Existe uma meta mensal prevista de sugestões
a serem apresentadas, o que exerce grande pressão psicológica
sobre os trabalhadores |
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O discurso empresarial dominante divulgado na mídia, que exalta
um novo contexto de humanização e flexibilização
do trabalho, serve para justificar e encobrir uma exploração
mais acentuada da força de trabalho. "Agora, o trabalhador
não deve empenhar apenas sua força física, mas
também sua inteligência e sua criatividade", afirma
a psicóloga Márcia Hespanhol Bernardo, que realizou
pesquisa sobre o tema no Instituto de Psicologia (IP).
Em seu doutorado, a pesquisadora quis compreender como os trabalhadores
vivenciam as novas propostas de organização do trabalho
que afirmam superar os problemas do chamado "taylorismo-fordismo",
que limita a participação e a autonomia dos trabalhadores,
considerando-os apenas mais uma peça na máquina de produção.
Márcia entrevistou funcionários que trabalham na linha
de montagem de duas fábricas de automóveis, no interior
de São Paulo.
Em 13 anos de trabalho em Centros de Referência em Saúde
do Trabalhador (unidade de saúde pública que atende
portadores de doenças causadas pelo trabalho), Márcia
notou um crescente contraste entre os discursos empresarial e o dos
trabalhadores, que destaca cada vez mais problemas de saúde
(como estresse, dores de coluna, depressão e LER - lesão
por esforço repetitivo) causados pelo excesso de responsabilidades,
aliado a um ritmo de trabalho alucinante.
"Nas duas indústrias investigadas os operários
trabalham na montagem do carro da mesma forma que Charles Chaplin
já descreveu há 80 anos", aponta a pesquisadora.
No filme Tempos Modernos, o diretor e ator retrata a rotina
repetitiva e exaustiva que os trabalhadores enfrentavam nas fábricas
dos Estados Unidos dos anos 30. "Mas, diferentemente do filme,
os entrevistados afirmavam que também precisavam desenvolver
sugestões de melhoria do processo de produção
ou dos produtos." Márcia conta que existe uma meta mensal
prevista de sugestões a serem apresentadas, o que exerce grande
pressão psicológica sobre os trabalhadores. "Os
altos níveis de desemprego possibilitam essa exploração
mais acentuada", explica.
Flexibilização de sentido
No esforço por legitimar essa idéia de "novo trabalhador",
que teria maior oportunidade de se expressar nesses novos modelos
de organização do trabalho, termos como "competência",
"participação", "autonomia" e "trabalho
em equipe" ganham novo significado quando utilizados pelo discurso
empresarial. "São temas que fizeram parte da luta sindical
e que são agora adaptados segundo os interesses da empresa",
afirma a psicóloga.
As empresas estão valorizando mais as potencialidades dos trabalhadores,
as suas características pessoais, do que a sua qualificação
profissional. "Elas buscam pessoas mais jovens, com pouca experiência
profissional e com características pouco críticas, que
possam ser moldadas de acordo com a empresa", diz Márcia.
A participação, assim como a autonomia, não é
efetiva, pois ela está submetida às regras e ao interesse
empresarial.
Trabalho em equipe representa, na verdade, um agrupamento de trabalhadores
para a realização de determinada tarefa. O real significado
do termo conflita com o contexto de competição e individualização
do trabalho que, por sua vez, entra em choque com a idéia de
"família empresa", que o discurso empresarial procura
enfatizar. Segundo a psicóloga, existe até uma linguagem
própria, que sustenta esse discurso ao criar uma "nova"
atmosfera de trabalho. No lugar de funcionário, utiliza-se
"colaborador"; ao invés de chefe, fala-se em "líder";
não existe objetivo, e sim "missão."
Mas enquanto existe flexibilidade no sentido das palavras, não
há flexibilidade na prática. "Os temas introduzidos
no discurso empresarial nada têm a ver com humanização,
e sim com a exploração máxima da força
de trabalho", conclui a psicóloga. "O discurso de
mudança serve para manter tudo como está."
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