São Paulo (AUN - USP) - Mesmo 50 anos após a construção do Parque Indígena do Xingu, a discriminação contra os índios ainda é muito forte entre os brasileiros. "Esse filme é para o grande público, isso é pra uma massa enorme. Nós precisamos de filmes como esse mais e mais, porque as pessoas tem uma ignorância tão grande sobre índio. E existe, hoje, uma indiofobia tão assustadora." Para o antropólogo Aristóteles Barcelos Neto o fato de o filme não consistir em um documentário é essencial para que ele atinja a sociedade brasileira neste ponto problemático. "Ninguém quer ouvir falar de índio no Brasil, só nas universidades", afirma o diretor do filme, Cao Hamburger. "A ficha mais aterrorizante que caiu foi o nível de preconceito que nós temos contra os índios."
Aristóteles Barcelos Neto trabalhou, na região do Xingu, com a etnia Wauja entre os anos de 1998 e 2005; tendo produzido documentários e coletado um extenso material etnográfico. Sua pesquisa atual conta com o Cesta (Centro de Estudos Ameríndios) e com o Lisa (Laboratório de Imagem e Som em Antropologia), ambos da USP. Apesar de trabalhar na UEA (University of East Anglia), em Norwich (Reino Unido), atualmente ele está em São Paulo.
O filme Xingu, que estreou no último dia 6 e teve sua pré-estréia no Cinusp dia 20 de março, conta a história dor irmãos Villas Bôas, cujas ideias e conquistas contiveram ambições que ainda hoje cercam o Rio Xingu. Orlando (interpretado por Felipe Camargo) e Cláudio (personagem de João Miguel), os dois irmãos mais velhos, foram os fundadores do Parque do Xingu em 1961. Leonardo (interpretado por Caio Blat), o mais novo, morreu antes da criação do Parque, onde, hoje, aproximadamente 5.500 índios, pertencentes a 14 etnias, vivem. O trabalho de Cláudio e Orlando foi reconhecido mundialmente por sua importância na preservação da diversidade humana, o que os levou a serem indicados duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz. "Se a gente for pensar, aquele parque é uma das poucas coisas que realmente deu certo." Para Aristóteles, o Parque sobrevive por ter sido fundado em valores nobres dos irmãos e dos índios. "O Brasil tem poucos heróis que não sejam heróis de guerra.", comenta.
Apesar de, obviamente, levantar as discussões sobre a construção de Belo Monte, o filme conta com o patrocínio da Eletrobrás e do BNDES, que deve financiar a obra em 80%. "No Brasil nós não podemos nos dar ao luxo de negar patrocínio", diz Hamburguer. Para ele, a atitude dessas empresas de patrocinarem o filme é uma amostra da avanço da democracia no País. "Belo Monte é só um exemplo de uma política que eu acho atrasada, retrógrada", afirma o diretor. Quando questionado sobre o fato de o filme não fazer nenhuma alusão direta seja a Belo Monte ou ao Novo Código Florestal, o diretor afirmou que essa foi uma decisão que tiveram de tomar. "É um dilema. O plano do lançamento do filme é pra jogar uma questão forte. Mas percebemos que se a gente continuasse muito forte nisso, iriamos perder a capacidade de sensibilizar do filme."
Para Aristóteles, o "Xingu é o rio da diversidade cultural, do início dele ao fim, é um símbolo nacional." E completa: "Alí vive gente, muita gente. Alí vive uma civilização. Não se pode destruir uma civilização." O diretor acredita que "se o filme conseguir atingir, atrair uma simpatia que seja, já é um grande passo para a cultura como ela está."