São Paulo, 19/03/2003

Oriente Médio
A guerra segundo um iraquiano


Miguel Glugoski, do Jornal da USP

O professor Mahir Saléh Hussein, titular do Instituto de Física da USP com especialização em física nuclear no MIT - Massachusetts Institute of Technology (EUA), acompanha com apreensão o conflito no Iraque. Nascido em Bagdá, ele não se preocupa apenas com a sorte de seu país, em geral; teme pela vida de duas irmãs e dos muitos primos que vivem na capital iraquiana.

Pessoalmente, reclama de injustiça de que seria vítima por parte do consulado norte-americano em São Paulo que, segundo ele, há mais de dois meses vem retendo seu passaporte, impedindo que atenda a convite de cientistas da Universidade do Texas para participar de um projeto em sua especialidade. "Eu sou brasileiro desde 1978, cientista com estreito contato com universidades norte-americanas, francesas e japonesas, e considero o seqüestro do meu passaporte um ultraje a todos os cientistas brasileiros."

Sempre ressaltando que não apóia Saddam, o professor da USP considera imoral a provável guerra dos Estados Unidos e seus aliados contra o Iraque, porque os motivos alegados não têm fundamento: o ditador não tem condições de fabricar bomba nuclear, nem possui armas de destruição em massa; trata-se mesmo de guerra de conquista à moda antiga, do tempo em que ainda não existiam as Nações Unidas para cuidar da harmonia entre as nações. Para acabar com a ditadura em seu país de origem, o professor diz que é preciso tempo, paciência e o fim do boicote econômico; o próprio povo iraquiano se encarregará do resto.

Sem bombas
Se as condições políticas do Iraque não se tivessem alterado drasticamente, o país teria mesmo condições de fabricar bombas atômicas, com a ajuda dos EUA e da Inglaterra, confirma Mahir Hussein. Mas, depois da guerra do Golfo, tudo foi destruído, inclusive as instalações para produção de plutônio, quando Israel bombardeou o reator adquirido da França. Um relatório do Centro de Los Alamos confirma que a fábrica de combustíveis foi destruída.

Segundo o professor Hussein, a situação econômica da população é dramática, a classe média, embora residindo em grandes vivendas construídas no tempo de fartura, não dispõe de comida, e a desnutrição e a falta de remédios são ameaça constante.

O professor atribui parte da responsabilidade por essa situação à ONU, que impôs o embargo econômico ao Iraque, prejudicando a população em geral. Isso teria sido reconhecido pelo próprio representante do organismo internacional em Bagdá, que pediu demissão do cargo, depois de ver crianças morrendo de fome e sem remédios.

Por ser rico em água e petróleo, que dão ao país uma posição muito especial no mundo árabe e muçulmano, o Iraque sempre foi alvo muito visado e sofreu ocupações por muitos povos - mongóis, persas, otomanos, ingleses e agora os Estados Unidos. Depois da Primeira Guerra, em 1921, passou a ser governado por um primo do rei Hussein da Jordânia, mas sempre controlado pelos ingleses. Só em 58 esse regime caiu sob violenta revolução popular, mas as divisões internas se mantiveram por conta de comunistas, nacionalistas (partido Baas) e nasseristas. Em 1968, aparece Saddam Hussein, o homem forte que em 79 assume o poder total e se mantém até hoje. "Para governar um país dividido Saddam optou pela violência", lamenta o professor Hussein.

De acordo com o professor, todos os iraquianos residentes no Brasil e em outros países são contra a guerra, apesar da oposição a Saddam, "porque sabem o que vai acontecer". Ninguém aceita o argumento do governo dos EUA de que o Iraque tem ligações com o terrorismo. "Depois de 11 de setembro de 2001, a maneira como estão conduzindo a guerra contra o terror é completamente errada", garante.

Vizinhos apreensivos
Para fazer entender a geopolítica da região, o professor analisa a posição de alguns países vizinhos do Iraque. A Arábia Saudita, centro do islamismo, está agindo com muito cuidado, sabendo distinguir as ameaças reais, como as de 1990, das ameaças imaginárias divulgadas pelos EUA. Condena a guerra, não aceita a desculpa de que o Iraque patrocina o terrorismo e não cedeu suas bases ao invasor. Segundo o professor Hussein, o mundo árabe ainda espera convencê-la a não permitir o uso de seu espaço aéreo para a guerra. Muitos sauditas ricos são absolutamente contrários à presença norte-americana no país; isso seria um insulto ao islamismo.

Quanto à Turquia, outro país muçulmano, embora não árabe, a população, por intermédio do Parlamento, decidiu negar permissão aos norte-americanos de usar seu território militarmente, apesar das pressões e da oferta bilionária em ajuda econômica. O país tem relação muito estreita com o Iraque por vários motivos. Grande parte do petróleo iraquiano é levado aos portos para exportação através do território turco, o que lhe rende muito dinheiro. O mesmo vale para a Síria e a Jordânia. A Turquia teme ainda que, depois da provável guerra, os curdos instalem no norte do Iraque um Estado independente, atraindo para lá também os curdos do sul de seu país, o que poderia constituir séria ameaça a sua segurança. A resistência turca pode ser considerada heróica. Com a promessa de ajuda econômica, diz o professor, "está em jogo o preço de cada civil que vai morrer se houver guerra: oferecem-se US$ 15 ou 20 bilhões de ajuda à Turquia, o que é praticamente o preço dos iraquianos ameaçados".

No Golfo, países como o Kuwait e o Catar são "protetorados dos EUA", segundo o professor. "Ficam gritando independência, que não existe. Lá estão as forças americanas que não vão sair nunca."

Se Saddam Hussein for deposto pelos Estados Unidos, qual será o futuro do Iraque? O professor não tem dúvida de que continuará dividido, pois cada uma das tendências - curdos, xiitas, sunitas - tentará dominar o país. O professor insiste em que se registre um elogio ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se mantém firmemente aliado à posição dos países que lutam pela preservação da paz no Oriente Médio.

Mahir Saléh Hussein partiu para os Estados Unidos aos 22 anos, depois de concluir a Universidade de Bagdá. Permaneceu durante cinco anos e meio no MIT, até que, a convite do pesquisador brasileiro Antonio de Toledo Piza, veio para o Brasil em 1971. Na USP leciona Física Teórica e Física Nuclear, na graduação e na pós. É da Comissão de Pesquisa do Instituto de Física, portanto, integra o Conselho Central da Universidade. Além do MIT, colabora com grupos de pesquisa das universidades de Michigan, Califórnia, Berkeley e da Carolina do Norte.


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