ISSN 2359-5191

11/10/2012 - Ano: 45 - Edição Nº: 95 - Educação - Faculdade de Educação
Evento discute conservadorismo em São Paulo e suas repercussões na educação pública

São Paulo (AUN - USP) - No dia 17 de setembro, realizou-se no auditório da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação (FE) da USP o debate: “A ascensão conservadora em São Paulo e suas repercussões na educação pública”. O evento contou com a participação dos professores Ricardo Musse, José Sérgio Fonseca de Carvalho, além da diretora da FE, Lisete Arelaro, e da atual deputada e ex-prefeita da capital Luiza Erundina.

A discussão se iniciou trazendo como pauta o grande paradoxo que a cidade de São Paulo vivencia no momento. “Enquanto em todo o Brasil os candidatos de esquerda se credenciam para disputar as eleições, em São Paulo os candidatos conservadores têm maioria das intenções de voto”, afirma Musse, professor do departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Historicamente, essa onda neoconservadora teve início nos Estados Unidos juntamente com o neoliberalismo, em que o poder foi assumido pela burguesia financeira e inaugurou uma nova modalidade de capitalismo. “O Brasil, neste século, após o fracasso do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, constatou nas urnas e na prática governamental uma espécie de distanciamento do neoliberalismo.”

No entanto, para Ricardo Musse, a cidade São Paulo ainda continua muito próxima da política neoliberal, pois, além de ser o núcleo central da burguesia financeira, que abarca com seus tentáculos a mídia e apoios partidários, também possui uma extensa pequena burguesia influenciada pelos valores do capitalismo selvagem e nutrida pelo anticomunismo que hoje se converteu em um solo fértil para o ressentimento social, o qual é reforçado pela existência de uma imprensa conservadora que tende a cada vez mais limitar o debate público. Esse fato pode ser notado também dentro da Universidade de São Paulo. “A USP, que exerceu um papel tão importante na resistência ao regime militar, acabou não se livrando de seu ‘entulho autoritário’ e ainda obedece um regimento feito na época da ditadura”, comenta Ricardo Musse. “Temos aqui um reitor que governa com a polícia e que ameaça estudantes, professores e funcionários com processos. Temos na USP um verdadeiro estado de sítio”, acrescenta.

A metrópole, ao ter sua sociabilidade moldada pelo consumo e pela indústria cultural gera uma situação na qual são cada vez mais raros espaços de socialização e a esfera pública se torna cada vez mais restrita. “Mas essa não é uma situação imutável e a ação política é o caminho que nos permite modificá-la”, finaliza Musse.

A mercantilização da educação
Nesse processo conservador é possível notar o ataque sistemático a que a educação vem sendo submetida. “É nesse momento que temos um processo de privatização do ensino superior. Temos hoje grandes empresários da educação e, apesar de não termos assinado o convênio da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas, que seria um bloco econômico que teria por objetivo eliminar as barreiras alfandegárias entre os países), nós temos hoje a ALCA entre nós”, afirma a diretora da FE.

A educação vem sendo mercantilizada e se tornando um grande negócio. De acordo com Lisete Arelaro, hoje, a entrada direta da compra de sistemas de ensino na educação pública vem gerando uma situação delicadíssima e mais do que nunca precisamos discutir qual ensino e qual escola queremos para termos o cidadão que desejamos. “Não estamos mais discutindo apenas qualidade do ensino superior, estamos discutindo ações. E essa discussão abrange justamente uma das áreas mais complexas e sensíveis do País, que é a formação dos professores”, completa Lisete. Um grande exemplo do conservadorismo no poder foi José Serra ao exercer seu mandato na prefeitura de São Paulo. Serra, ao assumir o cargo, encaminhou um projeto de lei que autorizava que as escolas municipais pudessem ser geridas por privados. Como a rede estava em greve, uma das exigências foi a retirada do projeto, impedindo as privatizações, o que não ocorreu com a cultura, o transporte e a saúde, que foram mantidos.

