São Paulo (AUN - USP) - O futebol de rua e tantas outras atividades de entretenimento realizadas no espaço público estão desaparecendo devido ao crescimento da urbanização nas áreas periféricas. Ao notar tal fato, o mestrando Glauco Roberto Gonçalves da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), que nasceu na periferia da zona leste da cidade de São Paulo, iniciou sua tese intitulada A crise da cidade em jogo: o futebol na contramão em ruas da Penha.
O geógrafo, formado em 2006 pela FFLCH, conta que a ideia da pesquisa surgiu de suas próprias experiências de infância: “Joguei muito futebol na rua. Era uma brincadeira infantil, uma prática de uso da rua e do tempo”. A experiência de realizar a graduação na zona oeste, longe de casa, o fez refletir: “A ideia foi um pouco consequência da junção das experiências que eu tinha tido da apropriação do espaço da cidade na minha infância em um bairro periférico e os estudos que tive de geografia urbana”.
Entender a dinâmica e os fenômenos urbanos fascinou Gonçalves já na graduação: “Meu interesse pelo estudo da cidade foi uma combinação entre bons professores e o fato de ter vivido na cidade de São Paulo durante minha vida toda”. O pesquisador acredita que o estudo reflete o autor: “Vivi duas cidades de São Paulo. Dezoito anos na zona leste e dez anos na zona oeste. A cidade já estava em mim, estudá-la também foi um jeito de me estudar, de entender o lugar em que estou”.
Um dos objetivos da realização da pesquisa foi tentar contribuir com um ato que, por vezes, é tão esquecido como a prática do futebol nas ruas: “Imaginei que pudesse ajudar falando de algo que é tão esquecido. O futebol, na rua, junta muitas coisas boas que a infância, a cidade e o esporte podem proporcionar”. Segundo o paulistano, o fato de garotos se juntarem para praticar um esporte demonstra o fator de sociabilidade entre as crianças e a visão da rua como um local não tão perigoso.
Contudo, o futebol não é o foco principal da pesquisa, é o que explica Gonçalves: “Pensei que podia usar o futebol de rua como um termômetro do direito à cidade, da realização da infância na cidade”. Na pesquisa do geógrafo, o esporte funciona como uma ferramenta para conseguir posicionar a infância de um lado e a cidade do outro: “Há o impulso lúdico muito próprio da infância que está sendo cada vez mais limitado por horários específicos. Tem horário certo para brincar, para ir ao inglês, para qualquer atividade”.
A metodologia usada pelo geógrafo consistiu na localização e abordagem dessas crianças jogando nas ruas. “A abordagem foi ocasional, não quis fazer nenhum tipo de tabelamento ou estatística”. Quando encontrava os jovens, Gonçalves perguntava principalmente sobre a frequência dos jogos, quais tipos de jogos eram praticados e as maiores dificuldades de se jogar no local.
A tese se iniciou em junho de 2008 e foi defendida em junho de 2011. Tudo sob orientação da professora da FFLCH, Odette Carvalho de Lima Seabra, que possui seus trabalhos centrados no estudo do bairro. Segundo o geógrafo paulistano, as maiores dificuldades da pesquisa foram certas entrevistas com crianças e a busca por acervos históricos dos bairros periféricos.
Pesquisas que revivem certas práticas esquecidas mostram as perspectivas ruins da cidade. Certas conclusões obtidas pelo paulistano revelam isso: “O uso da rua está em nítido processo de desaparecimento. Nos bairros periféricos ainda há uma possibilidade, mas está ficando muito difícil, no geral”. Outra conclusão importante foi tomada: “O automóvel é um ponto fora da curva na história da cidade. Ele possibilita uma locomoção rápida e prática, porém coloniza a nossa forma de se movimentar”. Segundo Gonçalves, apesar de ser símbolo da modernidade, o automóvel dificulta fundamentalmente certas atividades de lazer realizadas no espaço urbano.