São Paulo, 11/08/2003

Um mundo possível, na visão de Fritjof Capra


Leandra Rajczuk

Os novos paradigmas do modelo de globalização que tornarão possível compatibilizar dignidade humana e desenvolvimento econômico sustentável foram um dos temas centrais abordados nesta segunda (11) pelo físico austríaco Fritjof Capra, autor de O Tao da Física, O Ponto de Mutação e A Teia da Vida, sucessos de venda no mundo inteiro e referências indispensáveis na discussão das principais questões da vida contemporânea. Capra foi o centro da palestra "Novos Paradigmas para uma Vida Sustentável: Economia, Ecologia e Ser Humano" que reuniu, das 8h30 às 12h30, no Espaço Rosa Rosarvum, em Pinheiros, representantes do governo, empresas, organizações civis, educadores, órgãos de imprensa e especialistas das áreas econômica, social e ambiental.

O tema proposto teve como base o mais recente livro do físico, As Conexões Ocultas - Ciência para uma Vida Sustentável (2002), no qual ele demonstra que todas as formas de vida - desde as células mais primitivas até as sociedades humanas, suas empresas, estados nacionais e até mesmo a economia global - organizam-se segundo os mesmos princípios básicos: o padrão de redes, com unidades e sistemas interconectados. "O título do livro surge do discurso de que a educação, hoje, é a capacidade de perceber as conexões ocultas a partir de uma compreensão sistêmica e unificada que integra as dimensões biológica, cognitiva e social da vida, além de uma dimensão cultural com as principais questões do nosso tempo", ressalta. "Em nosso planeta, os seres humanos e ecossistemas estão ligados à teia da vida e, nesse sistema, as redes são autogeradoras, ou seja, vivas, criam e recriam-se substituindo seus componentes."

Ele também defende que nossa visão fragmentada do mundo seja urgentemente abandonada em favor de um novo paradigma baseado na ecologia profunda e na parceria, e que o dinheiro não seja o único sustentáculo das crenças e valores que regem as organizações humanas. A mudança de atitude para uma economia ecologicamente sustentável e socialmente justa é, na visão de Capra, fundamental para a própria sobrevivência da humanidade.

Segundo o físico, é possível identificar, neste início de milênio, dois fenômenos que terão grande impacto no futuro da humanidade: o crescimento do capitalismo global e a criação de comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria. Esses dois movimentos estariam em plena rota de colisão. Em sua palestra, Fritjof Capra propõe uma revisão do modelo de globalização de forma a tornar compatíveis a dignidade humana e o desenvolvimento econômico sustentável. "Nas três últimas décadas surgiu um modo de organização do capitalismo diferente do que existia no período que vai do término da Segunda Guerra Mundial até o final dos anos 60, centrado em atividades econômicas globais, competitividade como inovação e numa economia baseada em rede financeira, que popularmente conhecemos como globalização", reflete. "Como o capital corre em tempo real, temos um 'cassino' operado eletronicamente pelo sistema financeiro e que não segue uma lógica."

Para ilustrar, Capra faz referências as graves crises que, segundo ele, foram causadas por turbulências dessa rede tecnológica financeira global, como a do México em 1992, a do Pacífico Sul (asiática), Rússia e no Brasil. "O impacto social e ecológico da globalização é discutido por estudiosos, mas o fato é que ela está produzindo uma ruptura da democracia e também forte deterioração do meio ambiente", pondera. "Como a atual forma de globalização econômica foi projetada conscientemente pode, por essa mesma razão, ser reprojetada."

Para Capra, o capitalismo global em sua forma atual é insustentável e precisa ser revisto o quanto antes. "É um sistema baseado no princípio de que ganhar dinheiro deve ter precedência sobre todos os outros valores. Com isso, criam-se grandes exércitos de excluídos e gera-se um ambiente econômico, social e cultural que não apoia a vida, mas a degrada, tanto no sentido social quanto no ecológico."

