São Paulo, 31/03/2006


Grupos organizados aproveitam deficiências do Estado para provocar rebeliões no sistema prisional


Valéria Dias

Para o sociólogo Fernando Salla, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, os grupos organizados em algumas unidades prisionais são responsáveis pela maior parte das rebeliões que vem acontecendo no sistema prisional paulista. "Mesmo que cada um deles tenha sua própria pauta de reivindicações, quando essa demanda não é atendida, surgem as rebeliões", afirma. Mas o histórico de cada uma delas, segundo o especialista, ainda é mal decifrado e, ao que tudo indica, são vários os motivos para que elas aconteçam.

Nos dias 27 e 28 de março, aconteceram rebeliões nos Centros de Detenção Provisória (CDP) de Taubaté, Pinheiros, Osasco II e Diadema. De acordo com uma nota à imprensa divulgada no dia 28 pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, os presos reivindicavam a troca de uniformes amarelos para os de cor bege (uniforme antigo) e o aumento no número de visitantes por preso.

No caso dos uniformes, Salla explica que, quando o preso entra na prisão recebe uma muda de roupa (que muitas vezes não é nova) mas o Estado não consegue fazer a reposição. Deficiências como estas facilitam o crescimento das facções nas unidades prisionais.

Segundo Salla, há algum tempo, algumas dessas facções (como o Primeiro Comando da Capital, o PCC), têm usado como pauta de negociação o pedido de cancelamento do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), aplicado com determinação judicial para detentos envolvidos em alguns tipos de crimes. No RDD há inúmeras restrições quanto a locomoção, visitas e outras atividades. O preso pode ficar no regime por no máximo 360 dias e as celas são individuais. O RDD é utilizado nas penitenciárias de Avaré e de Presidente Bernardes que dispõem de bloqueadores de celular e placas de aço no piso para evitar escavações de túneis.

RDD e prestígio
À primeira vista, o RDD é uma boa alternativa para isolar alguns presos. Mas Fernando Salla aponta dois problemas: o primeiro é que os presos passam a ter um maior prestígio entre a massa carcerária; outro problema é a ausência de estudos aprofundados que analisem os efeitos psico-sociais que o RDD causa no preso. “Nos Estados Unidos estudos preliminares em prisões de segurança máxima mostram resultados nada animadores. Além disso, não podemos nos esquecer que um dia esses presos voltarão a conviver em sociedade”, alerta.

Salla também lembra de problemas como a superlotação e a falta de funcionários. “Já vi presídios com capacidade para 700 presos que abrigava 1.400 detentos mas com apenas 10 funcionários”, conta o sociólogo. Em dia de visita, são cerca de 400 familiares na unidade, e todos deverão passar por uma revista.

“Muitas vezes a segurança fracassa em impedir a entrada de drogas, armas ou mesmo impedir que crimes sejam articulados de dentro das prisões.” Outra queixa constante dos presos é em relação à morosidade da Justiça, fator que Salla considera “altamente explosivo”: muitas vezes há uma demora de um ano para se obter uma resposta de um pedido de benefício.

Crimes mais graves, penas menores
De acordo com o professor Vicente Grecco Filho, da Faculdade de Direito da USP e membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, a morosidade da Justiça é uma realidade em algumas comarcas. Segundo o professor, a Secretaria de Administração Penitenciária e o Tribunal de Justiça estão estudando mecanismos para agilizar as decisões referentes à concessão de benefícios. “Mas não sabemos até que ponto isso é usado como desculpa para uma rebelião”, afirma.

Sob o ponto de vista do Direito Penal, Grecco lembra que existe um questionamento mundial sobre essas Leis, se elas são eficientes a ponto de reduzirem a criminalidade. Ele diz que, no Brasil, desde a década de 1970, muitas leis têm sido abrandadas indiscriminadamente e sem uma análise sócio-criminológica. “Falta uma lógica penal: um crime de falsidade ideológica pode ser convertido em cestas básicas. Ou seja, temos crimes menos graves sendo punidos com penas maiores, e vice-versa”, diz.

Para mudar essa situação, ele defende que seja feito um estudo amplo que envolva sociologia e criminologia e que aponte a relação da gravidade social de um determinado crime ao tipo de pena que deve ser aplicado.“Por meio de um plebiscito, por exemplo, a própria sociedade poderia dar uma gradação aos diversos tipos de delitos e a partir daí, o código penal poderia ser alterado”, explica. “Como resultado final isso ajudaria a reduzir a tensão existente em todo o sistema penitenciário e aumentaria o senso de justiça, que estaria refletindo o pensamento da sociedade”, finaliza.

Mais informações: (0XX11) 3091-4951, com Fernando Salla ou (0XX11) 3666-4172, com o professor Vicente Grecco Filho



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