média 4,2); a construção e aplicação
de conceitos para compreender fenômenos naturais e processos
históricos (média 4); a seleção,
organização e interpretação de dados
para tomar decisões (média 4); a organização
de informações
para construir argumentações (média 3,7,
a menor da prova); e a capacidade de usar o que se aprendeu
na escola para resolver problemas no cotidiano (média
3,8).
Segundo Inês Fini, o tipo de questão
apresentado é diferente daquilo a que os estudantes estão
acostumados. "Foi uma experiência nova para eles, o que
ajuda a explicar o resultado."
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Santa
Casa inaugura novo hemocentro
FABIANA GITSIO
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo inaugurou ontem seu novo
hemocentro com a promessa de aumentar a coleta diária
de sangue e proporcionar mais conforto ao
doador. Graças aos modernos equipamentos, por exemplo,
o sangue de um único doador pode
beneficiar até três pacientes.
O hemocentro antigo fazia até
4 mil coletas por mês. Agora, esse número poderá dobrar.
Segundo Dante Langhi Júnior, médico responsável
pelo serviço, bolsas excedentes poderão até ajudar
a
suprir a demanda de sangue de outros hospitais. O doador passa
a contar também com uma área maior.
Batizado de Gastão Eduardo de
Bueno Vidigal - homenagem ao banqueiro que ajudou na sua
construção -, o hemocentro recebeu R$ 1 milhão
para equipamentos e reforma do prédio. A maior
parte da verba veio da Secretaria de Estado da Saúde.
Várias membros da família Vidigal, controladora
do Banco Mercantil de São Paulo-Finasa, participaram da
inauguração.
Folha de S. Paulo
Aluno
não sabe usar o pouco que aprende
FERNANDO
ROSSETTI
da Reportagem Local
BETINA
BERNARDES
da Sucursal de Brasília
Além
de aprender pouco no ensino médio (o antigo 2º grau), os
estudantes não estão conseguindo desenvolver a capacidade
para
aplicar esses parcos conhecimentos na vida real -aquela que
ocorre, por exemplo, no trabalho.
O resultado do primeiro Exame Nacional de Ensino Médio, o
Enem, divulgado ontem pelo Ministério da Educação,
mostra que
os estudantes têm mais facilidade para lidar com os conteúdos
tradicionais transmitidos pelas escolas -como ler e escrever, fazer
contas ou entender um gráfico.
Mesmo assim, o desempenho nessa competência básica, que o
Enem chama de "domínio das linguagens", ficou com nota média
42 (numa escala de 0 a 100).
O exame mostra, porém, que as notas pioram quando as questões
exigem uma aplicação mais prática das linguagens básicas
aprendidas na escola (português, matemática, ciências,
arte).
Por exemplo, a competência para construir argumentações
consistentes -que exige a articulação dessas várias
linguagens-
teve a menor nota média do exame: 37.
O fracasso do ensino médio tradicional também fica evidente
com
outras notas: a prova de conhecimentos gerais (que agrupa as
cinco competências avaliadas pelo Enem) teve média 40; a de
redação ficou com 46.
Competências
e habilidades
Mais do que testar a capacidade do aluno de acumular
informações -como ocorre frequentemente nos vestibulares-,
o
Enem se propõe a avaliar as competências e habilidades que
ele
adquiriu durante toda sua escolarização.
"O exame avalia a capacidade do indivíduo de desenvolver
determinadas operações mentais que ele deveria ter aprendido
ao
longo do 2º grau. Essa prova vai na direção das novas
teorias
cognitivas, das inteligências múltiplas, para aquilo que deve
ser a
educação atual", diz Maria Helena Guimarães de Castro,
presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais).
Realizado pela primeira vez este ano, o Enem é uma espécie
de
sinalizador do que o Ministério da Educação quer que
as escolas
ensinem a partir de agora."O Enem é um grande instrumento de
aperfeiçoamento do sistema educacional", afirma o ministro Paulo
Renato Souza.
O exame consistiu em uma redação e uma prova de
conhecimentos gerais, com 63 questões de múltipla escolha,
divididas entre as competências (leia resultados nos quadros desta
reportagem).
Participaram 115 mil pessoas, que se inscreveram individualmente.
Elas representam menos de 10% dos estudantes que frequentam
hoje o 3º ano do ensino médio (cerca de 1,5 milhão).
Uma das evidências de que o ensino médio tende mudar a partir
desse exame é a inclusão, entre as competências avaliadas,
da
capacidade de usar os "conhecimentos aprendidos na escola para
a atuação solidária e a intervenção
responsável na vida social e no
ambiente natural".
Ou seja, o Enem está se propondo a mensurar, inclusive, o
trabalho de formação em cidadania realizado pelas escolas.
E,
como em todas as outras áreas, os resultados são fracos.
Mais da
metade dos estudantes acertou menos de 41% das questões
relacionadas a essa competência.
"O desempenho foi fraco, mas melhor do que esperávamos. O
sistema de ensino médio é fraco, não me surpreende
que os
alunos não tenham as habilidades. Se eles não sabem os
conteúdos, não desenvolveriam as habilidades", afirma Paulo
Renato.
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Universidade
adota exame para selecionar
da Sucursal de Brasília
O
ministro da Educação, Paulo Renato Souza, fez ontem um
apelo às universidades para que o Enem (Exame Nacional do
Ensino Médio) seja adotado como forma de acesso ao ensino
superior.
"O Enem não pretende ser um sucedâneo do vestibular, mas um
elemento de um novo processo seletivo. Se as universidades
adotarem ou disserem que vão adotar o exame, o número de
participantes explode no ano que vem, e é isso que a gente quer",
afirmou.
De acordo com Paulo Renato, a universidade não precisa ter o
Enem como único instrumento da seleção de alunos.
A instituição
poderia usar o Enem como substituto da primeira fase do
vestibular e manter a segunda fase.
"Se o Enem continuar com um número pequeno de alunos, não
vai
atingir seus dois outros objetivos: forçar uma mudança no
ensino
de 2º grau, tornando-o melhor, e funcionar como uma credencial a
mais para os estudantes que se formam entrarem no mercado de
trabalho", afirmou o ministro.
