Ausência de Arafat deverá
trazer incertezas ao conflito árabe-israelense
André Benevides
A morte do líder palestino Iasser Arafat parece apenas uma questão
de tempo, mas as previsões acerca das consequências de sua
ausência ainda são um tanto incertas. Para o professor Peter
Demant, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a única certeza
é que "a morte dele causará um vácuo de poder
entre os palestinos, e provavelmente haverá uma luta pelo poder".
Internado no Hospital Militar Percy, em Paris, desde o dia 29 de outubro,
Arafat padece de uma doença desconhecida. Na noite do dia 9 de
novembro (horário de Brasília) foi divulgada a informação
que ele entrou em coma profundo, desmentindo a notícia de que ele
já estaria morto. Diversas informações contraditórias
foram divulgadas por fontes não-oficiais, e ninguém tem
certeza de qual é seu real estado de saúde. No entanto,
sua morte já é tida como apenas uma questão de tempo,
e já começou-se a discutir detalhes de seu funeral e a questão
sucessória.
O professor Rafael Villa, do Departamento de Ciência Política
da FFLCH, diz que "a Autoridade Nacional Palestina (ANP) não
teve uma renovação que pudesse produzir outras lideranças
à altura de Arafat, em boa parte por conta de impedimentos causados
por ele mesmo". Segundo os professores, a incerteza quanto aos rumos
das negociações de paz entre israelenses e palestinos é
causada principalmente pela indefinição sobre quem será
seu sucessor.
Segundo Demant, existem basicamente quatro fatores que devem ser levados
em conta nas especulações sobre o futuro da questão
palestina. O primeiro são os políticos ligados à
ANP, vários dos quais, segundo ele, "são pessoas razoáveis,
que querem obter a paz com Israel". Fazem parte deste grupo Mahmoud
Abbas e Amhed Qorei (conhecidos também por Abu Mazen e Abu Ala,
respectivamente), mas nenhum deles possui apoio popular e institucional
suficiente para controlar a situação.
O segundo seriam os grupos de segurança de Arafat, que já
competiam internamente por liderança. Porém, a influência
deles é muito localizada, e poderia acontecer de algum deles tomar
o poder regionalmente, tornando a situação ainda mais caótica.
O terceiro fator seriam os grupos radicais que não reconhecem a
ANP, como o Hamas, a Jihad Islâmica e a Frente Popular de Libertação
Palestina. Estes grupos, que são os principais responsáveis
pelos atentados terroristas em território israelense, reivindicam
que sejam incluídos nas decisões sobre os destinos da Palestina.
Sobre eles, Demant diz que "até seria possível realizar
um acordo entre os palestinos, mas seria preciso incluir grupos tão
radicais que impossibilitariam as negociações com Israel".
Além disso, há também a questão de como Israel
conduzirá sua política de assentamentos. Segundo Demant,
as recentes iniciativas de Sharon de remover assentamentos de colonos
judeus não passam de "propaganda política". As
remoções estariam sendo feitas apenas na Faixa de Gaza,
onde o contingente de israelenses (cerca de 6 mil) é muito pequeno
quando comparado ao de palestinos (cerca de 1,4 milhão). "Sharon
quer deixar os palestinos em sua própria sopa de miséria
e violência em Gaza para melhor consolidar o controle israelense
sobre a Cisjordânia, que tem maior significado ideológico
para Israel e onde há muito mais assentamentos", afirma ele.
Autoridade curinga
Demant aponta ainda uma "autoridade curinga", Marwan Barghouti,
líder da Intifada e, segundo o professor, uma das únicas
pessoas que podem concretizar um acordo de paz, por conta do crédito
popular que dispõe. Barghouti está na prisão em Israel
e, apesar de não representar as parcelas mais radicais dos palestinos,
dificilmente Sharon concederia liberdade a ele, pois não é
de seu interesse uma figura tão forte nas negociações.
De qualquer maneira, tanto Demant quanto Villa reconhecem que as perspectivas
para a situação na região não são muito
favoráveis. "Para a paz ocorrer, seria necessário repensar
as posições dos dois lados. Ambos estão congelados
em suas posições, são nações muito
cabeçudas", analisa Demant.
"O problema principal é qual o limite das concessões
que palestinos e israelenses estão dispostos a fazer sobre a questão
territorial, os refugiados e a questão de Jerusalém. Então,
dependendo da flexibilidade das negociações em torno destes
pontos, um acordo de paz terá futuro ou não", conclui
Villa.
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