O Brasil que cresce e exclui
Miguel Glugoski, do Jornal da USP
Números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
sobre o século 20, recentemente divulgados, indicam que o Brasil
continua sendo um país de contrastes: se entre 1901 e 2000 a população
passou de 17,4 milhões para 169,6 milhões, o Produto Interno
Bruto se multiplicou por cem, o PIB per capita por 12, e a expectativa
de vida saltou de 33,4 anos em 1910 para 64,8 anos no final do século,
é também verdade que a distribuição de renda
se mantém profundamente desigual e injusta, gerando pobreza e exclusão
social.
O Brasil teve no século passado uma das mais altas taxas de crescimento
do planeta, conforme observa o professor Simão Davi Silber, da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
USP, especializado nas áreas de macroeconomia, economia brasileira
e economia internacional. Mas esse progresso se manteve apenas até
os anos 80. A partir daí, o desempenho é bem mais modesto,
porque o modelo econômico se esgotou - era muito voltado para o
mercado interno, muito estatizante, regulamentador demais e levou o setor
público à falência. Nos últimos 20 anos do
século, vários governos tentaram consertar a política
econômica, mas com poucos resultados.
Para Silber, a inflação foi o maior flagelo do século,
particularmente depois dos anos 80, e a razão de o País
não ter a partir daí bom desempenho é porque perdeu
totalmente o controle sobre ela. Para conviver com a inflação,
volta e meia se mexia nos contratos e se rompia com direitos adquiridos,
o que não está totalmente resolvido ainda hoje.
Outro efeito danoso da inflação foi a piora na distribuição
de renda. A inflação é sobretudo um imposto sobre
os pobres e o seu descontrole fez aumentar a pobreza, principalmente na
segunda metade da "década perdida" e na primeira da seguinte.
Quanto à dívida externa, Silber considera-a absolutamente
irrelevante, hoje. No passado, ela ajudou no crescimento; depois, com
a subida das taxas de juros, atrapalhou. Agora, o grande problema do Brasil
não é a dívida externa, mas a interna. São
coisas diferentes, a começar pela moeda de pagamento. A dívida
externa quita-se em dólar, a interna em reais; a externa vence
a longo prazo, até 2024, e com juros relativamente baixos; a interna
é curta e cara, vence em 32 meses.
O governo deve internamente a seus financiadores: bancos, empresas, indivíduos
e aplicadores internacionais que trazem dinheiro e com ele compram títulos
do governo, que rendem juros em reais. Do endividamento total do governo,
80% são dívida interna. Traduzindo em reais, a dívida
líquida do Brasil é de 900 bilhões, o que corresponde
a 57% do PIB nacional.
Como medir a qualidade de vida da população? Para quem não
é familiarizado com as coisas da economia, Silber explica o método
do economista Amartya Sen, chamado IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) e adotado pela ONU. Esse índice leva em conta três
componentes: renda per capita, escolaridade média da população
e expectativa de vida da população ao nascer. Um país
em que a expectativa de vida é razoável, a renda per capita
é mais alta e as pessoas têm acesso à educação
e à saúde.
No Brasil, o que piorou é a distribuição de renda,
mas melhoraram a educação e a saúde. "O brasileiro
- e o relatório do IBGE é claro nisso - está vivendo
mais, já beirando os 70 anos em média de vida", diz
Silber, acrescentando que a diferença mais importante é
entre Estados do Centro-Sul e do Norte-Nordeste. Mesmo assim, o País
melhorou, embora pudesse estar bem melhor se tivesse educação
de boa qualidade, se não tivesse havido uma inflação
maluca até 1994 e se o governo não tivesse errado na política
econômica."
Segundo o IBGE, o caminhar médio da inflação anual
foi num crescendo, de 6% nos anos 30 para 12% nos anos 40; 19% nos anos
50; 40% nas décadas de 60 e 70; 330% nos anos 90 e 764% de 1990
a 1995, caindo para 8,6% de 1995 a 2000. Conclusão do professor
Silber: "O grande problema do Brasil é o governo".
Educação
A interpretação dos dados do IBGE é polêmica
quando se trata da educação brasileira no século
20. O economista Simão Davi Silber e o sociólogo Francisco
de Oliveira admitem que houve mesmo progresso e que os avanços
continuam; mas para o professor Vitor Henrique Paro, da Faculdade de Educação,
embora as estatísticas sejam verdadeiras, a interpretação
delas, como aparece na imprensa, é simplista e esconde a realidade
de um ensino profundamente falho.
Silber está convencido de que o País investe na educação,
criando salas de aula, e caminha para a universalização
do ensino fundamental; 98% das crianças vão para a escola,
existem programas de reforço alimentar e não falta material
de apoio didático. "Ainda é um ensino pobre, mas se
compararmos com o que tínhamos 15 anos atrás melhorou substancialmente."
Proporcionalmente há menos analfabetos do que no início
do século passado, mas eles são muito mais numerosos, são
milhões. Matricular todas as pessoas é obrigação
do Estado; se uma só ficar fora já é fato grave.
Dois milhões fora da escola é como excluir do ensino todos
os habitantes de um país europeu. Mesmo assim, Paro diz conhecer
no Brasil coisas boas. É bom saber, afirma, que em Ipatinga (MG),
Itabuna (BA), Belo Horizonte (MG), Belém (PA) e Porto Alegre (RS)
existem projetos de educação "decentes" e que
isso se deve a governantes que têm uma visão abrangente da
educação.
Francisco de Oliveira entende que, se os números forem comparados
com os do século 19, o Estado obteve avanços notáveis
na área educacional, principalmente até os anos 70; depois
disso, entrou na era da sociedade de massa, em que a educação
"se abastarda". O papel da universidade foi fundamental ao oferecer
ensino público, laico e gratuito. Pena, lamentou, que as universidades
públicas estejam em regressão, dando lugar às particulares,
que pouco ligam para a pesquisa e a qualidade.
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