“Precisamos de uma educação que respeite a diversidade de cada grupo presente na sala de aula, que mobilize a juventude na construção de um projeto de país, de nação”, afirma Lisete. A educação ética, dessa forma, é um requisito indispensável para a melhoria das condições de vida do brasileiro. É necessário ter em mente para onde queremos caminhar, qual direção e que esforços coletivos a política educacional e as áreas sociais precisam ter. “Precisamos de uma solução que não seja pelo capitalismo e pela desumanização que estamos vivendo hoje no Brasil e no mundo”, completa.

A superfluidade de tudo e de todos
Para José Carvalho, é por meio da reflexão que somos capazes de atribuir sentido ao viver comum. Somos seres políticos e buscamos uma razão de ser. Com relação à universidade, é notório como gradualmente seu papel político e público tem sido reduzido, de forma que esta tende cada vez mais a perder seu sentido ético-reflexivo e tornar-se uma mera produtora de conhecimento técnico aplicável. “Essa tecnocracia acaba por deixar mais visível a face do pensamento conservador, transformando não só o professor, mas todas as pessoas em instrumentos facilmente substituíveis“, aponta o professor de Filosofia da Educação da Universidade de São Paulo.

A sociedade moderna trouxe consigo a superfluidade do ser humano e vem disseminando uma aceitação acrítica que valoriza o privado em detrimento do público. Carvalho atenta para a natureza da comparação que se faz, principalmente no tocante às escolas: “Avaliamos a qualidade do público com a lógica do privado. São pólos desiguais e nunca se compara a totalidade. Há uma generalização da qualidade das escolas privadas, o que não é verdadeiro. Essa comparação tem um caráter ideológico”.

A necessidade de uma reforma política
Luiza Erundina propõe uma reflexão acerca dos impasses vividos por São Paulo: “Não podemos ficar apenas no diagnóstico, na constatação da perplexidade que essa conjuntura apresenta a nós de esquerda, que temos compromissos reais com o socialismo no mundo e no Brasil”. Segundo a ex-prefeita, a capital enfrenta atualmente três grandes impasses estruturais que são raízes dos problemas debatidos no evento. O primeiro deles é o sistema eleitoral brasileiro, no qual a criação de partidos se tornou um grande negócio, de modo que são criados partidos sem identidade ideológica, sem projetos políticos. Há, portanto, um esvaziamento das siglas partidárias e um esgotamento do quadro partidário. O financiamento privado de campanhas eleitorais acaba sendo responsável por desvio de recursos e as coligações partidárias acabam juntando partidos sem afinidade com base apenas na preocupação da governabilidade.

O segundo fator estrutural diz respeito à mídia, que é uma questão estratégica em qualquer sociedade e precisa ser democratizada. Temos hoje grandes monopólios e oligopólios midiáticos que exercem controle quase total sobre toda informação, o que é inadmissível em uma sociedade dita democrática. É preciso que se estabeleça um novo marco regulatório dos meios de comunicação para a democratização da política e da civilização. É muito difícil de se acompanhar a dinâmica da sociedade se não se tem o domínio dos meios de comunicação de massa. “A comunicação é determinante para as transformações estruturais da sociedade e, ao ser apropriada pela iniciativa privada, acaba estando a serviço do lucro, contribuindo para o retrocesso dos avanços das forças democráticas e populares do nosso país”, declara a atual deputada.

A terceira e mais importante questão proposta por Erundina é retomar o processo de estímulo da juventude ao debate político. A relação dos jovens com o governo é essencial e é o posicionamento desses que gerará mudanças políticas e educacionais. Ao fim do debate, concluiu-se que a separação entre essas duas esferas é impossível, uma vez que a educação apolítica não existe. É então por meio de uma boa formação e da democratização da cultura e do protagonismo político que poderemos construir uma sociedade mais justa e igualitária, em que a trincheira do medo e a convivência com a violência sejam extintas.

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