"Com as armas de fogo, o número
de mortos aumentou muito e, com isso, sua conseqüente retaliação" |
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As
armas de fogo acentuaram as disputas e o número de mortes entre
os yanomamis. Uma pesquisa de doutorado da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra que a inserção
de armas de fogo no interior da área indígena tem potencializado
os conflitos entre os índios, aumentando assim o número
de mortes. "Essas armas geralmente são fornecidas por
garimpeiros que trabalham ilegalmente na região", diz
o antropólogo Rogério Duarte do Pateo, que realizou
seu estudo na Serra das Surucucus, em Roraima.
A violência entre os diferentes subgrupos yanomami que
possuem uma população de quinze mil pessoas no lado
brasileiro da fronteira e ocupam um território demarcado de
cerca de 9.400.000 hectares sempre existiu e faz parte de suas
relações sociais e de seu sistema ritual.
Mas apesar de mobilizar a vida de toda a comunidade, quando as armas
eram apenas as flechas, o número de mortos era muito menor,
embora não existam estatísticas sobre a taxa de mortalidade
antes da entrada das espingardas e bens industrializados. "Hoje,
as conseqüências estão fugindo ao controle deles.
A utilização de armas de fogo potencializa todo o sistema
dos conflitos, prolongando sua duração e causando um
aumento no número de mortes e de todas as atividades relacionadas
aos rituais funerários", explica Pateo.
Segundo o pesquisador, de acordo com a cultura desses índios,
cada morte traz a necessidade de uma vingança. "Com as
armas de fogo, o número de mortos aumentou muito e, com isso,
sua conseqüente retaliação", explica. Outro
problema apontado pelo pesquisador é que, nesse círculo
vicioso, a dependência dessas armas, na maioria ilegais, também
cresceu.
Além disso, os conflitos causam deslocamentos populacionais.
Se o morador de uma comunidade mata um índio de um grupo que
vive próximo, ele sabe que haverá uma tentativa de vingança,
por isso foge daquele local. "Mas não há mais espaços
vazios, então esse grupo que foge vai acabar se refugiando
na região de uma terceira comunidade, gerando dependência,
problemas nutricionais e tensões sociais diversas", conta
o pesquisador.
O pesquisador passou nove meses na Serra do Surucucu (RR), entre 1999
e 2001, quando visitou e entrevistou índios de 33 aldeias.
Nesse período, Pateo percebeu como essas relações
políticas preocupavam os yanomami. "Não são
guerras abertas, são emboscadas, mas mobilizam totalmente a
vida deles."
Violência
O pesquisador explica que o sistema de agressões yanomami é
baseado em uma espécie de "reciprocidade canibal",
segundo a qual todos os traços do morto devem ser eliminados
da memória dos vivos, garantindo assim a separação
entre os dois mundos. "Para isso, a devoração (simbólica)
dos restos mortais é feita pelos afins (que algumas vezes consomem
as cinzas dos ossos calcinados da vítima em um mingau de bananas),
enquanto sua carne e seu sangue são metaforicamente digeridos
pelo matador", conta Pateo, para mostrar a relação
cultural desses índios com essas formas de violência.
Cada grupo e os laços que mantém entre si influenciam
no que cada um deve fazer nos rituais funerários, por exemplo.
Pateo afirma que esse sistema de agressões está na base
para as relações sociais e rituais desses índios.
Qualquer morte pode ser atribuída a uma agressão, seja
ela física ou espiritual e é, portanto, passível
de vingança. A organização social também
é afetada, já que os grupos formam alianças para
combater outros inimigos comuns. Para o pesquisador, o importante
é a dinâmica de funcionamento das rivalidades e o impacto
das armas, e não a causa dos conflitos, que são inerentes
aos grupos. "Quem ataca sempre acha que está revidando",
lembra.
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