"O diagnóstico vem em geral
acompanhado pela idéia de que 'não há nada que
possamos fazer, agora é só cuidar e dar conforto'. Isso
é perigoso, pois, em estágio inicial, muitas demências
são reversíveis ou tratáveis" |
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Um
estudo realizado no Instituto de Psicologia (IP) da USP propõe
uma nova abordagem da demência, doença que atinge cerca
de 47% dos idosos com mais de 85 anos. Segundo a psicanalista Delia
Catullo Goldfarb, a demência pode ser entendida como uma
espécie de defesa contra os estados depressivos que muitas
vezes acompanham o processo de envelhecimento. "Trata-se de uma
abordagem que contribui para uma compreensão mais ampla do
processo demencial, baseada na possibilidade de se pensar as demências
como fenômenos causados por múltiplos fatores",
afirma a pesquisadora.
A demência se caracteriza, basicamente, pela perda gradual da
memória e da capacidade de raciocínio, e cerca de 15%
dos casos são atribuídos a causas psicológicas.
Além disso, o nível de deterioração das
células cerebrais freqüentemente não explica a
intensidade dos sintomas apresentados. "A psicanálise
estuda os mecanismos inconscientes que intervêm na constituição
do ser humano. Para ela, o 'Eu' é uma organização
que depende de inúmeros fatores além dos biológicos:
fatores sociais, históricos, culturais", diz a psicanalista.
Delia verificou, ao longo de suas atividades, que em cerca de 50%
dos casos o processo demencial se inicia após um fato extremamente
doloroso, como mortes ou perdas financeiras.
Envelhecimento
"O fato de a velhice ser o momento da existência humana
mais próximo à morte, ligado ao declínio físico
e a questões culturais, cria campo fértil para uma representação
social negativa e propicia atitudes de marginalização
e auto-exclusão", afirma Delia. O fenômeno da demência
pode ser entendido, segundo ela, como "uma forma regressiva de
defesa contra a depressão de final de vida, em que o 'Eu' historicamente
constituído se dissolve".
A pesquisadora alerta para o perigo de se dizer que, durante a velhice,
só o que resta é "se desapegar das coisas do mundo".
Essa visão coloca o idoso como pessoa sem futuro e dificulta
a criação de novos vínculos. "É preciso
instaurar outros objetos no lugar dos perdidos, para que outros investimentos
pessoais sejam possíveis", diz.
Diagnóstico condenatório
Delia destaca, em seu trabalho, o conceito de "diagnóstico
condenatório". Segundo ela, junto com o diagnóstico
de demência, costuma vir o prognóstico de irreversibilidade.
"O diagnóstico vem em geral acompanhado pela idéia
de que 'não há nada que possamos fazer, agora é
só cuidar e dar conforto'. Isso é perigoso, pois, em
estágio inicial, muitas demências são reversíveis
ou tratáveis", aponta.
Por fim, Delia defende o trabalho interdisciplinar, realizado por
equipes multiprofissionais. De acordo com ela, a abordagem psicanalítica
da demência será especialmente importante no início
da doença, na medida em que se poderá interferir sobre
o mecanismo de esquecimento. "Enfim, vai ajudar a elaborar aquilo
que, por difícil ou doloroso é condenado ao esquecimento,
levando junto, como uma avalanche, todas as outras recordações".
A pesquisadora integra, desde 1991, a Associação Brasileira
de Alzheimer e Demências Semelhantes, onde coordenou grupos
de apoio a familiares de portadores de demência. Paralelamente,
Delia também exerce atendimento em clínica particular.
Seu trabalho integral, Do
tempo da memória ao esquecimento da história: um estudo
psicanalítico das demências, está disponível
na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Portal
Saber. A psicanalista também é autora do livro Demências,
publicado recentemente pela Editora Casa do Psicólogo.
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