Após entrevistar 23 internos
da Penitenciária 1 de São Vicente (no litoral Sul de
São Paulo) e da Penitenciária do Estado (na Capital
), a cientista social Camila Caldeira Nunes Dias concluiu que "a
religiosidade evangélica adquire um sentido diferente dentro
da prisão". |
|
|
|
|
Nos
presídios do estado de São Paulo, cerca de 21,3% dos
presidiários são evangélicos, de acordo com o
Censo Presidiário 2002, elaborado pela FUNAP (Fundação Prof.
Dr. Manoel Pedro Pimentel). Segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, na sociedade brasileira
os evangélicos representam 15,5% da população.
Segundo a cientista social Camila Caldeira Nunes Dias, boa parte dos
presidiários se convertem já na cadeia. "Esse grupo
adota um estilo de vida diferente e enfrenta forte preconceito e desconfiança",
relata.
Após entrevistar 23 internos da Penitenciária 1 de São
Vicente (no litoral Sul de São Paulo) e da Penitenciária
do Estado (na Capital ), a cientista social Camila Caldeira Nunes
Dias concluiu que "a religiosidade evangélica adquire
um sentido diferente dentro da prisão".
Por terem como filosofia "acolher a todos", as igrejas pentecostais
são muito procuradas pelos que transgridem as regras do universo
prisional e se vêem ameaçados de morte. O preso pode
pedir transferência de prisão, ficar no "seguro"
- que são celas solitárias onde deixa de ter contato
com os demais - ou buscar o refúgio dessas agremiações.
Ao optarem por se juntar aos "irmãos" (como são
chamados na prisão os evangélicos), precisam adotar
uma rotina de orações e dedicação exclusiva:
têm atividades da igreja o dia todo, não podem assistir
a televisão ou ouvir rádio, são proibidos de
praticar esportes com outros presos e, na maioria das vezes, dividem
celas com pessoas do mesmo credo.
Entre os transgressores das leis da cadeia, estão estupradores,
delatores e aqueles que têm dívidas de drogas. Os que
fazem parte de grupos religiosos tornam-se, então, alvo da
desconfiança dos outros presos, que os acusam de "se esconder
atrás da bíblia", segundo a pesquisadora. "Há
sempre a suposição de que o evangélico é
alguém sem credibilidade, que não tem condições
de ser malandro. Isso, independentemente do fato de ele ter ou não
transgredido realmente o código de conduta da massa carcerária".
Reclusão no mundo evangélico
Os entrevistados por Camila faziam parte da Assembléia de Deus,
Deus é Amor, Universal do Reino de Deus, Igreja do Nazareno,
Testemunhas de Jeová, Adventista e Igreja Mensagem de Cristo
(fundada pelos presos). "Aqui fora, essas igrejas são
distintas nas práticas que impõem aos fiéis e
até na interpretação teórica das doutrinas.
Mas dentro da cadeia são todas iguais, seguem o mesmo padrão",
diz.
Ao mesmo tempo em que essas igrejas pregam a conversão religiosa
para a massa carcerária, obrigam seus seguidores a levar uma
vida à parte do ambiente prisional, "separando-se dos
incrédulos, que continuam planejando crimes, praticando violência".
O afastamento é recíproco por parte dos outros presos,
que passam a vigiá-los e os tornam alvo de gozações.
Dessa maneira, a vida que começam a levar é como um
castigo, um preço que tivessem de pagar pela proteção,
uma vez que sua religiosidade é vista não como fruto
de uma escolha autônoma, como em geral acontece na sociedade
livre, mas resultante de uma situação insustentável
com poucas opções de sobrevivência. Para Camila,
"esses presos evangélicos tornam-se pessoas estigmatizadas,
vivendo em ambigüidade quanto aos seus valores e enfrentando
a desconfiança quanto a sua fé".
Embora os recém-conversos contem relatos de arrependimentos
e "milagres", Camila afirma que melhores explicações
podem ser encontradas no papel social do mundo evangélico dentro
das articulações do ambiente prisional, "recebendo
aqueles que não são aceitos lá dentro".
|
|
|