"Essas pessoas muitas vezes perderam
a proteção da família e costumam buscar uma espécie
de 'reinserção' social pelo casamento" |
|
|
|
|
Uma
pesquisa realizada com 1.922 mulheres, com idade entre 15 e 49 anos
e que engravidaram pelo menos uma vez na vida, revela que 60% delas
já sofreram algum tipo de violência (física, sexual
ou psicológica) pelo parceiro. Cerca de 20% das entrevistadas
afirmaram terem sido agredidas durante a gravidez.
Segundo a psicóloga Julia Garcia Durand, que estudou o assunto
em seu mestrado na Faculdade de Medicina (FM) da USP, a violência
doméstica durante a gestação está associada
à perda de suportes sociais (como o apoio familiar e da comunidade)
por parte da mulher.
O levantamento foi feito em 14 serviços públicos de
saúde da Grande São Paulo. "Em geral, as mulheres
vítimas de agressão durante a gravidez sofrem os piores
tipos de violência na vida", diz a psicóloga. Quase
um quarto das entrevistadas sofreu violência física grave
por parceiro íntimo, que inclui agressões como socos
e queimaduras, ameaça ou uso de arma.
Entre os fatores apontados pelas mulheres como desencadeadores da
agressão por parte do homem estão a gravidez não
planejada, a dúvida em relação à paternidade
e a visão de que a chegada de um filho "obriga" o
estabelecimento de um compromisso.
Num segundo momento, foram colhidas as opiniões de 20 gestantes
e ouvidas, com profundidade, 4 vítimas de violência durante
a gestação. "As entrevistas foram longas, com mais
de um encontro", revela Julia. "O objetivo era contextualizar
a violência na história de vida dessas pessoas."
Fatores comuns
Ao analisar as entrevistas e as opiniões das mulheres, Julia
encontrou algumas características em comum às vítimas
de violência durante a gestação. Casos anteriores
de violência por familiar, por exemplo, são quase duas
vezes mais freqüentes entre aquelas que relataram casos de agressões
por parceiro durante a gravidez.
"São mulheres que, geralmente, saem precocemente de casa
e tendem a ter mais gestações. A hipótese é
que a mulher nessas condições cria uma relação
consigo mesma de baixa auto-estima. O homem, percebendo esse estado,
a desvaloriza", explica a pesquisadora. Outro fator que também
ocorre com maior freqüência entre as mulheres que sofreram
esse tipo de violência é a presença de transtorno
mental comum (depressão e ansiedade). Julia não encontrou
associação significativa com o grau de escolaridade.
A base do problema, explica a psicóloga, é uma relação
desigual de gênero que se intensifica quando há o "desenraizamento
social" da mulher. "Essas pessoas muitas vezes perderam
a proteção da família ou da comunidade e costumam
buscar uma espécie de 'reinserção' social pelo
casamento." Com isso, cria-se uma situação de dependência
em que o homem enxerga a mulher como uma pessoa submissa - uma visão
que tende a se acentuar com a gravidez.
Como possível saída para esse quadro, ela defende a
inclusão dos homens nos grupos de planejamento familiar e "intervenções
rumo a relações igualitárias entre homens e mulheres",
especialmente nas escolas. "É necessário derrubar
a idéia de que a mulher é a única responsável
pelo planejamento familiar e a visão que ainda associa masculinidade
a violência."
|
|
|