Seria importante a participação das universidades porque,
dessa
forma, os alunos veriam uma finalidade no exame e isso estimularia
a participação, segundo o MEC.
A Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), vai adotar o
Enem como forma de acesso no ano que vem. "Todo aluno com
média acima de seis poderá disputar 20% das vagas", disse
o
vice-reitor Gerson da Silveira.
"O exame poderia ser usado, mantendo outras provas específicas
das áreas de humanas, biomédicas e tecnológicas na
seleção",
disse Edson Franco, presidente da Associação Brasileira de
Mantenedoras de Ensino Superior.
A Associação Catarinense das Fundações Educacionais
de Santa
Catarina também anunciou que pretende usar o Enem como
exame final de um sistema de avaliação do 2º grau que
vem sendo
realizado para acesso a universidades da região.
Dez universidades vão reservar 20% de suas vagas no ano 2001
para alunos que começaram a participar neste ano do Saem, que
avalia os alunos a cada série do 2º grau. "A última
prova para o
grupo que começa agora, que seria em 2001, será substituída
pelo
Enem", disse Salério Heerdt, secretário-executivo da Acaf.
(BB)
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Avaliações
traçam perfil do ensino brasileiro
da Reportagem Local
A
extensa atividade de avaliação educacional que o Ministério
da
Educação e algumas secretarias estaduais vêm desenvolvendo
já
delinearam um quadro bem claro das mazelas e realizações
do
ensino brasileiro.
O Enem, por exemplo, confirma o que vem sendo mostrado por
todas as outras avaliações -e isso é essencial para
a construção de
políticas públicas mais coerentes.
Quanto maior a distorção idade-série, pior é
o desempenho dos
alunos. Ou seja, quanto mais o aluno repete de ano ou mais tarde
ele entra na escola, mais difícil se torna a aprendizagem. Isso
já
tinha sido mostrado pelo Saresp em 96 e 97 e pelo Saeb em 95 e
97 (veja quadro ao lado).
Mas é um dado fundamental para se entender por que a maioria
das redes de ensino está introduzindo os chamados ciclos -nos
quais os estudantes não são reprovados de um ano para o outro.
Também explica a grande disseminação pelo país
das chamadas
classes de aceleração -que oferecem ao aluno multirrepetente
uma
atenção mais individualizada, materiais especiais e professores
com formação específica, de forma a fazer com que
ele avance
algumas séries.
A influência dos fatores econômicos e sociais também
mostram os
mesmos resultados das primeiras séries do ensino fundamental até
o último ano de universidade (que é avaliado pelo provão).
Estudantes mais pobres, com pais menos escolarizados, têm
desempenho pior. Estudantes que têm de trabalhar também tiram
notas mais baixas.
Educação
infantil
Nesses dois exemplos, o Brasil ainda não desenvolveu políticas
públicas capazes de reverter a situação. As creches
e pré-escolas
-desde que bem estruturadas e com professores bem formados-
poderiam, por exemplo, suprir carências de informação
que
caracterizam famílias menos letradas.
Mas a educação infantil (0 a 6 anos) ainda é marginal
nas
reformas educacionais. Os estudantes que trabalham de dia e
estudam à noite também têm caído em uma espécie
de "buraco
negro" das reformas do ensino.
Apesar de tudo isso, estudo recém-divulgado da Unesco (órgão
das Nações Unidas que trata de educação, ciência
e cultura)
mostra que o Brasil, embora tenha indicadores socioeconômicos
piores, tem desempenho em português e matemática na 3ª
e 4ª
séries semelhante à Argentina e ao Chile. E todas as pesquisas
mostram que a situação está melhorando.
O "boom" de avaliações educacionais no país acompanhou
o
ingresso de técnicos na administração da educação
brasileira -no
lugar de políticos-, ocorrido principalmente nesta década.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais),
por exemplo, foi criado em 1937, quando havia uma
efervescência semelhante à atual em torno da educação.
Passou
as últimas duas décadas à míngua de recursos.
Agora voltou a ser
um dos principais órgãos do MEC. (FR)
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Mulheres
são maioria e obtêm nota média melhor em redação
Pobreza e desemprego são maiores temores de alunos
da Sucursal de Brasília
Os
participantes do Enem indicaram a pobreza e o desemprego
como as questões sociais que mais lhes despertam interesse.
Essas são as maiores preocupações para 94,7% dos
participantes.
Outras preferências são: ter um bom trabalho (98,5%), ser
bem-sucedido na carreira (98,2%), ter um emprego e ganhar um
bom salário (97,7%), com um grau maior de importância do que
as expectativas que envolvem outras pessoas, como constituir
família e ter filhos (88,1%) e casar ou ter um parceiro (86,5%).
A grande maioria dos 115.575 estudantes que fizeram a prova
pretende prestar vestibular ao final do 2º grau (93%).
"Essa amostra de agora não é representativa do 2º grau
como um
todo, ela se caracteriza por um grupo que quer entrar no ensino
superior", disse o ministro Paulo Renato Souza (Educação).
As mulheres (62,8%) participaram mais do exame do que os
homens (35,5%). Elas se saíram melhor na redação,
com nota
média de 49,1, numa escala de 0 a 100. Os homens obtiveram
média de 40,5.
Já na prova de conhecimentos gerais, eles foram melhores do que
elas. Conseguiram nota média de 42,8, contra uma média de
38,6
das mulheres.
Como já haviam mostrado resultados de outros exames realizados
anteriormente, as notas médias aumentam em função
da
escolaridade dos pais e da renda mensal da família.
A média em conhecimentos gerais dos participantes que tinham
mãe com nível superior completo foi de 56,6. A média
dos
estudantes cujos pais cursaram da 1ª até a 4ª série
do 1º grau foi
de 35,4.
Como também já foi mostrado em outros exames, o desempenho
de quem só estudou em escola particular foi melhor. Eles
conseguiram média de 60,5 em conhecimentos gerais, enquanto
os da escola pública obtiveram 36,7.
Os que estudaram apenas de dia também conseguiram médias
mais altas (46,3) do que os que estudaram à noite (33,9).
