A redescoberta de um peixe subterrâneo (Stygichthys typhlops)
por cientistas brasileiros em abril deste ano, na região de Jaíba, norte
de Minas Gerais, finalmente permitirá que seja feita uma descrição completa
e detalhada do animal. Há 40 anos, após receberem um exemplar trazido
à superfície durante a abertura de um poço artesiano, dois cientistas
norte-americanos o descreveram, com base nesse único indivíduo, e concluíram
tratar-se de um lambari.
Porém, pesquisadores do Instituto de Biociências e do Museu de Zoologia,
ambos da USP, que conseguiram capturar 25 exemplares do peixe, garantem
que, apesar de terem escamas e da semelhança superficial, os animais não
têm qualquer parentesco mais próximo com os lambaris. "Com essa amostra,
será finalmente possível ter uma boa idéia de quem é e como vive essa
espécie. Ainda estamos estudando os diversos aspectos da morfologia e
do comportamento para termos uma melhor definição", explica a professora
Eleonora Trajano, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências
(IB) da USP.
Os exemplares foram localizados em poços artesianos da região, onde o
peixe é conhecido popularmente como "piabinha cega". Eleonora conta que,
devido a algumas dificuldades, não foram feitas expedições anteriores
ao local. Porém, em abril último, os pesquisadores conseguiram encontrar
os peixes em duas cisternas.. "Esses peixes possuem características de
espécies troglóbias (exclusivamente subterrâneas), como a ausência de
olhos e de pigmentação, além de outras modificações relacionadas à vida
no meio subterrâneo, permanentemente escuro e com escassez de alimento",
explica a pesquisadora. Com quase 20 espécies conhecidas, o Brasil destaca-se
mundialmente pela riqueza em peixes troglóbios. "A Stygichthys typhlops
é uma das mais modificadas e espetaculares entre essas espécies", diz
Eleonora.
Canibal
Um diferencial observado no comportamento do Stygichthys typhlops
é que ele possui o hábito do canibalismo (ingestão de indivíduos da mesma
espécie). "Isto é uma coisa rara em peixes, só registrada anteriormente
em quatro das mais de 100 espécies de peixes troglóbios de todo o mundo",
cita a pesquisadora. Segundo ela, o peixe atinge 5 centímetros (cm) de
comprimento. "O que foi enviado aos EUA tinha apenas 2,5 cm. Um filhote
ainda", lembra.
Ainda este ano, os pesquisadores deverão realizar estudos mais aprofundados
sobre Stygichthys typhlops para saber qual seu parente mais próximo
entre as espécies de peixes. Em paralelo com a investigação das relações
de parentesco desta espécie com os peixes que vivem na superfície, deverão
ser estudados o comportamento e aspectos da ecologia.
Os estudos sobre Stygichthys typhlops, segundo a pesquisadora,
poderão implicar na revisão das relações de parentesco entre grupos já
estudados. "O que podemos antecipar é que o animal pertence ao grande
grupo brasileiro de peixes de escamas, que inclui, além de lambaris e
piabas, as traíras, dourados, piaus, curimatás, pacus, piranhas etc.,
mas não se encaixa em nenhuma das famílias conhecidas, daí o grande interesse
suscitado no meio científico por sua redescoberta ".
Quanto ao habitat, os pesquisadores acreditam que o peixe chegou ao subterrâneo
após invadir pequenas fendas existentes no calcário localizado abaixo
do leito e das margens de um rio local. A pesquisadora alerta que, devido
à exigência de drenagem de grandes volumes de água para irrigação que
acontece atualmente na região (o Projeto Jaíba de irrigação é um dos maiores
da América do Sul), o pequeno peixe pode já estar com sua sobrevivência
ameaçada pelo rebaixamento do nível das águas subterrâneas, restringindo
seu habitat de forma acelerada.
A expedição, que foi organizada pela professora Eleonora e pelo doutorando
Cristiano de Oliveira, contou também com a participação do professor Mário
César Cardoso de Pinna e Osvaldo Oyakawa, do Museu de Zoologia, e de Maria
Elina Bichuette (pós-doutoranda pelo IBUSP) e Flávio Dias Passos.
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