São Paulo, 03/10/2003


O Brasil que cresce e exclui


Miguel Glugoski, do Jornal da USP

Números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre o século 20, recentemente divulgados, indicam que o Brasil continua sendo um país de contrastes: se entre 1901 e 2000 a população passou de 17,4 milhões para 169,6 milhões, o Produto Interno Bruto se multiplicou por cem, o PIB per capita por 12, e a expectativa de vida saltou de 33,4 anos em 1910 para 64,8 anos no final do século, é também verdade que a distribuição de renda se mantém profundamente desigual e injusta, gerando pobreza e exclusão social.

O Brasil teve no século passado uma das mais altas taxas de crescimento do planeta, conforme observa o professor Simão Davi Silber, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, especializado nas áreas de macroeconomia, economia brasileira e economia internacional. Mas esse progresso se manteve apenas até os anos 80. A partir daí, o desempenho é bem mais modesto, porque o modelo econômico se esgotou - era muito voltado para o mercado interno, muito estatizante, regulamentador demais e levou o setor público à falência. Nos últimos 20 anos do século, vários governos tentaram consertar a política econômica, mas com poucos resultados.

Para Silber, a inflação foi o maior flagelo do século, particularmente depois dos anos 80, e a razão de o País não ter a partir daí bom desempenho é porque perdeu totalmente o controle sobre ela. Para conviver com a inflação, volta e meia se mexia nos contratos e se rompia com direitos adquiridos, o que não está totalmente resolvido ainda hoje.

Outro efeito danoso da inflação foi a piora na distribuição de renda. A inflação é sobretudo um imposto sobre os pobres e o seu descontrole fez aumentar a pobreza, principalmente na segunda metade da "década perdida" e na primeira da seguinte.

Quanto à dívida externa, Silber considera-a absolutamente irrelevante, hoje. No passado, ela ajudou no crescimento; depois, com a subida das taxas de juros, atrapalhou. Agora, o grande problema do Brasil não é a dívida externa, mas a interna. São coisas diferentes, a começar pela moeda de pagamento. A dívida externa quita-se em dólar, a interna em reais; a externa vence a longo prazo, até 2024, e com juros relativamente baixos; a interna é curta e cara, vence em 32 meses.

O governo deve internamente a seus financiadores: bancos, empresas, indivíduos e aplicadores internacionais que trazem dinheiro e com ele compram títulos do governo, que rendem juros em reais. Do endividamento total do governo, 80% são dívida interna. Traduzindo em reais, a dívida líquida do Brasil é de 900 bilhões, o que corresponde a 57% do PIB nacional.

Como medir a qualidade de vida da população? Para quem não é familiarizado com as coisas da economia, Silber explica o método do economista Amartya Sen, chamado IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e adotado pela ONU. Esse índice leva em conta três componentes: renda per capita, escolaridade média da população e expectativa de vida da população ao nascer. Um país em que a expectativa de vida é razoável, a renda per capita é mais alta e as pessoas têm acesso à educação e à saúde.

No Brasil, o que piorou é a distribuição de renda, mas melhoraram a educação e a saúde. "O brasileiro - e o relatório do IBGE é claro nisso - está vivendo mais, já beirando os 70 anos em média de vida", diz Silber, acrescentando que a diferença mais importante é entre Estados do Centro-Sul e do Norte-Nordeste. Mesmo assim, o País melhorou, embora pudesse estar bem melhor se tivesse educação de boa qualidade, se não tivesse havido uma inflação maluca até 1994 e se o governo não tivesse errado na política econômica."

Segundo o IBGE, o caminhar médio da inflação anual foi num crescendo, de 6% nos anos 30 para 12% nos anos 40; 19% nos anos 50; 40% nas décadas de 60 e 70; 330% nos anos 90 e 764% de 1990 a 1995, caindo para 8,6% de 1995 a 2000. Conclusão do professor Silber: "O grande problema do Brasil é o governo".

Educação
A interpretação dos dados do IBGE é polêmica quando se trata da educação brasileira no século 20. O economista Simão Davi Silber e o sociólogo Francisco de Oliveira admitem que houve mesmo progresso e que os avanços continuam; mas para o professor Vitor Henrique Paro, da Faculdade de Educação, embora as estatísticas sejam verdadeiras, a interpretação delas, como aparece na imprensa, é simplista e esconde a realidade de um ensino profundamente falho.

Silber está convencido de que o País investe na educação, criando salas de aula, e caminha para a universalização do ensino fundamental; 98% das crianças vão para a escola, existem programas de reforço alimentar e não falta material de apoio didático. "Ainda é um ensino pobre, mas se compararmos com o que tínhamos 15 anos atrás melhorou substancialmente."

Proporcionalmente há menos analfabetos do que no início do século passado, mas eles são muito mais numerosos, são milhões. Matricular todas as pessoas é obrigação do Estado; se uma só ficar fora já é fato grave. Dois milhões fora da escola é como excluir do ensino todos os habitantes de um país europeu. Mesmo assim, Paro diz conhecer no Brasil coisas boas. É bom saber, afirma, que em Ipatinga (MG), Itabuna (BA), Belo Horizonte (MG), Belém (PA) e Porto Alegre (RS) existem projetos de educação "decentes" e que isso se deve a governantes que têm uma visão abrangente da educação.

Francisco de Oliveira entende que, se os números forem comparados com os do século 19, o Estado obteve avanços notáveis na área educacional, principalmente até os anos 70; depois disso, entrou na era da sociedade de massa, em que a educação "se abastarda". O papel da universidade foi fundamental ao oferecer ensino público, laico e gratuito. Pena, lamentou, que as universidades públicas estejam em regressão, dando lugar às particulares, que pouco ligam para a pesquisa e a qualidade.



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