O grande desafio que se apresenta no século 21 é o de promover a mudança do sistema de valores que atualmente determina a economia global e, a partir disso, se chegar a um sistema compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica. "O modo de ver a sociedade está sendo mudado em parte graças ao surgimento de ONGs, atores políticos da sociedade civil global, e também de movimentos de justiça global, responsáveis por organizar no Brasil três fóruns em Porto Alegre onde foram discutidas políticas sociais alternativas."

Entre algumas propostas já formuladas, estão os projetos de designer industrial ou ecodesigner que, segundo Capra, podem ser aplicados no País com base em uma economia orientada para fluxos. "A organização de diferentes indústrias para formar castas em que os resíduos de uma podem ser alimento para outra é perfeitamente viável", observa. "Alugar um aparelho de televisão é mais sábio que comprar esse equipamento porque este serviço pode voltar ao seu fabricante para que ele possa reaproveitar seus componentes."

Como enfatiza Capra, é uma questão de atitude e nova abordagem em relação ao designer. "Nesse sentido, o setor de energia solar é o que mais tem crescido nos últimos anos, pelo fato de ser uma fonte barata de energia. Entretanto, como Sol por si só não tem recursos infinitos, a solução está no desenvolvimento de células de hidrogênio, que é o combustível mais limpo que existe."

Segundo Capra, o governo da Islândia está envolvido na elaboração de tecnologia de separação do hidrogênio a partir da água do mar. A estimativa para a transformação ocorrerá entre 2030 e 2040. "Com o tempo, a separação do hidrogênio da água será o método mais eficiente e ecologicamente correto, substituindo a obtenção de hidrogênio a partir de combustíveis fósseis ou hidrocarbonetos, forma que acaba gerando certos poluentes", avalia. "Nessa linha, há um novo projeto para automóveis com conseqüências para indústria do aço e da eletricidade."

Essas idéias estão sintetizadas com o projeto do "hipercarro", que será ultraleve, uma vez que o chassi será feito por fibras de carbono. "O peso do automóvel será reduzido pela metade com economia de combustível, além de eficiência aerodinâmica", conta. "Já há protótipos e a operação é silenciosa. Quando o carro não está sendo utilizado, sua célula de combustível poderá produzir eletricidade, fator que gerará um impacto na produção de eletricidade, pois o proprietário do carro poderá utilizar essa energia, economizando em sua conta e em outros recursos naturais ou revendendo o excesso para indústrias e outras empresas. Diferentes modelos estão sendo testados por algumas montadoras e os primeiros modelos serão produzidos em escala comercial nos próximos anos."

Capra garante que estamos no início de um processo de transição histórica. "O óleo do Golfo Pérsico não será competitivo com a energia solar ou a do hidrogênio, o que significa que não valerá mais a pena extrair petróleo." A transição para economia de hidrogênio trará mudanças profundas na sociedade mundial . "Essa mudança será mais importante no Hemisfério Sul porque a extração do hidrogênio da água vai melhorar a vida de milhões de pessoas que vivem na miséria."

Para Capra, a transição ao futuro sustentável é um problema de valores e liderança política. "Uma comunidade sustentável deve satisfazer suas necessidades sem diminuir oportunidades das próximas gerações", define. "A chave para se conseguir um mundo sustentável pode ser modelada a partir dos ecossistemas da natureza." Para isso, é preciso agregar valores baseados na alfabetização ecológica e na prática do projeto ecológico, compostas de redes ecológicas de fluxos de energia e matéria. "A sobrevivência vai depender dessa consciência de que a vida não assumiu o planeta através do combate, mas de redes de cooperação." E finaliza: "O outro mundo é possível."

O encontro, seguido de um debate entre o conferencista e os participantes, foi uma iniciativa do Núcleo de Ciências Humanas do Instituto para o Desenvolvimento Socioambiental (Idesa) em parceria com o Instituto Ecoar para a Cidadania. Nos próximos dias o físico, juntamente com pesquisadores de outros países, estará em Brasília onde deverá se reunir com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para apresentar suas idéias.




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