Embaixador do Brasil na ONU defende presença do país no Haiti
Júlio Bernardes
A participação brasileira na missão de paz da Organização
das Nações Unidas (ONU) no Haiti é válida
para assegurar a estabilidade democrática e o desenvolvimento de
toda a América Latina. A avaliação é do embaixador
brasileiro na ONU, Ronaldo Mota Sardemberg, que proferiu conferência
sobre Política Multilateral e as Nações Unidas
às 10 da manhã desta terça-feira (17) no auditório
do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Optar pela
indiferença diante de um país tão próximo
seria abandonar o Haiti à própria sorte, afirmou.
Ronaldo Sardemberg, que também coordena a representação
brasileira junto ao Conselho de Segurança da ONU, falou das mudanças
na atuação da entidade desde sua criação,
em 1945. A ONU, que lidava com questões internacionais, hoje
está envolvida na solução de conflitos dentro dos
países, disse. A política multilateral da Organização
é colocada em questão por ações unilaterais,
principalmente após os atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001.
O embaixador apontou que uma comissão de 18 peritos nomeada pelo
secretário-geral da ONU, Kofi Annan, deverá elaborar até
dezembro uma proposta de reforma da estrutura da entidade, para ser discutida
e votada durante o ano. Entre as mudanças a serem discutidas
estão as funções e a composição do
Conselho de Segurança, afirmou. Se for recomendada
a ampliação do número de membros permanentes, é
possível que o Brasil consiga uma vaga.
Missões
Ronaldo Sardemberg lembrou que a ONU está envolvida em 18 operações
de paz em todo o mundo. Esta presença nem de longe deve ser
motivo de orgulho, disse. Sobre a situação no Iraque,
o embaixador lembrou que após a ocupação norte-americana
há um esforço do Conselho de Segurança em obter decisões
de consenso. Em junho foi aprovada uma resolução que
disciplina a transferência de poder para o governo local,
explicou, ressaltando que a situação iraquiana é
enigmática. Os conflitos internos colocam em
risco as eleições previstas para janeiro de 2005, e a presença
de tropas estrangeiras pode se prolongar por mais três ou quatro
anos.
A atuação das Nações Unidas para contornar
a crise no Haiti, relatou Sardemberg, começou quando o Conselho
de Segurança aprovou o envio de tropas ao país, após
a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, em fevereiro.
A resolução foi discutida e aprovada em sete horas,
um processo que normalmente leva meses, destacou. Inicialmente,
uma força multinacional composta por soldados dos EUA, Canadá
e China foi enviada para pacificar o Haiti. Três meses depois,
estas tropas foram substituídas pela Força de Paz da ONU,
coordenada pelo Brasil.
Sardemberg ressaltou que a presença brasileira no comando da missão,
coordenando os trabalhos de cooperação internacional, estimulou
a participação de outros países latino-americanos,
como Argentina, Chile, Guatemala e Paraguai. O principal objetivo
é assegurar a realização de eleições
no país e a prestação de ajuda humanitária,
declarou A recuperação econômica do Haiti e
o desarmamento dos grupos paramilitares são tarefas complexas,
mas o Brasil pode colaborar com sua experiência em campanhas de
vacinação em massa, controle da AIDS, produção
de álcool e agricultura tropical.
Debates
A conferência foi coordenada pelo professor Jacques Marcovitch,
do curso de Relações Internacionais da USP e teve como debatedores
o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque, do
Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri)
da USP, e o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva. Guilhon alertou para
os riscos de políticas unilaterais atenderem apenas as pretensões
hegemônicas do governo norte-americano.
Carlos Eduardo Lins da Silva considerou a presença brasileira no
Haiti um erro da política externa do governo, pelo
apoio à posição norte-americana. A questão
haitiana tem pouco a ver com o Brasil e a legitimidade da renúncia
de Aristide é questionada até por outros países do
Caribe, afirmou. A ocupação norte-americana,
há dez anos, também teve grandes investimentos dos Estados
Unidos que não melhoraram a situação daquele país.
Sardemberg observou que a crise haitiana foi uma grande oportunidade para
o Brasil ampliar os contatos com os países caribenhos, reforçando
sua atuação na América Latina. A ONU coordenará
um programa de assistência no Haiti, financiado por organismos internacionais,
com investimentos estimados em US$ 1 bilhão, relatou o embaixador.
Trata-se um projeto complexo, priorizando as áreas de energia
e transportes.
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