A participação em grupos sociais também é pequena.
Estão
ausentes de grêmios estudantis 78,2% dos alunos e 84,7% não
participam de movimentos sociais. Os grupos religiosos são os
que mais concentram estudantes (80,6%).
(BETINA BERNARDES)
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Maioria
quer uma vaga em universidade
GILBERTO
DIMENSTEIN
do Conselho Editorial
Reflexo
das novas demandas profissionais, uma avalanche jamais
vista de estudantes do ensino médio (antigo 2º grau) tem o
sonho
de entrar na faculdade -mas vai se frustrar pela simples razão de
que são escassos os cursos noturnos nas universidades públicas.
O Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) aplicou um
questionário entre os 115.575 inscritos, numa tentativa de traçar
o
perfil do estudante: seus sonhos, projetos de vida, atividades
sociais, crenças religiosas.
Dos participantes do exame, quase todos informaram o desejo de
seguir os estudos, pulando para algum tipo de ensino superior.
A maioria dos estudantes do ensino médio exerce alguma
atividade profissional de dia -logo, só poderiam estudar à
noite.
O problema é que, segundo o Ministério da Educação,
82% das
vagas disponíveis nas universidades públicas federais exigem
que
o aluno frequente aulas diurnas; a maior oferta de vagas noturnas
está nas particulares.
As particulares -em geral, de qualidade inferior- oferecem a
barreira da mensalidade, proibitiva para uma imensa parcela
daqueles que desejam algum tipo de ensino superior.
"As universidades devem aumentar a oferta de vagas noturnas",
sugere o ministro Paulo Renato Souza, convencido de que há
muito professor para pouco aluno nas universidades brasileiras.
De 1994 a 1997, aumentaram em 45% as matrículas do 2º grau;
no superior, 25%. Daí se vê o gargalo.
O desemprego é a preocupação da quase totalidade dos
alunos
do 2º grau: 94,7%. São altas também as preocupações
com
pobreza, meio ambiente e Aids.
É notável uma desconexão entre as preocupações
e a forma de
encaminhá-las economicamente. Apenas 36,8% se interessam por
economia.
É uma geração individualista. Não gosta de
participar de ações
comunitária e seu sonho (98,5%) é ter um "bom" trabalho.
O exame mostrou, mais uma vez, o que já se sabia, revelando as
dificuldades de ascensão dos alunos de famílias mais pobres.
Quem vem de famílias com renda mensal superior a 10 salários
mínimos exibe uma pontuação muito superior, comparado
aos de
família entre 1 e 6 mínimos.
Quem tem pais com escolaridade mais alta também vai melhor;
alunos de escolas privadas levam vantagem sobre os das públicas.
Gildo Marçal Brandão
Ainda não se tem idéia dos estragos que as disputas políticas
recentes
causaram ao governo federal. Em parte pela aposta suicida na manutenção
da política econômica, em parte pela defenestração
da equipe que estava
articulando uma correção de rumos na ação governamental,
em parte pelo
decorrente fortalecimento da ala “liberista” às expensas da “produtivista”,
o
fato é que cresceu enormemente a possibilidade de o segundo mandato
do
presidente acabar em fracasso.
O problema reside em que Fernando Henrique Cardoso tinha um programa
para o seu segundo governo e o perdeu. Do mesmo modo que se elegeu
com uma proposta de controle da inflação, o presidente recebeu
um
segundo mandato para compatibilizar a estabilidade econômica com
a
recuperação do crescimento econômico e com combate
ao desemprego. A
execução desse programa só seria possível num
acordo em que a
renegociação internacional promovida pelo ministro Pedro
Malan estivesse
acoplada à preparação das condições
para a retomada do
desenvolvimento, a ser posta em prática por meio do tal Ministério
da
Produção.
A situação atual, em que o presidente perde os homens que
seriam os
executores do novo programa, não apenas afeta o governo em geral,
mas o
próprio papel do presidente. De fato, este é e se concebe
a si mesmo
como o “administrador do atraso” a serviço do progresso que ele
representaria, o árbitro entre os interesses heterogêneos
representados em
sua coligação. Nesse sentido, para ser Fernando Henrique
ele precisa ter
dois lados (colaboradores íntimos, partidos, agentes da política
econômica, etc.) disputando entre si o tempo todo, e o fortalecimento
excessivo de um deles cria uma situação em que será
obrigado a
rearrumar o lado derrotado ou ficar prisioneiro do vencedor. Ora, o
presidente é sabidamente um intelectual e tinha fama de mau político,
mas
ao longo do tempo tornou-se um profissional que intimamente deve se
divertir quando consegue ser mais raposa do que os políticos que
desprezam os intelectuais. O preço disso é que se transformou
num
realpolitiker que tende a fazer apenas o que a correlação
de forças interna
à “classe política” o permite. O lado do político
que quer fazer a história do
Brasil pós-moderno, assim como Vargas marcou o Brasil moderno,
seguramente não desapareceu, mas acaba sendo tão postergado
(a não
ser quando dá entrevistas provocando os intelectuais) que passa
a
impressão de acreditar que isso será decorrência natural
da administração
do condomínio habitado pelos que “realmente contam”, os Antônio
Carlos
Magalhães, os Jáder Barbalho, os Michel Temer, os Inocêncio
Oliveira, os
Tasso Jereissati, etc.
Um governo sem programa político, enfim, corre o risco da “sarneyzação”.
Fazer uma reforma ministerial consagrando o equilíbrio de forças
atual é
condenar-se a ficar prisioneiro do PFL e de Antônio Carlos Magalhães.
Optar pela política do “feijão-com-arroz” é antecipar
a disputa por 2002. A
alternativa que resta ao presidente, a meu ver, é reconstruir suas
alianças
por fora, pela sociedade, apostando em governadores como Mário Covas
e
Tasso Jereissati, não sabotando o florescimento de experiências
de
centro-esquerda – como o diálogo entre o PT e o PSDB paulistas ou
uma
eventual coligação em torno da Prefeitura de São Paulo;
ou o sucesso de
um governo como o de Anthony Garotinho, no Rio de Janeiro, que pela
primeira vez compromete o PT com um governo que não é dele,
confinando
o radicalismo ao Rio Grande do Sul – e, finalmente, reaproximando-se da
universidade pública e dos intelectuais que seu governo hostilizou
no
primeiro mandato.
