" A miscigenação
característica da formação do povo brasileiro era absolutamente inaceitável
para o III Reich, que via o Brasil como inferno tropical" |
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historiadora Ana Maria Dietrich analisou em seu mestrado documentos
do Deops-SP que revelaram a atuação do Partido Nazista alemão (NSDAP)
no Estado de São Paulo, entre 1928 e 1938. Algumas dessas descobertas
a incentivaram a ir para a Alemanha, onde atualmente pesquisa o tema
para o doutorado. O objetivo é compreender a atuação do NSDAP em território
brasileiro sob a perspectiva do III Reich.
O doutorado é feito pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP, em parceria com o Centro de Estudos de Anti-Semitismo
da Universidade Técnica de Berlim, onde Ana Maria atua como pesquisadora
convidada. A historiadora utiliza como fontes as atas do Arquivo Federal
Alemão e o Arquivo político do Ministério das Relações Exteriores,
em Berlim.
A pesquisadora pretende analisar também revistas e jornais da linha
nacional-socialista publicados no Brasil em alemão, disponíveis no
Instituto de Relações Exteriores, em Stuttgart, e verificar arquivos
de outras cidades alemãs. As fontes orais - entrevistas com ex-partidários
ou familiares - também estão entre as suas prioridades.
"Além de revelar um capítulo da história do Brasil,
minha pesquisa está fundamentada no fortalecimento dos valores democráticos
no Brasil e em outros países da América Latina", conta.
Nacional-socialismo no Brasil
Entre os primeiros resultados, Ana Maria identificou que o Landesgruppe
Brasilien (o grupo do país Brasil) integrava uma espécie de rede
mundial com outras filiais do partido. Esta "rede" estava presente
em 83 países, em todos os continentes, com 29 mil integrantes.
As filiais estavam ligadas à Organização do Partido Nazista no
Exterior (AO), um departamento do governo do Reich. Todas as diretrizes,
ordens e controles partiam desta central. "A estruturação como uma
espécie de "rede de aranha" me chamou a atenção, pois mostra a força
mundial do movimento."
O Landesgruppe Brasilien tinha o maior número de filiados do
Partido Nazista fora da Alemanha, com 2.903 integrantes, superior
à Holanda (1.925), Áustria (1.678) e Polônia (1.379). Dos filiados
no Brasil, 92,7% eram alemães natos e apenas 2,45% eram brasileiros.
"Para o governo Vargas, o NSDAP era um pequeno partido voltado para
uma minoria estrangeira (alemães). Mas para o governo de Hitler, a
história era outra."
"Uma grande surpresa foi localizar documentos sobre o norte do Brasil
e saber que o Partido também desempenhou um importante papel nos estados
de Pernambuco, Bahia e Pará." Ana Maria pretende comparar a história
do NSDAP nos diferentes estados brasileiros, principalmente na relação
norte / sul do País.
"Inferno" tropical
Se nos panfletos de propaganda para imigração que circulavam na Alemanha
entre 1920 e 1930 o Brasil foi descrito como paraíso tropical, Ana
Maria constatou que nos relatórios da Organização do Partido Nazista
no Exterior e nos artigos de alguns jornais alemães, o País era
visto pelos nazistas como "inferno" tropical.
"Isso não aconteceu pelas diferenças climáticas, nem pelas doenças
que os imigrados tinham de enfrentar, mas pelo fato de os "arianos
puros" conviverem com negros e outras etnias na lavoura e nas cidades.
A miscigenação característica da formação do povo brasileiro
era absolutamente inaceitável para o III Reich."
Durante o mestrado, Ana Maria identificou Hans Henning von Cossel
como chefe do Partido Nazista no Brasil e também como editor do jornal
semanal Deutscher Morgen, que circulou livremente no País
entre 1932 e 1940. Na Alemanha, a pesquisadora conseguiu entrevistar
duas filhas de Cossel. "Elas relataram que o pai tinha uma boa relação
com os estadistas da época, como Getúlio Vargas e Adolf Hitler, sendo
que este último ele encontrou pessoalmente."
Segundo Ana Maria, Cossel fazia viagens pelo Brasil para divulgar
o nacional-socialismo e também para a Alemanha, onde encontrou o chefe
da Organização do Partido Nazista no Exterior, Ernst Wilhelm
Bohle. "Cossel era para o Partido o "Führer" no Brasil. Exercia as
funções de "Vertrauensmann" (homem de confiança) do III Reich
e adido cultural da Embaixada Alemã no Rio de Janeiro, além de manter
o status de correspondente do III Reich, transmitindo informações
importantes sobre o Brasil para a Alemanha.
Aspectos sociais
"O viés 'social' também é uma das novidades do meu trabalho,
em complemento a importantes estudos de historiadores alemães e brasileiros
sobre a chamada 'história política' do Partido Nazista no exterior
e no Brasil."
Segundo a historiadora, ao se estudar as conseqüências do fenômeno
do nazismo para o Brasil e para a humanidade, evita-se a proliferação
da ideologia e de movimentos de extrema-direita. "Só através do debate
deste período histórico poderemos informar às futuras gerações
sobre a importância da democracia, contra qualquer tipo de discriminação
em relação às minorias."
Ana Maria faz doutorado-sanduíche com bolsa do CNPq / DAAD (Serviço
Alemão de Intercâmbio Acadêmico). A orientação no Brasil é da professora
Maria Luíza Tucci Carneiro, da FFLCH, e na Alemanha é do professor
Wolfgang Benz, da Universidade Técnica de Berlim. A previsão é que
em 2006 seus estudos estejam concluídos. Segundo a pesquisadora, o
mestrado será publicado no segundo semestre deste ano pela Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo.
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