São Paulo, 15/12/2003


O futuro do Iraque, após a prisão de Saddam


Francisco Ângelo, Júlio Bernardes e Olavo Soares

A prisão do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein por tropas norte-americanas, no sábado passado, em uma vila próxima a sua cidade natal, Tikrit, localizada ao norte do país, poderá diminuir o atual contexto de anarquia e violência que tem marcado a ocupação norte-americana no Iraque. Porém, ela não significa que a guerra contra o terrorismo, bandeira número um do governo Bush, tenha chegado ao seu final. Essas são as primeiras análises feitas pelo professor José Braz de Araújo, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacit) da USP.

"Provavelmente, muitos homens do antigo regime que se prepararam para resistir por mais tempo aos americanos irão depor suas armas", acredita o professor. Para ele, a prisão do ex-ditador tem um grande valor simbólico, pois dá ao povo iraquiano a certeza de que a Era Saddam, iniciada em 1979, chegou ao fim definitivamente. "Isso facilitará a instalação de uma autoridade legítima, formada pelas etnias mais representativas da população", explica Braz de Araújo. Já no contexto da guerra contra o terrorismo, na opinião do especialista, a captura representou uma pequena vitória. "A guerra contra o terror é um conflito muito mais complexo, porque é um fenômeno internacional, difuso e de difícil controle."

Para o professor do Instituto de Física, Mahir Saléh Hussein, nascido no Iraque e com três irmãs e vários primos vivendo em Bagdá, a violência pode até aumentar, já que nem todos os membros da resistência que lutam contra os norte-americanos são aliados do regime de Saddam. "Como as autoridades americanas identificam todos que atacam suas tropas como aliados do antigo regime, muitos não avançam para não se identificarem como tal. Mas agora, com ele fora do mapa, há uma chance de os ataques aumentarem", prevê.

O futuro do ex-ditador
Ao que tudo indica, Saddam Hussein deverá ser julgado por um tribunal penal iraquiano, instituído pelo governo provisório do país, e que está sendo responsável pelos julgamentos dos crimes contra a humanidade cometidos durante o regime do ex-ditador. Porém, para o professor Alberto do Amaral Junior, da Faculdade de Direito (FD) da USP, o julgamento de Saddam em seu próprio país não seria a melhor iniciativa para puni-lo corretamente.

"O Iraque não tem tradição de um sistema judicial independente", explica o professor. "O país está saindo de uma longa ditadura, não tem os procedimentos aptos para realizar um julgamento desse porte." Para Amaral, a melhor solução seria a instalação de um tribunal internacional, com as regras estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU, como foi feito com o ex-presidente da Iugoslávia, Slobodan Milosevic. Para Amaral Junior, existe a intenção de um julgamento dentro do Iraque porque essa medida "traria mais credibilidade ao processo. Mas esta não é a melhor solução", aponta.

Além da falta de uma legislação adequada, Amaral destaca que existe uma "grande ira" contra Saddam no Iraque, o que pode gerar um tribunal parcial. "Dentro do Iraque, há a maior possibilidade de serem violados os direitos de defesa de Saddam, que estão definidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem", acredita o professor.

O jornalista português Carlos Fino, que cobriu a Guerra do Golfo no início deste ano para a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa), também acredita que o julgamento de Saddam Hussein deverá ser feito pelos próprios iraquianos, orientados pelas autoridades norte-americanas. "Os EUA não reconhecem o Tribunal Penal Internacional, responsável por julgar crimes de guerra", explicou Carlos Fino. Ele descartou a possibilidade de o ex-presidente do Iraque ser julgado nos Estados Unidos. "A logistíca de uma operação para enviar Saddam até o território americano, ou para a base militar de Guantanamo, em Cuba, seria muito complicada."

Carlos Fino esteve na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, na manhã desta segunda-feira (15), às 10 horas, para falar de sua experiência na cobertura de guerra no Afeganistão e no Iraque, relatada no livro A Guerra ao Vivo. Para o jornalista, a captura de Saddam Hussein pelas tropas norte-americanas já era esperada, mas ele se surpreendeu com as condições em que o ex-presidente do Iraque foi encontrado. "Não houve resistência e Saddam passou a imagem de um homem acossado, sem as mínimas condições de sobrevivência", afirmou. "A captura confirma a idéia de que boa parte da estrutura militar e de segurança que os iraquianos diziam ter era ilusória", completou o repórter.

Mais informações: (0XX11) 3889-8043, com o professor Alberto do Amaral Junior, (0XX11) 3091-3754, com o professor Braz de Araújo, (0XX11) 3091-6737 com o professor Mahir Saléh Hussein


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