Pode ser que essa estratégia esteja alguns furos acima das possibilidades
imediatas. De qualquer maneira, com a base política atual e sem
programa
o governo afunda. O esquema de apoio do presidente foi bom para
executar reformas liberalizantes e exacerbá-las na direção
do liberismo,
mas não presta para preparar o caminho para a retomada do
desenvolvimento. Urge modificá-la.
Gildo Marçal Brandão é professor do Departamento
de Ciência
Política da USP
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Chega de
baixarias na TV
Roque Spencer Maciel de Barros
Enquanto a Câmara Municipal de São Paulo, por proposta do
vereador Viviani
Ferraz, do Partido Liberal (?), concedeu o título de “Cidadão
Paulistano” ao sr.
Carlos Massa, vulgo Ratinho, sem que esse verdadeiro deboche tenha
merecido a repulsa generalizada dos meios de comunicação,
pelo menos da
imprensa escrita (exceção, pelo que sabemos, do Caderno de
Variedades
desta folha), o senador Artur da Távola, presidente da Comissão
de Educação
do Senado, elaborou um Parecer, na forma de um Projeto de Decreto
Legislativo, com o objetivo de coibir, de maneira mais enérgica
do que até
agora tem sido feito – se é que se fez alguma coisa –, o festival
de autêntico
desrespeito humano e de atentado à cultura, ao bom gosto e ao bom
senso
ao que boa parte de nossa programação televisiva se vem consagrando.
O senador Artur da Távola leva devidamente em consideração
o clamor de
vários setores da sociedade “contra a veiculação de
programação medíocre,
em que prevalecem cenas de violência, permissividade e sensacionalismo,
com total desrespeito aos direitos e valores do público consumidor
(...) o
desfile diuturno de sexo e violência, a dramatização
do cotidiano do miserável,
a exploração do grotesco fazem parte do cardápio que
tem dominado as telas
das emissoras de televisão. Gêneros massificados, simplificados
e
formatados (sic) para consumo em larga escala, que significam retorno
financeiro rápido e seguro, têm lugar cativo na busca desenfreada
pela
conquista da audiência”. Exemplificando com a programação
do SBT, chama
a atenção para o peso cada vez mais reduzido que ela atribui
aos programas
informativos e aos infantis. Enquanto isso, continua, “cresce o apelo fácil
à
ideologia do dinheiro no cerne de alguns programas de auditório,
os exageros
e concursos de sorteio e de prognóstico”. E essa característica,
acentuemos
nós, não é privilégio do SBT, não só
com o programa do Ratinho, mas com o
dono da emissora e outros, outros, mas atinge a Record, com o seu Leão
Livre, e a própria Globo, com o seu Domingão do Faustão
e a chulice de
algumas novelas.
A conclusão do Parecer do senador, que exige o respeito aos dispositivos
constitucionais para a renovação da concessão concedida
a uma emissora de
tevê – o que acontece pela primeira vez no País e já
tardiamente –, foi
aprovada pela Comissão de Educação do Senado, acentuando
o relator que “é
preciso que o Congresso deixe de considerar o pedido de renovação
de
concessões como meros pretextos de formalidades técnicas”.
É verdade que, nos últimos dias de novembro, o Tribunal de
Justiça confirmou
decisão da 14.ª Vara Civil, proibindo algumas deformações
mais gritantes do
mencionado programa do “Cidadão Paulistano”. Mas tanto o Parecer
do
senador tucano quanto essa decisão da Justiça são
uma primeira e tardia
resposta dos poderes constituídos às exigências da
opinião mais esclarecida
do País e realmente preocupada com a deterioração
dos costumes e o
desrespeito humano veiculados pelas emissoras de tevê. Mas isso não
basta.
É preciso que todas as concessões a renovar levem em conta,
com rigor, os
preceitos constitucionais. O que não é uma forma de censura,
mas um basta
ao desregramento e ao desrespeito à lei maior do País. Vamos
descambando
perigosamente para um autêntico estado de anomia, marcado pela violência
desenfreada, pela permissividade e pela impunidade, como se uma nação
pudesse sobreviver sem o mínimo de dignidade e de respeito a padrões
morais formados a partir da noção de sacralidade da pessoa,
como um fim
em si mesma, e não como instrumento de organizações
ou indivíduos que só
têm olhos para o lucro a qualquer custo, substituindo os legítimos
valores do
capitalismo liberal pelos espúrios procedimentos dos fora-da-lei.
Roque S. M. Barros é professor de Filosofia da Educação
e autor de
“Introdução à Filosofia Liberal”
Professor tenta salvar o ensino da língua
falada no Brasil dos séculos XVI e XVII
Bruno Paes Manso
Eduardo Navarro e
a gramática tupi do
padre José de Anchieta:
a escrita é a única
maneira de conhecer
o passado nacional
Foto: Egberto Nogueira
Se Fernando Henrique Cardoso
proferisse em Portugal a frase "Chega
desse nhenhenhém neoliberal", como
fez ao responder aos que criticavam
seu governo, provavelmente não seria
entendido. Nhenhenhém vem do tupi
e quer dizer conversa jogada fora. Um turista brasileiro
que contasse a um moçambicano que "chorou as
pitangas" também correria o risco de encontrar no rosto
de seu interlocutor um grande ponto de interrogação. "Estar
jururu",
cabelo "pixaim" e ficar na maior "pindaíba" são outros exemplos
de
expressões ininteligíveis para lusófonos não-brasileiros.
Os brasileiros
quase não percebem, mas o português que falam é em
grande medida
tributário do idioma tupi, falado pelos aborígines que Pedro
Álvares
Cabral encontrou na Terra de Santa Cruz há 500 anos. Nada menos
que
20.000 dos vocábulos dicionarizados no Brasil têm origem tupi.
