Para tornar viável a criação de peixes migratórios
de água doce em cativeiro, pesquisadores do Instituto de Ciências
Biomédicas (ICB) da USP desenvolveram técnicas de aplicação
de hormônios a partir de estudos dos órgãos e das
substâncias químicas envolvidas no ciclo de reprodução.
As técnicas podem ser usadas em espécies com valor comercial,
como o pacu, a cachara (bagre da família do pintado) e o pirarucu
da Amazônia.
A professora Maria Inês Borella, coordenadora dos estudos, explica
que os peixes migratórios maturam as gônadas (órgãos
que produzem os gametas, células que formam os embriões)
ao longo do ano, fazendo migrações para realizar a desova.
Ela ressalta que a liberação dos gametas pelas gônadas
desses peixes quando em cativeiro precisa ser induzida com a injeção
de hormônios. "Cada espécie tem particularidades que
impedem o uso de um único tipo de hormônio, por isso é
preciso conhecer seu sistema reprodutor e sua biologia reprodutiva."
Na pesquisa com o pacu (Piaractus mesopotamicus) foi
descoberta a molécula responsável pela produção
do Hormônio Liberador de Gonadotrofina (GnRH), que controla a reprodução.
"Normalmente é usado um hormônio sintético análogo
ao do salmão, que provoca a desova em várias espécies,
mas que não produzia os efeitos desejados no pacu", conta
Maria Inês. "Conhecida a molécula, é possível
sintetizar o hormônio e produzi-lo para uso em criadouros."
Na cachara (Pseudoplatystoma fasciatum), foi estudado o epitélio
germinativo que compõe o testículo dos machos, para elaborar
uma classificação das fases do ciclo reprodutivo. "Dessa
forma, foi possível determinar em que período os espermatozóides
estão viáveis, permitindo a injeção dos hormônios
que levem à sua liberação." As pesquisas com
a espécie, realizadas por Sérgio Ricardo Batlouni, doutorando
do ICB, tiveram a colaboração da pesquisadora Elizabeth
Romagosa, do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo.
Pirarucu
O sistema reprodutor do pirarucu (Arapaima gigas) foi estudado
em peixes capturados em antigas áreas alagadas
usadas para cultivo de arroz, conhecidas como quadras, em Almeirim
(PA). "Ao contrário de outras espécies de água
doce, o pirarucu não é migratório, e a reprodução
depende principalmente das condições do meio ambiente",
explica a pesquisadora. "Como não há diferenciação
visual entre machos e fêmeas, o sexo dos peixes foi diferenciado
por meio de endoscopia."
Além do acompanhamento da reprodução natural dos
peixes nas quadras, alguns casais foram colocados em viveiros escavados
na terra e foram feitos experimentos tanto com manejo da reprodução
natural quanto com injeção de hormônios para realizar
a desova. "Com estes estudos, foi possível obter duas desovas
em um único ciclo reprodutivo", conta a professora. "O
número de alevinos (peixes jovens) obtidos foi maior e a sobrevivência
em cativeiro foi mais elevada do que numa desova em ambiente não
controlado."
De acordo com Maria Inês, "a criação efetiva
do pirarucu em cativeiro ainda dependerá de estudos mais detalhados
sobre a anatomia e o desenvolvimento gonadal, para melhor entender os
mecanismos fisiológicos da reprodução". A pesquisa
foi realizada pela pós-doutoranda Rossana Venturieri, em parceria
com um projeto privado e o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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