ISSN 2359-5191

21/02/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 133 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Obra de Clarice Lispector na Alemanha é objeto de estudo
Clarice Lispector

A obra de Clarice Lispector teve, na Alemanha, repercussão e aceitação muito maiores do que o considerado normal para outros nomes da literatura brasileira traduzidos no país. Partindo dessa premissa, Thales Araujo Barretto de Castro investigou, em sua dissertação de mestrado entregue ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), o motivo dessa recepção da obra de Clarice no país.

“Pude constatar, já em um primeiro momento, o número considerável de traduções alemãs de seus livros. Em contrapartida, detectei a inexistência de estudos que analisassem o conjunto dessas traduções”, explica o autor de Um outro olhar sobre a literatura brasileira: Clarice Lispector em tradução alemã. Para preencher essa lacuna, o autor faz uma reunião inédita de paratextos relativos à obra de Clarice publicados na Alemanha: resenhas literárias, críticas em publicações de arte e literatura, orelhas e contra-capas de livros, releases, entre outros formatos. Através do estudo desses textos, o autor pode selecionar alguns olhares específicos sobre a obra de Clarice que contribuíram para o seu sucesso lá.

A primeira característica notável dessa recepção é a diferenciação imediata percebida pelos leitores e pela crítica literária alemã, em geral, em relação aos demais autores brasileiros. Contrariando a tendência nacional de meados do século XX, Clarice não aborda questões de cunho regionalista ou de denúncia social, como Graciliano Ramos e Jorge Amado. Assim, Clarice escapa à tradicional imagem do brasileiro no país, que o autor descreve na dissertação como um estereótipo exótico em relação à tradição literária europeia.

Porém, o fato que primeiro contribuiu para uma divulgação acima da média do conseguido por outros autores brasileiros, foi o ensejo de enquadramento da literatura clariceana como a mais original escrita feminina. “Clarice foi, a partir da divulgação das assertivas da professora francesa Helene Cixous, eleita a grande representante de uma estética feminina na escrita, e seu romance Água Viva chegou a ser chamado de ‘Bíblia da Literatura Feminina’”, conta o autor.

Embora esse engavetamento viesse a ser muito questionado mais tarde, é inegável, segundo o autor, que esta apropriação da estudiosa feminista exerceu papel importante na aceitação da obra de Clarice no país, especialmente considerando que, à época, a maioria dos consumidores de romance lá era constituída por mulheres.

Já superando tal qualificação, que viria a ser tida como simplista, aos poucos, Clarice começou a se destacar pelo estilo bastante particular, pela verve introspectiva e pelo uso frequente da escrita através do fluxo de consciência. O estilo deflagrado por James Joyce no início do século XX rendeu comparações entre o escritor irlandês e a brasileira, que aos poucos começou a ser mencionada nos paratextos estudados na dissertação como uma autora canônica da literatura mundial. Os textos investigados também mostram inúmeras paralelos traçados entre a obra de Clarice e as de outros dos maiores autores de toda a literatura mundial, como Kafka, Dostoievski, Goethe, Rimbaud, Rilke, Hemingway, Borges e Cortazar, além de Virginia Woolf, a quem já era frequentemente equiparada como ícone da escrita feminina.

“O que sobressai na leitura destes textos é a inventividade artística de Clarice na abordagem literária de inúmeros temas, clássicos e originais, além de seu estilo de busca incessante pelas expressividades da palavra que, despretensiosamente, ressoa em um tom existencial”, diz o autor. Assim, ele acaba por definir as próprias características da obra clariceana como responsáveis por, se não revolucionar completamente, ao menos apontar uma nova possibilidade de imagem sobre as letras brasileiras cultivada entre os leitores daquele país. “Embora ainda não possamos falar em uma ruptura total das políticas de tradução que acentuam o exotismo e os estereótipos sobre o Brasil, a obra de Clarice abre uma nova janela, uma perspectiva que clama pelo arredondamento do potencial de recepção da imagem da literatura brasileira traduzida na Alemanha”, conclui. 

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