No
entanto, os estudiosos da língua são uma espécie em
extinção. Único
especialista que se dedica ao ensino do tupi antigo, o professor da
Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo Eduardo Navarro
resolveu tomar uma providência que funcionou muito bem para salvar
bichos como a ararinha azul ou o mico-leão-dourado. Fundou uma ONG,
a Tupi Aqui, com a qual pretende formar 100 professores do idioma até
o
ano 2004. Não é por diletantismo que Navarro se dedica à
causa. "Não
será possível entender os 250 primeiros anos da História
do Brasil se essa
língua se perder", diz.
Ele tem razão. O tupi antigo era a língua comum às
populações nativas do
Maranhão até o Paraná, formando uma grande unidade
cultural. O verbo
îepotar, por exemplo, era empregado quando alguém estava chegando
por mar, tanto a Porto Seguro quanto a São Vicente. Apesar do
entra-e-sai constante de caravelas estrangeiras, o tupi resistiu nesse
vasto
território por séculos. Era a língua brasílica
por excelência. Essa é uma
peculiaridade da colonização portuguesa, porque em vez de
massacrar
qualquer manifestação cultural nativa, como fizeram os espanhóis
no
restante da América Latina, o que aconteceu no Brasil foi uma espécie
de
colonização do colonizador. A explicação para
isso é que o modelo
português de ocupação do território se baseava
em casamentos mestiços,
as mulheres sendo tomadas nas tribos indígenas. Como eram elas que
educavam os filhos, naturalmente o tupi tornou-se a língua de adoção
dos
primeiros descendentes dos europeus em terras brasileiras. O processo de
aculturação dos lusitanos foi tão forte que o padre
Antônio Vieira já o
notou em pleno século XVII. "É certo que as famílias
dos portugueses e
índios de São Paulo estão ligadas umas às outras
e que a língua que nas
ditas famílias se fala é a dos índios. E a portuguesa,
a vão os meninos
aprender à escola."
O indício mais generoso dessa assimilação cultural
aconteceu quando os portugueses sistematizaram uma
gramática e uma linguagem escrita para o tupi. Sem
esses dois elementos, alguns dos mais importantes
traços culturais dos índios da época do Descobrimento
teriam desaparecido, já que os nativos quase não
deixaram construções, registros ou objetos resistentes à
ação do tempo. Graças ao padre José de Anchieta
e a
seus companheiros da Companhia de Jesus, muitas
cartas e relatos de época foram escritos na língua original.
Uma Bíblia foi
vertida para o tupi por um missionário holandês e calvinista.
Os momentos
que precederam a Batalha dos Guararapes, em que se enfrentaram índios,
portugueses e holandeses, também foram analisados em cartas escritas
na
língua. Foi em tupi que os bandeirantes desbravadores se comunicaram.
É
por isso que tantos Estados, municípios e rios têm nomes de
origem
indígena. Pernambuco é "mar com fendas", uma referência
aos arrecifes.
Paraná é "mar". Pará é "rio". Piauí
é "rio de piaus", um tipo de peixe.
Sergipe é "no rio do siri". Paraíba é "rio ruim".
Tocantins é "bico de
tucano".
O terrível Domingos Jorge Velho, um dos responsáveis pelo
aniquilamento
do Quilombo dos Palmares, não sabia falar português, segundo
o relato de
um bispo da época. O ano era 1697 e as tropas paulistas que haviam
massacrado Zumbi só falavam em tupi. Mesmo escritores que se
notabilizaram por sua literatura em português conheciam — e bem —
o
idioma indígena. Foi o caso do padre Antônio Vieira e de Gregório
de
Matos. A língua tupi foi aquela em que se comunicaram, até
meados do
século XVII, as melhores famílias quatrocentonas brasileiras.
Versos do
poeta Gregório de Matos chegavam a ironizar o vernáculo da
elite de
Salvador: "A coisa como ser um paiaiá, mui prezado de ser caramuru,
descendente de sangue de tatu, cujo torpe idioma é o cobepá",
brincou
Matos no século XVII. O escritor Sérgio Buarque de Holanda
relatou no
clássico Raízes do Brasil que, em um inventário feito
numa repartição
pública paulista em pleno século XVII, foi necessária
a participação de um
intérprete porque a herdeira não sabia uma palavra de português.
Com tal força cultural, o tupi comportava-se como qualquer língua
viva.
Incorporava novos vocábulos, gírias, expressões idiomáticas,
particularmente as originárias do próprio português
e do idioma
quimbundo que era falado pelos escravos africanos. Foi assim que o tupi,
na origem uma língua desprovida de tempos verbais, desenvolveu também
desinências indicativas de presente, passado e futuro. A falta dessas
desinências não significa que se tratasse de um idioma menos
sofisticado.
Basta lembrar que o mandarim, a principal língua falada na China,
velha
em mais de 5.000 anos, também não tem tempos verbais. Como
eles
sabem então quando se passa a ação? Pela adição
à frase de um advérbio
de tempo. Era assim também com o tupi.
Outra modificação importante pela qual passou a língua
nativa foi a
inclusão de numerais acima de quatro. Os índios só
identificavam os
números 1, 2, 3, 4 e "muitos". Para dizer que dez jacarés
estavam no rio,
diziam "minhas mãos". Vinte, "minhas mãos e meus pés".
Os pronomes
demonstrativos também mudaram. Para os índios, que viviam
entre animais
selvagens, era importante ter um termo que indicasse quando algo estava
próximo e podia ser visto. Outro para quando estava próximo
mas não
visível. Na língua modificada, aquela que se tornou a forma
de expressão
do mameluco, o mestiço brasileiro, o pronome caiu em desuso.
Foi pela força de um decreto que o tupi
perdeu terreno para o português. Em 1758,
o marquês de Pombal, interessado em
solapar o poder da Companhia de Jesus no
Brasil e em aumentar o domínio da
metrópole portuguesa sobre a colônia de
ultramar, proibiu o ensino e o uso do tupi.
Iniciou-se um longo declínio. Até meados
do século XIX, redutos no interior de São
Paulo ainda se expressavam em tupi, e o
idioma transformou-se em bandeira
nacionalista. Foi assim com o romantismo
da literatura de José de Alencar e
Gonçalves Dias, que faziam apologia dos heróis selvagens.
