São Paulo, 10/11/2004

Ausência de Arafat deverá trazer incertezas ao conflito árabe-israelense


André Benevides

A morte do líder palestino Iasser Arafat parece apenas uma questão de tempo, mas as previsões acerca das consequências de sua ausência ainda são um tanto incertas. Para o professor Peter Demant, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a única certeza é que "a morte dele causará um vácuo de poder entre os palestinos, e provavelmente haverá uma luta pelo poder".

Internado no Hospital Militar Percy, em Paris, desde o dia 29 de outubro, Arafat padece de uma doença desconhecida. Na noite do dia 9 de novembro (horário de Brasília) foi divulgada a informação que ele entrou em coma profundo, desmentindo a notícia de que ele já estaria morto. Diversas informações contraditórias foram divulgadas por fontes não-oficiais, e ninguém tem certeza de qual é seu real estado de saúde. No entanto, sua morte já é tida como apenas uma questão de tempo, e já começou-se a discutir detalhes de seu funeral e a questão sucessória.

O professor Rafael Villa, do Departamento de Ciência Política da FFLCH, diz que "a Autoridade Nacional Palestina (ANP) não teve uma renovação que pudesse produzir outras lideranças à altura de Arafat, em boa parte por conta de impedimentos causados por ele mesmo". Segundo os professores, a incerteza quanto aos rumos das negociações de paz entre israelenses e palestinos é causada principalmente pela indefinição sobre quem será seu sucessor.

Segundo Demant, existem basicamente quatro fatores que devem ser levados em conta nas especulações sobre o futuro da questão palestina. O primeiro são os políticos ligados à ANP, vários dos quais, segundo ele, "são pessoas razoáveis, que querem obter a paz com Israel". Fazem parte deste grupo Mahmoud Abbas e Amhed Qorei (conhecidos também por Abu Mazen e Abu Ala, respectivamente), mas nenhum deles possui apoio popular e institucional suficiente para controlar a situação.

O segundo seriam os grupos de segurança de Arafat, que já competiam internamente por liderança. Porém, a influência deles é muito localizada, e poderia acontecer de algum deles tomar o poder regionalmente, tornando a situação ainda mais caótica.

O terceiro fator seriam os grupos radicais que não reconhecem a ANP, como o Hamas, a Jihad Islâmica e a Frente Popular de Libertação Palestina. Estes grupos, que são os principais responsáveis pelos atentados terroristas em território israelense, reivindicam que sejam incluídos nas decisões sobre os destinos da Palestina. Sobre eles, Demant diz que "até seria possível realizar um acordo entre os palestinos, mas seria preciso incluir grupos tão radicais que impossibilitariam as negociações com Israel".

Além disso, há também a questão de como Israel conduzirá sua política de assentamentos. Segundo Demant, as recentes iniciativas de Sharon de remover assentamentos de colonos judeus não passam de "propaganda política". As remoções estariam sendo feitas apenas na Faixa de Gaza, onde o contingente de israelenses (cerca de 6 mil) é muito pequeno quando comparado ao de palestinos (cerca de 1,4 milhão). "Sharon quer deixar os palestinos em sua própria sopa de miséria e violência em Gaza para melhor consolidar o controle israelense sobre a Cisjordânia, que tem maior significado ideológico para Israel e onde há muito mais assentamentos", afirma ele.

Autoridade curinga
Demant aponta ainda uma "autoridade curinga", Marwan Barghouti, líder da Intifada e, segundo o professor, uma das únicas pessoas que podem concretizar um acordo de paz, por conta do crédito popular que dispõe. Barghouti está na prisão em Israel e, apesar de não representar as parcelas mais radicais dos palestinos, dificilmente Sharon concederia liberdade a ele, pois não é de seu interesse uma figura tão forte nas negociações.

De qualquer maneira, tanto Demant quanto Villa reconhecem que as perspectivas para a situação na região não são muito favoráveis. "Para a paz ocorrer, seria necessário repensar as posições dos dois lados. Ambos estão congelados em suas posições, são nações muito cabeçudas", analisa Demant.

"O problema principal é qual o limite das concessões que palestinos e israelenses estão dispostos a fazer sobre a questão territorial, os refugiados e a questão de Jerusalém. Então, dependendo da flexibilidade das negociações em torno destes pontos, um acordo de paz terá futuro ou não", conclui Villa.




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