ISSN 2359-5191

03/10/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 68 - Sociedade - Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Especulação não é única causa de incêndios em favelas
Trabalho de mestrado profissional desenvolvido no IPT analisa os programas de segurança contra incêndios nas favelas de São Paulo
Em 2012, o Ministério Público abriu investigações para averiguar se onda de incêndios era criminosa. (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

O desocupação forçada de favelas em São Paulo por meio de incêndios criminosos para a especulação imobiliária não é a única causa de fogo nestas localidades. Esta é uma das conclusões da pesquisadora Luciana Aparecida Alves em sua dissertação de mestrado profissional em Habitação - “Análise de programas de segurança contra incêndio em favelas na cidade de São Paulo” - apresentada no primeiro semestre de 2014 no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

De acordo com Luciana, em 2012, falou-se muito que as favelas eram alvo da especulação imobiliária e que a principal causa dos incêndios eram as ações criminosas advindas de interesses de reutilização das áreas das favelas. “Hipótese que não se confirmou na minha pesquisa” afirma. “Na verdade há várias situações que provocam um princípio que incêndio e que acaba se transformando em uma ocorrência de grandes proporções: brincadeiras de crianças, brigas, velas e - como uma das causas e não a principal - o interesse em retirar daquele espaço a comunidade”, explica.

A pesquisa aborda com profundidade as dificuldades e particularidades das favelas que as tornam altamente suscetíveis à combustão. Dentre outros fatores, Luciana destaca a presença de materiais combustíveis, redes elétricas inadequadas e sobrecarregadas, ausência de rotas de fuga e a falta de consciência da população sobre o risco, além da dificuldade de acesso dos bombeiros.

Segundo o estudo, não existem políticas públicas sobre o tema e programas são descontinuados nas transições entre governos de diferentes partidos. Ainda que 11% da população paulistana viva em favelas, não existem leis ou normas que garantam proteção a essas zonas. “Apesar da lei 15.022, de 6 novembro de 2009, criar um Programa de Prevenção aos Incêndios nas Favelas do Município, não houve efetividade”, critica a pesquisadora.

Centelhas

Luciana acredita que a conscientização dos riscos é um passo importante. “Um incêndio não é uma fatalidade, é sempre resultado de uma negligência, de uma displicência ou do desconhecimento”, argumenta a mestre. “A partir do momento que cuidados certos começam a ser adotados, as ocorrências começam a diminuir. E, é claro, que a urbanização também reduz os riscos, mas enquanto ela não acontece, é preciso identificar o que pode ser feito na situação real”, recomenda.

Além disso, é importante que os cidadãos tomem cuidados simples em seu cotidiano para aumentar a segurança ao fogo. Dentre outros, prestar atenção em velas, com as brincadeiras de crianças, não ligar muitos equipamentos elétricos em uma mesma tomada, cuidados com o botijão de gás, não deixar a panelas e ferros de passar descuidados.

A dissertação joga luz sobre as melhores formas para que uma comunidade se proteja dos incêndios. Para Luciana, a principal delas é capacitar os moradores, formando equipes comunitárias de emergência que possam atuar até a chegada dos bombeiros em uma ocorrência. Essas brigadas, segundo o estudo, devem atender a alguns requisitos.“É preciso que existam papéis claros e conhecidos na brigada, que trabalhem em equipe, que conheçam o plano de emergência definido para o local e o local onde moram", aconselha a autora. As equipes devem ser capazes de avaliar os riscos existentes, inspecionar e liberar as rotas de fuga, orientar as populações fixa e flutuante, executar a sua função dentro da brigada, seja da prevenção ao combate propriamente dito.

Somente no primeiro semestre de 2014, as favelas paulistanas já somaram mais de 50 ocorrências de incêndios, segundo dados do Corpo de Bombeiros. No começo de setembro, um episódio de grandes proporções atingiu a comunidade do Buraco Quente, no Brooklin (Zona Sul), deixando 600 pessoas desabrigadas. No último dia primeiro de outubro, uma pessoa morreu em um incêndio que atingiu cerca de 50 barracos em favela da Zona Leste, na região de Sapopemba.


Poder paralelo

Além das dificuldades práticas que aumentam o risco de fogo nas favelas, há também a questão do conflito do poder do estado com o do narcotráfico, o que muitas vezes impede a implantação dos programas de prevenção. “Naquelas em que os traficantes não querem, o assunto se encerra e ponto. Em outras é possível um acordo de cavalheiros quando os benefícios desse acordo são percebidos por eles”, explica Luciana. “Dificilmente a criação de rotas de fuga que permitam a entrada da polícia, por exemplo, será uma solução aceita por eles. Essa negociação é sensível e é sem dúvida uma experiência a ser adquirida”, encerra.

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