São Paulo, 
bioquímica
12/11/2002
Ilhotas Pancreáticas são isoladas para tratar
diabetes tipo 1
Produtoras de insulina, as ilhotas são transplantadas no fígado do paciente. Testes com ratos mostraram que alguns roedores tiveram o diabetes revertido. O projeto é realizado no Instituto de Química da USP
Valéria
Dias

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"Agora será preciso estabelecer uma lista de pacientes aptos a receber o transplante de ilhotas e a Central de Transplantes deverá credenciar a UIPH do IQ/USP, o que já está sendo providenciado."
O Instituto de Química (IQ) da USP vem realizando pesquisas em que ilhotas pancreáticas - onde são encontradas as células beta, produtoras de insulina - de doadores cadáver estão sendo isoladas para tratamento do diabetes tipo 1. O trabalho, iniciado há oito anos, vem sendo desenvolvido na Unidade de Ilhotas Pancreáticas Humanas (UIPH) do IQ sob a coordenação da professora Mari Cleide Sogayar. "Já coletamos e processamos cerca de 100 órgãos, aproximadamente", afirma a professora. Segundo ela, "existe a possibilidade da realização de testes em humanos até o final deste ano".

As ilhotas isoladas são implantadas no fígado do paciente, através da veia porta. Experimentos realizados na UIPH em ratos, nos quais o diabetes foi induzido quimicamente, mostram que alguns destes roedores tiveram a doença revertida. "Alguns pesquisadores estrangeiros implantam as ilhotas na cápsula renal dos camundongos, mas nós não obtivemos bons resultados e adotamos o implante no fígado de ratos imunodeficientes do tipo "nude", explica Mari Cleide.

Inicialmente as pesquisas foram realizadas com pâncreas de cães. A partir de 1997, a Unidade começou a trabalhar com pâncreas humano. O isolamento destas ilhotas é feito em um laboratório GMP (Good Manufacturer's Practice) que possui padrão internacional de qualidade e foi especialmente instalado para este projeto.

O processo é complexo, pois as ilhotas representam apenas de 1% a 2% do total do pâncreas, sendo o restante (98% a 99%) formado de tecido exócrino, responsável pela produção de enzimas digestivas. Após o isolamento, as ilhotas podem ser mantidas em nitrogênio líquido, a uma temperatura de 190 graus negativos.

Para iniciar os transplantes em humanos, Mari Cleide explica a necessidade de elaborar um Protocolo de Pesquisa, que descreve, em detalhes, os critérios de inclusão/exclusão de pacientes, as complicações que podem ocorrer e, ainda, uma carta de consentimento que deve ser assinada pelo paciente receptor, após ter sido devidamente informado sobre o procedimento. "Este protocolo já foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital Israelita Albert Einstein e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)", conta a professora. "Agora será preciso estabelecer uma lista de pacientes aptos a receber o transplante de ilhotas e a Central de Transplantes deverá credenciar a UIPH do IQ/USP, o que já está sendo providenciado."

O projeto é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), pelo Hospital Israelita Albert Einstein e pelo próprio Instituto de Química da USP. A equipe é formada por dez pesquisadores, além da equipe médica (o endocrinologista Freddy Goldberg Eliaschewitz, a especialista em transplante Irene Noronha, e os cirurgiões Tércio Genzini e Marcelo Perosa de Miranda).

Processo artesanal
A professora Mari conta que a maioria das ilhotas isoladas na UIPH é viva e de alta qualidade. "Os resultados dos nossos testes são muito bons, quando comparados aos de outros centros internacionais que trabalham com isolamento de ilhotas", observa Mari.

Para realizar o isolamento, é injetado no pâncreas uma solução de enzimas digestivas que contêm colagenase. O pâncreas é distendido (inchado), depois é cortado em alguns pedaços e, em seguida, colocado numa câmara de digestão, que é agitada suavemente para desmembramento. O material é colocado em um tubo de centrifugação, resultando em um material líquido (que é descartado) e um sedimento, que contém, entre outros materiais, as ilhotas. O sedimento é misturado com Ficoll - uma solução viscosa usada em Bioquímica para fazer gradientes de densidade - e centrifugado mais uma vez num aparelho separador de células chamado COBE. Este procedimento permite separar as ilhotas de células e de outros materiais indesejados.

Uma vez coletadas, inicia-se o teste de sobrevivência e funcionalidade das ilhotas, que são avaliadas pela capacidade de produção e secreção de insulina. Além disso, a professora Mari está investindo esforços no encapsulamento dessas ilhotas em alginato e em outros materiais, visando o imunoisolamento. Isso permitiria o transplante na ausência de imunosupressores. A imunosupressão é necessária para evitar a rejeição das ilhotas transplantadas, uma vez que é praticamente impossível encontrar doador e receptor compatíveis.

O transplante de pâncreas (órgão inteiro) e de ilhotas pancreáticas isoladas visa oferecer alternativas terapêuticas para pacientes que apresentam hipoglicemia diabética grave ou lesões em decorrência do diabetes tipo 1 não controlado. A longo prazo, o diabetes pode acarretar problemas de visão (retinopatia), vasos (má circulação), nervos (neuropatia diabética) e rins (insuficiência renal).





Pâncreas sendo injetado com solução de enzimas digestivas que contêm colagenase



Antes e depois: à direita, ilhotas após o processo de isolamento



imagens: Unidade de Ilhotas Pancreáticas Humanas do Instituto de Química da USP


· vínculos:
Laboratório de Biologia Celular e Molecular & Unidade de Ilhotas Pancreáticas Humanas

· mais informações:
(0XX11) 3091-3820 ou e-mail mcsoga@iq.usp.br, com a professora Mari Cleide Sogayar

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