Existe muito preconceito em relação
à telenovela, no entanto ela é o produto cultural brasileiro
de maior audiência, maior influência na sociedade, o mais
sofisticado na produção da televisão aberta e
exporta a cultura brasileira para mais de 140 países |
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Núcleo de Pesquisa em Telenovelas (NPTN) da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP foi o primeiro grupo acadêmico do mundo
formado com o objetivo de pesquisar e documentar a produção
da telenovela. O desconhecimento do público e ainda de muitos
pesquisadores acerca do Núcleo contrasta com o respeito de
profissionais de televisão e de grupos de estudo especializados,
que o têm como principal referência na área. "Várias
vezes ouvi pessoas comentarem diante da nossa porta: 'aqui não
sei o que fazem, são só umas mulheres que ficam assistindo
novela", recorda a pesquisadora Maria Ataíde Malcher,
do NPTN .
Em outubro de 2001, um incêndio destruiu todas as instalações,
equipamentos e o arquivo de materiais sobre telenovelas do Núcleo.
"Alguns professores perderam registros de décadas de trabalho
e todo o memorial acadêmico e pessoal que tinham em suas salas.
As pesquisas tiveram de ser adequadas a uma nova realidade, mas nos
esforçamos para não interrompê-las. Nos anos seguintes,
conseguimos promover encontros de dimensão inédita,
com os maiores pesquisadores estrangeiros e assim tentamos renovar
o nosso empenho."
Um dos principais prejuízos causados pelo incêndio foi
a perda de um acervo com mais de três mil exemplares de fitas
de vídeo, fitas K7, recortes de jornal, revistas, álbuns,
pôsteres, suplementos, livros, teses, roteiros, discos, fotografias
e sinopses de telenovelas.
O material havia sido reunido a partir de doações de
coleções particulares, de órgãos públicos
e empresas. "O antigo acervo tinha materiais de todas as emissoras,
com raridades como roteiros e capítulos da TV Tupi. A campanha
que estamos promovendo para montar um novo - SOS Telenovela: O
que Você Guardou de Lembrança pode Ajudar Nossa Memória
- não deve recuperar aqueles documentos, mas está reunindo
outras raridades."
Desde sua fundação, em 1992, o NPTN produziu seis dissertações
de mestrado, sete teses de doutorado, formou dois livres-docentes
e publicou nove livros. Atualmente, outras dez defesas estão
sendo preparadas. "Hoje vemos que mesmo pesquisadores brasileiros
que vão estudar no exterior acabam ligando para a gente, porque
a bibliografia vem daqui. No meu mestrado, em 2001, fiz um esboço
avaliando as publicações sobre ficção
televisiva seriada antes e depois da criação do Núcleo.
Verifiquei que todo o material que pude obter, publicado depois de
92, citava direta ou indiretamente nossos trabalhos, quando não
eram os próprios", diz Maria Ataíde.
Os trabalhos já realizados tratam de assuntos como a história
e antecedentes do gênero, questões sobre a autoria, sobre
a linguagem e a relação com o cinema, a seleção
de elenco, a influência da tecnologia na produção,
relações das novelas e minisséries com a política,
com o cotidiano, com a religião, questões raciais e
de movimentos sociais, recepção do público infantil
e uso da telenovela na pedagogia, entre outros.
Há aproximadamente dois anos, o Núcleo criou uma linha
de pesquisa específica, intitulada Comunicação e Ficção
Televisiva. Ela possibilita a multiplicação dos
conhecimentos da área e a formação de novos mestres
e doutores. Além disso, novas temáticas vêm sendo
abordadas, como por exemplo, a da internacionalização
da telenovela - ou seja, os processos para a exportação,
as negociações, as mudanças pelas quais esse
produto passou e a recepção do público.
Tratamento científico
Na opinião da pesquisadora Maria Lourdes Motter, atual coordenadora
do NPTN, o principal feito do Núcleo foi legitimar a telenovela
como um objeto digno de pesquisa científica. "Existe muito
preconceito em relação à telenovela, no entanto
ela é o produto cultural brasileiro de maior audiência,
maior influência na sociedade, o mais sofisticado na produção
da televisão aberta e exporta a cultura brasileira para mais
de 140 países."
Segundo a pesquisadora, o Núcleo criou novas categorias para
o estudo da telenovela brasileira, considerando suas diferenças
com outros tipos de arte, como o cinema e o teatro, e também
com tipos de novelas produzidos em outros países, como os EUA
e o México.
"A telenovela mexicana conta uma história do tipo conto
maravilhoso, com falhas grosseiras para os nossos padrões de
interpretação, figurino, iluminação. No
Brasil, temos histórias complexas, com eixos principais e tramas
paralelas, com reconstituições de época, elementos
de suspense, de humor, de problemas sociais."
Questões como reforma agrária, violência, drogas,
alcoolismo e homossexualidade vêm sendo continuamente tratadas
nas produções brasileiras, o que, segundo Lourdes Motter,
contribui para ampliar discussões, pautar a imprensa e influenciar
a agenda social e política do País. "Mas nem toda
temática social tratada na novela tem boa repercussão,
para isso é preciso usar a arte e sensibilizar. Cada coisa
pode estar sendo bem ou mal feita e este papel de avaliar cabe aos
estudiosos."
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