Entre as décadas de 1970 e início de 1990, a produção
de peças do grupo Teatro Oficina liderado pelo diretor José
Celso Martinez Corrêa e conhecido por suas peças ousadas
diminuiu. Durante essa aparente lacuna, o grupo produziu um grande
número de filmes, vídeos e documentários. O resgate
dessa produção quase inédita foi realizado pela antropóloga
Isabela Oliveira, que mapeou esse material para a sua pesquisa de mestrado.
Isabela fez o mapeamento da produção audiovisual que estava
no acervo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doado pelo grupo
em 1985. A pesquisadora também trabalhou na organização
do acervo pessoal de materiais não-catalogados de Zé Celso.
Neste último acervo, Isabela catalogou, durante dois anos, as cerca
de mil horas de gravações que estavam na casa do diretor
e que agora estão arquivadas na sede do Oficina, na Rua Jaceguai,
bairro do Bexiga, em São Paulo. Neste período, a antropóloga
realizou ainda um trabalho etnográfico acompanhando o dia-a-dia
do grupo e seus processos criativos.
Em 1970, o filme Prata Palomares, que tem como personagens principais
dois guerrilheiros, foi a primeira experiência cinematográfica
do grupo. Em seguida, uma viagem pelo Brasil foi documentada em diversos
trabalhos em película. Também foi nesta época em
que o Rei da Vela, um dos marcos do Tropicalismo, começou a ser
filmado.
Depois da invasão da polícia ao teatro, em 1974, alguns
dos participantes do Oficina partiram para um exílio voluntário.
José Celso Martinez Corrêa fez cinema em Portugal e Moçambique
e foi premiado com os documentários que realizou sobre a Revolução
dos Cravos portuguesa e sobre a Independência Moçambicana.
TV Uzyna
De volta ao Brasil, já na década de 1980, iniciou-se a disputa
pelo espaço do teatro com o empresário Sílvio Santos,
que já nesta época pretendia comprar o local para construir
um shopping center. Na impossibilidade de comprar o terreno, o Oficina
decidiu adquirir um equipamento de vídeo e iniciou o projeto de
criar a TV Uzyna, conta a pesquisadora. Vários programas
foram produzidos nessa época, como novelas e vídeos, embora
nunca tenham ido ao ar.
Isabela destaca a importância dos trabalhos em vídeo do Oficina
para a geração brasileira dos anos 80, já que o projeto
TV Uzyna contou com a participação de jovens artistas que
trabalhavam com vídeo. A experimentação e a
diluição das fronteiras entre a ficção e a
não-ficção foram uma das marcas do trabalho do grupo
com o audiovisual, afirma. A pesquisadora lembra da importância
dos vídeos para o processo de tombamento do prédio do teatro
e sua reconstrução, finalizada em 1994, segundo o projeto
da arquiteta Lina Bo Bardi. O vídeo passou a ter um papel
importante nos espetáculos ao permitir que o público acompanhasse
tudo o que acontecia em cena, quando os eventos estavam ocorrendo em diferentes
espaços do teatro, por exemplo, explica.
O Oficina não produz mais trabalhos em película, mas continua
seu trabalho com o vídeo. Foi o primeiro grupo brasileiro a transmitir
uma peça ao vivo pela internet: Boca de Ouro. O acervo de
audiovisual não está aberto ao público, porém
um dos projetos, que aguarda financiamento, é o de digitalização
do acervo da sede. A pesquisa de Isabela, Bárbaros tecnizados:
cinema no Teatro Oficina, será apresentada no próximo
mês de março na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP. O estudo foi premiado em 2003 pelo Instituto Itaú
Cultural, no Programa Rumos.
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