Nos anos 20, o
movimento modernista ironizava a mistura da cultura européia com
a
brasileira por intermédio do dístico "tupi or not tupi".
Os últimos suspiros da língua dos antepassados aconteceram
nos anos 30
e 40, durante a era Vargas, sob o influxo do nacionalismo em voga na
época. Não por acaso, a saudação integralista
"Anauê" era tomada do
tupi. Significa "você é meu parente". Nesse período,
o idioma indígena
ganhou cadeiras nas universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e
Paraná.
Era ensinado segundo a gramática de José de Anchieta. Em
1955, o
presidente Café Filho obrigou todas as faculdades de letras a incluir
um
curso de tupi. Durante a década de 70 inteira e até os dias
atuais, com a
cultura indígena massacrada pelos projetos de desenvolvimento, a
idéia de
ensinar o tupi passou a ser mais desvalorizada do que a de ministrar cursos
de sânscrito ou grego arcaico. É essa noção
que o professor Navarro
pretende corrigir. Não para conhecer melhor os índios que
moravam no
Brasil. Mas para conhecer melhor os brasileiros.
Os brasileiros estão tratando melhor o idioma que neste ano
deu o Nobel ao escritor português José Saramago
10 erros poluem o texto principal desta reportagem, além dos
termos entre aspas. Localize-os para avaliar seu português e
confira as respostas no final.
Nos bares e nas lanchonetes de São Paulo e do Rio de Janeiro,
torna-se cada vez mais difícil encontrar um bom "mixto-quente",
com o
"x" no lugar do "s", ou um saboroso "baurú", com o dispensável
acento
agudo no "u" final, tradicionais erros ortográficos dos cardápios
brasileiros.
É bem verdade que, caso a pessoa se afaste dos grandes centros,
sempre
poderá encontrar aquele modesto paradouro de beira de estrada que
anuncia: "Os prato p/viajem, é cobrado à embalajem". Mas,
apesar dos
pesares, a situação vai melhorando aos poucos.
O primeiro Nobel literário para a sexta língua mais falada
no mundo - o
português -, entregue na quinta-feira 10 ao mais festejado entre
seus cerca
de 200 milhões de usuários vivos, o escritor José
Saramago, coincide no
Brasil com um fenômeno de revalorização da palavra
em diversos setores
da sociedade. A tese corrente de que as gerações mais jovens
não querem
mais saber de ler e escrever é contestada por Maria Thereza Fraga
Rocco,
professora titular da Faculdade de Educação da USP. Ela realiza
pesquizas
periódicas com textos de vestibulandos desde 1977, ano em que o
tema
"Nenhum homem é uma ilha", retirado de um poema do inglês
John Donne
(1572-1631), marcou a volta da redação ao vestibular da USP
e anunciou o
crepúsculo da famigerada "era da cruzinha", apelido depreciativo
para os
testes de múltipla escolha. Concluiu-se que, dessa época
até 1994, os
mais alarmantes problemas de escrita foram sanados: a fuga ao tema caiu
de 98% para 5%; o uso de clichês e frases feitas, de 70% para 15%;
e a
quebra de coesão e a falta de coerência reduziram-se drasticamente.
"A falsa impressão de que as novas gerações
falam e escrevem pior deve-se ao fato de que a
democratização do ensino abriu as portas das
escolas para a linguagem das classes
populares", sustenta o professor paulista
Francisco Moura, que ensina redação a
vestibulandos e é autor de uma das mais
difundidas coleções didáticas de Língua e
Literatura para o curso medio. "A partir dos
anos 70, as escolas deixaram de falar apenas
a norma culta da elite, que padroniza o idioma, mas não é
a única válida." E
Cilene da Cunha Pereira, professora de Língua Portuguesa da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem posição semelhante:
"Não que as
pessoas estejam escrevendo pior, o que existe é maior consciência
da
necessidade de se expressar adequadamente".
Maria Thereza Rocco detecta sinais de avanço no ensino médio,
em que se
firma a tendência contemporânea de o professor não ser
mais o único leitor
das redações de seus alunos. "Os adolescentes da sétima
e oitava séries
têm grande satisfação em ter seus textos lidos pelos
colegas, que
escolhem os melhores para mostrar a outras classes", diz ela.
Recém formados no ensino médio pelo Colégio Palmares,
de São Paulo,
Gabriel D'Ambrosio Franca, Nadja Woczikosky Marin e Fabiano Tiba, todos
de 17 anos, fazem parte dos cerca de 25% de estudantes que se atrevem a
gostar de ler e escrever tanto quanto de namorar ou tomar chope.
Produzem textos brilhantes, por iniciativa própria, e mesmo nas
férias
prezam a companhia de alguns senhores respeitáveis como Machado
de
Assis, Guimarães Rosa, Kafka ou Saramago. "Os livros são
aquilo que
sobrou", diz Nadja. "As pessoas andam muito individualistas e a leitura
as
faz buscar um elo comum em torno daquilo que nunca é falado."
Mesmo fora do âmbito escolar, pêlos muitos caminhos da vida
profissional
e cotidiana, encontram-se indícios de que a estima pela língua
portuguesa
nem sempre tem ranço passadista. "As pessoas estão descobrindo
que o
bem falar faz parte do perfil do profissional de hoje", afirma Sérgio
Nogueira
Duarte, que atua no Rio como consultor de empresas (inclusive de
comunicações) sobre questões vernáculas e critérios
de escrita. Dá
palestras pelo Brasil todo. O florescimento desse mercado ocorreu de seis
anos para cá. Foi quando as empresas brasileiras começaram
a adotar as
normas internacionais para gestão de qualidade preconizadas na norma
ISO 9000. "Antes elas só investiam em cursos de informática
e inglês",
recorda Duarte. "Mas hoje, se têm verba para treinamento, lá
vem
português." Por conta disso, técnicos mais afeitos a números
viram-se na
continjência de produzir material escrito de sua própria lavra
como tarefa
cotidiana. É uma curiosa repetição do Brasil de um
século atrás. No tempo
de Machado, mesmo os mais simples praticavam a escrita como quem
toma cafezinho, apesar da ortografia caótica. Como não havia
telefone, todo
mundo se comunicava por bilhetinhos.
