ISSN 2359-5191

13/01/2006 - Ano: 39 - Edição Nº: 24 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Segredo e opacidade de estatísticas criminais prejudicam políticas públicas de segurança

São Paulo (AUN - USP) - Mudanças legislativas, pressões de grupos sociais organizados, investimentos em informatização do Estado, abertura política e demanda por direitos humanos. Esses aspectos não atingiram práticas burocráticas cotidianas na produção e uso de estatísticas sobre crimes e criminosos na história recente das instituições que compõem o chamado sistema de justiça criminal brasileiro (Polícias Civil e Militar, Ministério Público, Poder Judiciário e Estabelecimentos Carcerários). Isso afeta os procedimentos acionados para garantir direitos civis e segurança pública. Essa é a hipótese defendida e comprovada por Renato Sérgio de Lima em sua tese de Doutorado “Contando crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia das estatísticas produzidas e utilizadas entre 1871 e 2000”, defendida recentemente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH.

Renato explica que as estatísticas criminais paulistas e até mesmo as brasileiras são lastreadas no segredo, pois o modelo brasileiro baseia-se na produção de dados e não conseguiu superar a dimensão de registro de fatos individuais. Para ele, o uso de informação e conhecimento gerado a partir das estatísticas somente recentemente é valorizado como estruturador de políticas públicas. Ele ressalta que é preciso fazer uma distinção entre dado, informação e conhecimento. Por dados, considerou-se todos os elementos e variáveis coletados. No caso da informação, trata-se de uma dimensão posterior à coleta e dados em si, e que pressupõe o cruzamento de referências e variáveis de forma que seja possível significar os dados. Enfim, por conhecimento entende-se o encerramento de tal ciclo, pelo qual dados e informações permitem que novas questões e velhos dilemas sejam compreendidos e superados.

Ele defende que o segredo se refaz não na indisponibilidade de dados ou na vontade de divulgar informações, mas na opção política das instituições de justiça criminal de não estruturarem suas ações nas interpretações que são feitas dos dados disponíveis. Assim, a multiplicidade interpretativa reserva aos operadores do sistema a possibilidade de recorrerem a verdades organizacionais, ideológicas e jurídicas que reificam suas práticas e dificultam a completa transformação democrática do Estado Brasileiro. Para ele, a quantidade vence o conteúdo e a qualidade das estatísticas: “A adoção de modernas ferramentas de informática aumenta o estoque de dados gerados. Assim, há a disponibilização da provas judiciais na Internet sem, contudo, uma avaliação sobre acessibilidade, qualidade, transparência, integridade e utilidade dos dados disponíveis”, afirma.

Renato acha que faltam “centros de cálculos” legitimados para atribuir sentido aos dados e coordenar sua produção. “Sem essa coordenação, os dados não geram informações e essas não produzem conhecimento válido para a avaliação e redefinição das políticas públicas de pacificação social”. Desse modo, o discurso pela transparência dos dados transforma algo secreto em uma coisa opaca: privilegiam-se dados e casos individuais, sem, contudo, uma coordenação, um estudo e uma correlação entre as diversas ocorrências de crimes.

Esse problema se reflete na estruturação de políticas públicas de segurança e pacificação social. Renato afirma que novos recursos humanos, financeiros e materiais são alocados pelos dirigentes políticos, mais em função daquilo que é entendido como prioritário do que aquilo que seria fruto de um amplo debate sobre qual controle social é compatível com a democracia brasileira. Assim, ações espetaculosas são mobilizadas e os principais problemas do modelo de organização do sistema de justiça criminal e da pouca participação da sociedade deixam de ser consideradas urgentes e politicamente pertinentes. “Afinal, formalmente, as demandas por participação foram contempladas. Um simulacro está criado”, afirma.

Essa burocracia é criticada por Renato: “Enquanto práticas burocráticas não forem objetos de um ‘choque de transparência’, não vejo como ações democráticas na área de segurança pública e justiça criminal lograrão sucesso em garantir direitos e acesso à justiça”, finaliza.

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