ISSN 2359-5191

12/08/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 62 - Meio Ambiente - Instituto de Biociências
Falta de legislação específica e negligência fomentam o tráfico de animais silvestres

Segundo a ONG WWF (World Wildlife Found), o tráfico ilegal de animais silvestres movimenta entre 10 a 15 bilhões de dólares mundialmente. Nas normas ambientais brasileiras, não há um crime tipificado como “tráfico de animais” e o conjunto de ações que o constitui está sujeito a punição por uma lei criada há mais de 15 anos, a Lei de Crimes Ambientais, que prevê detenção de seis meses a um ano, além do pagamento de um valor em dinheiro. “Hoje a legislação brasileira encara os crimes ambientais como crimes de menor potencial ofensivo, onde há a possibilidade de penas alternativas, como pagamento de multas e prestação de serviços comunitários”, afirma Juliana Machado Ferreira, bióloga e doutora pelo Instituto de Biociências da USP.

Através da Lei Complementar nº 140, de 2011, foram fixadas normas para a cooperação entre o Governo Federal e os governos estaduais na gestão ambiental brasileira. Desde então, muitas das atribuições do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foram repassadas aos Estados. Ao passar de um nível federal para um nível estadual, Juliana nota que são criados entraves jurídicos e legislativos para que as secretarias do meio ambiente atuem no combate ao tráfico e na soltura adequada.

Entre a apreensão de indivíduos nativos de outros Estados e sua repatriação em seus locais de origem, uma série de barreiras burocráticas e legislativas interestaduais são criadas, impedindo que muitos animais sejam soltos adequadamente. Segundo a especialista, milhares de animais acabam em cativeiro pelo resto da vida ou são eutanasiados, pois não há concordância sobre soltura, o que mostra a importância da pesquisa em Genética de Populações para nortear o pós-apreensão. “Pela legislação, o Estado tem a tutela da biodiversidade. Se este falha ao deixar ser coletada, vendida ou traficada, não pode falhar também nesse momento”, afirma.

Quando o animal é retirado da natureza, ele deixa de cumprir suas funções no ambiente, como predar, dispersar sementes e servir de alimento para outros animais. “Mesmo que tenha sido apreendido e esteja em um criadouro, em boas condições, o animal continua a não exercer seus papéis ambientais”, explica Juliana, um dos grandes impactos do tráfico. A sobrevivência do tráfico de animais silvestres depende da existência ainda de um grande mercado consumidor ilegal, com raízes culturais. Para ela, além da conscientização e educação social sobre o problema do tráfico de animais no Brasil, também “deve haver um aumento da repressão, acompanhada de esforços para mitigação dos impactos.”

Genética no combate ao tráfico

Em sua pesquisa de doutorado, orientada pelo professor João Stenghel Morgante, Juliana procurou unir seu interesse em Genética de Populações com o problema do tráfico de animais no Brasil, ao desenvolver marcadores moleculares para análise de DNA de algumas espécies de aves silvestres, como o galo-da-campina (Paroaria dominicana) e o trinca-ferro verdadeiro (Saltator similis). Pelo Brasil, foram coletados amostras de indivíduos, tanto na natureza, quanto em apreensões de fauna comercializada ilegalmente, que possibilitaram a construção de “bibliotecas genômicas”. Ao utilizar estas bases de dados, foram procuradas as regiões do genoma destas espécies com maior presença de polimorfismos.            

Chamadas de microssatélites, tais regiões estão mais sujeitas a mutações, o que as torna úteis para estudos comparativos entre populações de indivíduos da mesma espécie. Mesmo dentro da área usual de distribuição geográfica da espécie, podem ocorrer populações geneticamente distintas, diz a bióloga. Em espécies nas quais são identificadas populações geneticamente diferenciadas é possível realizar análises no DNA dos animais apreendidos e inferir de qual região ou localidade determinado indivíduo teve maior probabilidade de ser retirado, o que possibilita a repatriação o mais próximo o possível de sua origem. Segundo Juliana, caso seja feita a soltura de indivíduos em um local diferente de sua origem e caso a espécie em questão apresente populações com diferenciação genética profunda, a população pode sofrer um fenômeno chamado depressão por exocruzamento, que pode ocorrer em dois casos distintos.

Algumas espécies possuem grandes áreas de ocorrência, podendo abranger biomas diferentes, por exemplo, desde a Mata Atlântica até a Caatinga. Caso animais adaptados à vida na floresta tropical sejam soltos no semiárido, podem ocorrer problemas adaptativos, como disrrupção do ciclo reprodutivo, nascimento de filhotes em épocas de menor oferta de recurso, entre outros, o que categoriza a depressão por conta de adaptação local, exemplifica a bióloga. Já a depressão por quebra de complexos de genes coadaptados acontece quando indivíduos de populações geneticamente diferenciadas se reproduzem. Grupos gênicos que foram selecionados ao longo dos anos para trabalharem em conjunto são misturados, o que pode levar a problemas no potencial evolutivo nas gerações seguintes ao cruzamento.

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