Hoje, em plena era do correio eletrônico, o superstar da mídia
em questões
vernáculas é o professor Pasquale Cipro Neto. Seus programas
na rádio e
na TV Cultura de São Paulo atraíram o interesse de Dorian
Taterka,
presidente e diretor de criação da agência que cuida
das campanhas da
rede de lanchonetes McDonald's. O publicitário resolveu convidá-lo
para
apresentar uma série de comerciais do Big Mac apresentados em 20
estados brasileiros. Foram sete filmes só em 1998. O tema principal
é
sempre a língua portuguesa.
O público, tem demonstrado crescente interesse por manuais de redação
que uma década atrás eram destinados apenas ao uso interno
dos
principais jornais e revistas brasileiros. O do jornal O Estado de S. Paulo,
por exemplo, de autoria de Eduardo Martins, já vendeu cerca de 300
mil
exemplares desde sua distribuição às livrarias, em
agosto de 1990, época
em que permaneceu um ano na lista de best-sellers. O CD-ROM Nossa
Língua Portuguesa, lançado em
novembro de 1997 pela Publifolha e
apresentado por Pasquale Cipro Neto,
em um ano chegou a marca de 45 mil
unidades vendidas.
A proliferação de publicações,
programas e colunas de jornal voltados
para o aprimoramento da língua
portuguesa encontra correspondência
em duas iniciativas semelhantes na
área legislativa das maiores cidades do
país. O vereador Vicente Viscome, de São Paulo, e a deputada
estadual
Alice Tamborindeguy, do Rio, propõem multas por erros ortográficos
expostos em cartazes, faixas, letreiros e placas em locais públicos
e
também a criação de postos de apoio para as pessoas
que precisam sanar
dúvidas ortográficas.
A verdade é que ninguém está livre de derrapar na
curva. Apesar das
melhoras, o olhar atento acha êrros por todos os lugares. Implacável
caçador de aberrações, o artista gráfico carioca
Cássio Loredano chegou ao
extremo de trocar o pediatra da filha ao ler na receita que determinado
remédio devia ser tomado "há" (sic) cada 4 horas. E não
esquece que um
grande jornal noticiou que um zagueiro do Botafogo, após fazer um
golaço,
fora cercado por torcedores "estéricos", em vez de "histéricos".
Pode-se maltratar a língua até mesmo quando se pensa em dar
uma
enfeitada. Bom exemplo é o de professores da PUC paulista que há
alguns
anos espalharam locuções verbais do tipo "vamos estar chamando",
em vez
de "chamaremos". Derivado do inglês ("we'll be calling"), esse esdrúxulo
"futuro do gerúndio" virou praga nos meios cultos como se fosse
um toque
de classe. É o equivalente dos comentaristas de futebol que adotaram
"essa bola", em vez de simplesmente "a bola", como se houvesse mais de
uma em jogo. Já as telefonistas cariocas consagraram expressões
como "o
diretor está reunido" querendo dizer que ele "está em reunião".
Convenhamos, não é certeza que o quadro deva melhorar como
consequência direta das iniciativas de valorização
do português. "Esses
programas que existem no rádio e na TV são positivos porque
fazem as
pessoas se preocupar com a língua", admite Francisco Moura. "Mas
não
ensinam ninguém a escrever, porque não é a gramática
que conta." A idéia
é endossada pelo filósofo Luiz Paulo Labriola, assistente
de direção do
ensino médio em uma grande escola de São Paulo e crítico
implacável dos
cursinhos e até da prova de Português do vestibular da Unicamp,
referência
para o país inteiro. "Os pré-vestibulares fazem a simples
formatação
intelectual do estudante dando a ele uma série de dicas práticas
do domínio
discursivo para tornar seu texto mais legível: tamanho do parágrafo,
número
de exemplos, tipo de metáfora mais atraente e assim por diante",
diz
Labriola. "Lidam com a burocracia, não com o espírito da
escrita. Não se
trata apenas de colocar no papel aquilo que o autor pensa mas também
de
estimulá-lo a pensar, de criar um canal para a reflexão.
Escrever é atividade
de mão dupla."
Licenciado em Letras e famoso professor em Porto Alegre antes de entrar
na política, o hoje senador José Fogaça recorda: "Na
década de 60, quando
eu ainda dava aulas de Português, já se falava na perda do
domínio da
língua culta". E reflete: "É verdade que agora já
não surgem escritores e
pensadores com a mesma abundância do passado, mas a comunicação
escrita permanece como fonte de prazer e refúgio para a angústia
humana,
como algo necessário a nossas opções emocionais".
Por mais que se promova e incentive a boa prática da língua
portuguesa
entre as novas gerações, isso não basta para avalizar
a idéia, defendida por
alguns, de que ela (como o chinês) estaria fadada a conquistar no
próximo
século uma importância compatível com o número
de seus usuários.
"Precisamos de uma estratégia para sobreviver, pois corremos o risco
de
ser varridos por um vendaval, como aconteceu com o francês", adverte
José
Saramago, traduzido para 30 línguas. "Mas essa estratégia
não implica um
padrão ortográfico único. Ainda que o Brasil tenha
papel excepcional, todos
os países de língua portuguesa devem ser levados em conta."
Saramago
não é uma voz isolada nas críticas à reforma
ortográfica na Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), aprovada em julho
mas ainda
sem data para entrar em vigor. Muitos intelectuais consideram coisa de
gabinete a tentativa de fazer sete navios lusos navegar sob a mesma
bandeira.
O único concenso é que o futuro do português entre
as demais línguas está
atrelado ao desempenho econômico do Brasil, país que concentra
79% da
comunidade lusófona. Por enquanto, essa expansão é
restrita, porém
significativa. Desde o início da década, o número
de estudantes de
Português vem aumentando nos Centros de Estudos Brasileiros que
funcionam nos demais países do Mercosul. No Paraguai, por exemplo,
eles
quintuplicaram. Já na Europa nada mudou. Mas a marginalidade da
língua
não impede que, correndo quase pelo acostamento da estrada aberta
por
Saramago depois do prêmio, Clarice Lispector comece a seduzir os
franceses e Machado de Assis esteja sendo traduzido para o catalão.
