19/01/2006 - mídia
Cobertura dos telejornais tende a se aproximar muito das prioridades dos candidatos
Estudo revelou que a cobertura do Jornal Nacional e do Jornal da Record nas eleições de 2002 foi um reflexo da imagem que os candidatos quiseram passar e dos assuntos que enfocaram na sua propaganda eleitoral


Renata Moraes


Ao contrário do que se pensa, a mídia não é tão independente na decisão do que pretende divulgar nas campanhas eleitorais. Por meio de uma análise da cobertura dos dois principais telejornais brasileiros na campanha presidencial de 2002, foi possível concluir que as informações divulgadas eram um reflexo da propaganda dos candidatos.

Em seu doutorado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o cientista social Paulo Sérgio da Silva estudou a relação entre a cobertura do Jornal Nacional (TV Globo) e do Jornal da Record (Rede Record) sobre os candidatos Luís Inácio Lula da Silva e José Serra e a propaganda desses dois políticos no horário eleitoral e nos spots (inserções ao longo do dia).

Segundo o pesquisador, as coberturas jornalísticas tendem a dar destaque à disputa em si, devido ao caráter mais dinâmico e atraente, do que o das propostas: "Fala-se muito na agenda de campanha, nas estratégias, em pesquisas de intenção de voto". No entanto, quando tratavam de assuntos fundamentais, como economia e projetos sociais, Silva afirma que verificou nos dois noticiários uma grande aproximação com as prioridades dos políticos e a imagem que queriam passar em suas peças publicitárias.

Prioridades
Lula, por exemplo, priorizou a questão da fome, a necessidade de uma reforma agrária "justa", a melhora do ensino público e a geração de empregos, afirma o pesquisador. Ele cita que outro ponto marcante da campanha foi a criação da imagem de "Lulinha paz e amor", por meio da Carta ao Povo Brasileiro, abandonando a defesa da "ruptura efetiva com a política econômica" para adotar o slogan da mudança "responsável" e "segura" para o País.

Para Silva, a cobertura dos telejornais destacou bastante o programa petista de combate à fome, apostou na nova imagem do candidato enfatizando sua promessa de honrar contratos e ajudou a neutralizar as resistências daqueles que o viam como despreparado.

Outra forma de comparação entre a propaganda dos candidatos e a cobertura da mídia foi a hierarquia de assuntos. Silva conta que a lista de prioridades de Serra (assuntos mais mencionados) era economia (1º), saúde (2º) e segurança (3º). Na cobertura que a mídia fez do candidato esses assuntos tiveram prioridade bastante semelhante: economia (1º), saúde (5º) e segurança (2º). De acordo com o pesquisador, essa proximidade levanta uma questão: os candidatos estavam determinando os assuntos de que tratava a mídia ou a mídia estava sendo pautada pela publicidade dos políticos?

Agenda-setting
O conceito de agenda-setting afirma que a agenda dos meios de comunicação (notícias) influencia a agenda pública (pauta de discussões da sociedade). Existem diversos estudos sobre o tema no mundo, e o que Silva fez foi transpor essa teoria para a relação entre políticos e veículos de comunicação, em um estudo inédito no Brasil. Por intermédio do modelo de Chapel Hill, que foi criado para fazer análise semelhante nas eleições de 1968 nos EUA, o pesquisador conclui que, de fato, houve forte influência dos candidatos na "agenda" dos dois noticiários.

Isso pôde ser comprovado por meio de uma metodologia estatística reconhecida internacionalmente, o "time-lag". Consiste numa comparação entre os noticiários e as propagandas dentro de um espaço de tempo. Segundo o cientista social "foi possível notar que o que era dito nas peças publicitárias em poucos dias entrava para a pauta das coberturas".


 

Mais informações: paulse@usp.br ou paulooseergio@yahoo.com.br, com o pesquisador


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