Enquanto o termo design está
ligado ao que é considerado "nobre ou valioso", a
gambiarra é justamente o oposto: "o feio, o lixo, o mal
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"gambiarra", popularmente definida como práticas
que se utilizam da improvisação para gerar soluções
pode estar relacionada ao conceito de design industrial. De acordo
com o designer Rodrigo Boufleur, as duas atividades estão próximas
em suas concepções. No estudo A Questão da
Gambiarra, apresentado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
(FAU) da USP, o pesquisador analisa a questão e propõe
uma reflexão na tentativa de desmistificar alguns preconceitos
que envolvem essas duas práticas.
Segundo definição dos dicionários, gambiarra
é um substantivo feminino que se refere a uma extensão
elétrica, de fio comprido com uma lâmpada na extremidade;
serviço elétrico mal feito para obter energia elétrica
de maneira ilegal; ou um rosário de lâmpadas. "Popularmente,
a palavra está ligada a tudo que nos remete ao famoso 'jeitinho
brasileiro' e à improvisação", diz Rodrigo.
Contudo, ele ressalta que, assim como o design, a gambiarra também
também visa a atender algumas necessidades específicas.
A idéia de estudar o tema surgiu num trabalho de conclusão
do curso de graduação de Rodrigo. Na oportunidade ele
criou um instrumento musical "improvisado": um "berimbaixo".
O artefato era composto de um cabo de machado e pedaços de
ferro, entre outros materiais, e que emitia sons. "Era uma mistura
de berimbau com contrabaixo", descreve o pesquisador. Ele conta
que não se dedicou a aprimorar a idéia, mas que a elaboração
do "instrumento" lhe chamou a atenção já
para a questão e a proximidade de concepção entre
o design e a chamada gambiarra. "A peça acabou se tornando
apenas algo estrutural", lembra.
A partir de 2003, durante o programa de mestrado na FAU, Rodrigo passou
a analisar bibliografias, refletir sobre o tema e comparar situações.
Como parte da pesquisa, visitou uma Organização Não-Governamental
(ONG) na cidade do Rio de Janeiro que se dedica a adaptar artefatos
para pessoas com deficiência física. "A idéia
é tornar a vida daquelas pessoas mais independente. Eles chegam
a desenvolver um produto para cada pessoa e de acordo com a sua necessidade",
lembra o pesquisador. "E porque não dizer que se trata
de um trabalho também de design?", questiona. Afinal,
como ele explica, o design pode ser definido como a criação
de um artefato que soluciona um problema ou atende a necessidades
específicas.
Glâmur
Enquanto o termo design está ligado ao que é considerado
"nobre ou valioso", a gambiarra é justamente o oposto:
"o feio, o lixo, o mal acabado". Segundo Rodrigo, apesar
de antagônicas, uma pode até inspirar a outra. "Uma
gambiarra, se for adaptada em escala industrial, poderá ser
considerada posteriormente um design. Assim como um design, se adaptado
a uma determinada necessidade poderá ser considerado simplesmente
uma gambiarra", compara.
O pesquisador enumerou uma série de 21 motivos que levam as
pessoas a criarem objetos com necessidades específicas e que
resultam em gambiarras. O pesquisador destaca alguns, como a adversidade.
"Quando não se tem nada à mão e se recorre
ao improviso. Um exemplo disso é uma lanterna que pode ser
improvisada com uma latinha de alumínio e uma vela", descreve.
A questão financeira, as necessidades específicas e
os consertos improvisados também estão entre os motivos
que levam à uma gambiarra. "Podemos destacar também
os produtos industriais que possuem obsolescência programada,
ou seja, aqueles que têm determinado tempo de existência
e são frágeis. Para estender sua vida útil às
vezes se recorre a uma gambiarra", explica.
Rodrigo lembra ainda que as gambiarras também exercem um importante
papel ambiental, principalmente quando se trata do reaproveitamento
de materiais. "Um dos maiores problemas da atualidade são
os resíduos sólidos e o lixo é o único
recurso em crescimento no planeta", observa. Além dos
materiais que habitualmente passam por processos de reciclagem, Rodrigo
chama a atenção aos que têm atributos particulares
e que são encontrados no lixo. Em seu trabalho, ele os denomina
de "lixo rico". "Não é comum, mas já
é possível encontrarmos objetos como tubos de TV queimados,
display de celulares, rodas de bicicleta ou uma bacia de máquina
de lavar, entre outros", garante. Ao invés do destino
comum desses materiais, o pesquisador sugere que eles possam ser vistos
como "matéria-prima instantânea" para o desenvolvimento
de outros artefatos.
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