"A
literatura brasileira vem influenciando não só escritores
de Portugal como
também de suas ex-colônias africanas", ressalta o tradutor
e escritor
carioca Marco Lucchesi. E completa: "Ela é forte porque tem a altitude
dos
edifícios de São Paulo e a profundidade abissal dos sertões".
Renato Modernell
Entrevista
O incansável Antônio Houaiss
O patriarca da língua promete um superdicionário
Época: Nossa língua perde espaço no cenário
mundial?
Antônio Houaiss: Ela não está conseguindo criar os
elementos
necessários para competir com as grandes línguas de cultura.
Mas sou
otimista por saber que a hegemonia desta ou daquela língua tem sido
sempre um fato transitório.
Época: A atual predominância do inglês é uma
ameaça às outras
línguas?
Houaiss: Hoje 1,2 bilhão de pessoas fala inglês, que faz a
função de
segunda língua tanto no Ocidente quanto no Oriente. Nunca houve
algo
assim na História da humanidade. Por uma questão de biodiversidade,
isso não é bom. Porém, o fenômeno lingüístico,
por sua própria
natureza, é diversificante. No Brasil, o tupi já foi a língua
geral num
dado momento, mas também era altamente diversificado.
Época: Já que a diversificação é natural
e desejável, por que o senhor
apóia a unificação ortográfica da língua
portuguesa?
Houaiss: Porque ela tende a colocar certo freio nessa tendência
caótica da diversificação, mas nunca é completa.
Preserva sempre a
diversidade cultural. Cabe lembrar que uma língua não é
apenas sua
norma culta, mas também suas formas populares.
Época: Quem são as pessoas que melhor tratam a língua
portuguesa?
Houaiss: Os escritores artísticos, inerentes às modernas
línguas de
cultura. Por que preciso de um Guimarães Rosa? Por que Saramago
desperta tanto entusiasmo? Eles não são escritores canônicos.
É
preciso violar o cânone para criar uma obra original, o que representa
uma obsessão da humanidade.
Época: Fora dos livros, o português falado e escrito se degradou
muito
no Brasil?
Houaiss: Minha impressão é de que, apesar de tudo, as condições
gerais melhoraram. Não devemos esquecer que no século 19,
em São
Paulo, nem na família se falava a língua geral. De lá
para cá a
unificação do português tem sido notável no
Brasil.
Época: Por que se cometem tantos erros de português na vida
cotidiana?
Houaiss: É impossível pensar num povo culto que não
esteja a par dos
fenômenos universais. Uma língua de cultura supõe um
povo culto.
Temos um ensino superior muito medíocre. Mas temos de pacientar
nesse ponto. Devemos transformar tais deficiências num objetivo a
ser
superado no Brasil. Tenho a impressão de que é possível.
Esse
otimismo se deve à imprevisibilidade da História, que sintetiza
minha
posição perante o mundo de hoje.
Época: Como se sente na posição de patriarca da
língua no Brasil?
Houaiss: Sinto-me um devedor. Meu compromisso
é dar um passo à frente na lexicografia. Quero ver
se até o ano 2000 edito um grande dicionário da
língua portuguesa, ainda que na forma de
CD-ROM. Por isso, sejam quais forem minhas
condições de saúde, preciso ficar vivo até
lá.
ANTÔNIO HOUAISS
Um homem do mundo das letras
Traduziu Ulisses, de James Joyce, para o português.
Trabalha num dicionário de 300 mil verbetes.
Foi ministro da Cultura no governo Itamar Franco.
Tem 83 anos, é carioca e vive no Rio de Janeiro.
Rubro-negros na terra de Machado
Mas será que o mestre os entenderia?
Os irmãos Marcos Aurélio Justino Ribeiro, 24 anos, e Leonardo
Justino
Ribeiro, 23, demonstram a linguagem popular num jogo do Flamengo:
Leonardo: E aí, irmão? Vamos ao Maraca? Vai ser um sacode
do
Mengão.
Marcos: Demorou. Mas vamos ligar pra alguém da galera pra não
voltar de
buzum.
Leonardo: Mas, se não pintar carona, vale o perrengue assim mesmo.
Vai
ser um chocolate do Mengão. (...) O Romário meteu um, mas
o time tá
arroizando ele.
Marcos: O jogo tá sinistro.
Leonardo: Ih, maluco, olha lá na galera. Tá comendo a porrada.
Pararam
de vender gelol para estancar, mas não teve jeito.
Marcos: Se vier pra cá, a gente vaza voado.
Glossário
Um sacode = Um espetáculo.
Demorou = Significa ao mesmo tempo concordância e satisfação.
Buzum = Ônibus.
Perrengue = Sufoco, sacrifício.
Chocolate = O termo indica que um time foi muito superior ao outro, venceu
com folga e justiça.
Arroizando = Os demais jogadores do Flamengo estavam apenas "na aba"
de Romário, escondendo-se do jogo.
Tá sinistro = A situação não é boa.
Maluco = Tratamento carinhoso entre amigos.
Comendo a porrada = Briga generalizada, fora de controle.
Gelol = Cerveja.
Vaza voado = Sai correndo, foge.
Colaborou: Alexandre Medeiros, do Rio
10 correções
"Pesquizas", na verdade, é "pesquisas"
"Medio" deve ter acento agudo no e: "médio"
"Recém-formados" é assim, com hífen
"Pêlos" neste caso é preposição: "pelos"
"Continjência" é com g: "contingência"
"O público...": sem vírgula entre sujeito e predicado
"Chegou à marca": o certo é com crase
"Êrros" com acento é outro erro
"Consequência": faltou o trema, que ainda vale
"Concenso" deve ter "s" no meio:"consenso"
Fotos: Ana Branco/Ag. O Globo, Denise Adams/Época, Divulgação,
André Durão/AE