De um lado, há aqueles que atuam no campo da linguagem para combater a discriminação de minorias tradicionalmente marginalizadas. Do outro, os que acreditam que se trata de uma patrulha que vigia e censura, uma restrição à liberdade de discurso. Afinal de contas, qual o papel do politicamente correto em um país democrático e de livre imprensa como o Brasil?
Desde 2012, o Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), coordenado pela professora Cristina Costa, vem se dedicando ao estudo da liberdade de discurso e de controles censórios nas artes e nos meios de comunicação. Sediado na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), o núcleo monitora casos de restrição à imprensa na atualidade através do estudo de notícias, documentos e publicações. A pesquisadora Nara Lya Simões, membro do grupo, aliou seu projeto de pesquisa a essa proposta sob a orientação da professora Mayra Rodrigues Gomes, vice-coordenadora do núcleo e chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE).
"Investigar essas tensões em torno da liberdade de expressão é uma proposta pertinente hoje em dia porque diz respeito à discussão de um dos grandes pressupostos de ação da comunicação e do jornalismo, possibilitando também a reflexão sobre as relações entre as mídias e princípios democráticos", assinala Nara sobre a importância de sua pesquisa, ainda em andamento. Seu método terá como base a análise de matérias publicadas pela Folha de S. Paulo de 1988 a 2012. O jornal paulistano foi o escolhido pois representa uma publicação que influenciou a atual produção jornalística brasileira.
O recorte temporal adotado abrange o período pós-abertura democrática do país, após o fim da censura explícita da Ditadura Militar. O ano de 1988 também foi marcado pela promulgação da Constituição Federal em vigor atualmente, cujo artigo 5º veda totalmente a censura às atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação. Com o fim do controle direto do Estado sobre os discursos que circulam na esfera pública, a liberdade de expressão torna-se também um foco de discussão.
Atualmente há, principalmente entre as elites do Brasil, uma repulsão ao politicamente correto. Nara explica: "O antropólogo Luiz Eduardo Soares aponta que esse posicionamento desdobra-se em três interpretações principais, que vêem esse discurso como forma de cerceamento do humor, como expressão moralista e autoritária e também como uma tentativa de anular diferenças entre os cidadãos, regulando-os".
Para Nara, o politicamente correto merece atenção sobretudo porque se relaciona com a complexidade da livre expressão no mundo atual, propondo o emprego de uma linguagem mais adequada à proteção de valores e direitos tão constitucionais quanto a própria liberdade de discurso.