ISSN 2359-5191

20/10/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 73 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Policiais têm diferentes visões sobre vítimas de violência doméstica
Violência doméstica: um crime complexo que envolve questões morais e de gênero. Foto: Marina Yukawa

A dissertação de mestrado A Lei nas entrelinhas. A lei Maria da Penha e o trabalho policial em duas Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo da pesquisadora Beatriz Accioly Lins é fruto do trabalho de campo que a antropóloga social realizou durante 15 meses em duas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) de São Paulo. Acompanhando a rotina das delegacias, uma do centro e outra do extremo sul da cidade, a pesquisadora pôde entender como a Lei Maria da Penha é vista e aplicada pelas policiais responsáveis pelos casos de violência doméstica. Ela conclui que, em diversas situações, vítimas legais não são consideradas vítimas de verdade, indefesas e merecedoras de proteção. Entretanto, as profissionais cumprem a lei e enfatizam sua autoridade.

A Lei Maria da Penha modificou as formas de tratamento jurídico perante os casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, tornando-a um crime hediondo. Antes da lei, os casos eram tratados pela “justiça consensual”, que visa a conciliação entre as partes conflitantes em crimes de menor potencial ofensivo. As punições consistiam em pagamento de multas ou doações de cestas básicas. Segundo a pesquisadora, tal tratamento privilegiava valores morais de proteção e manutenção da família.

A criminalização da violência doméstica a partir de uma perspectiva de gênero significou o “reconhecimento da legitimidade das narrativas de dor e sofrimento contidas em casos dessa natureza a partir da justiça e da lei”. A mulher agredida, portanto, foi reconhecida juridicamente como vítima. Entretanto, para as policiais, nem todas as vítimas legais são vítimas de verdade por não serem consideradas extremamente vulneráveis e oprimidas. Tal visão acaba “hierarquizando as vítimas, tornando algumas mais legítimas do que outras”. Ocorrências de violência psicológica e estupros conjugais, por exemplo, dificilmente são registrados.

Para as policiais, muitas mulheres usam as DDMs indevidamente. Elas procuram na delegacia um espaço de cumplicidade e assistência, e seus depoimentos são verdadeiros desabafos. Além disso, na concepção das policiais as mulheres são mentirosas e manipuladoras. Elas conhecem a narrativa que devem contar na delegacia para que seus casos sejam registrados, omitindo detalhes importantes para a compreensão do conflito. Questionada pela pesquisadora, uma delegada disse que “lidar com mulher é difícil, lidar só com mulher, então... Mulher é muito mentirosa. Você vai escutar o cara e descobre que não é nada do que ela contou, ela inventou para ferrar mesmo.”.

Entretanto, para elas, a lei é inviolável e inescapável. Mesmo em casos considerados “duvidosos”, menos legítimos e de situações “não tão criminosas”, as policiais acompanhadas pela pesquisadora sempre a cumpriam com rigidez e rigorosidade, justamente por se tratar da lei.

Se for vilã, tudo bem?

O caso de Carminha, personagem da novela Avenida Brasil, exibida em 2012, pela Rede Globo, é tratado pela autora para pontuar e ilustrar a questão da “vítima de verdade”. A vilã interpretada por Adriana Esteves se popularizou pelos seus atos de crueldade e traição. Tufão, o marido enganado e traído, vivido por Murilo Benício, descobre as armações da esposa e a expulsa de casa em meio a agressões físicas e verbais. A violência doméstica foi comemorada pelo público, que não considerou Carminha uma vítima de verdade, por ter sido punida pelas suas ações imorais durante toda a trama.

Questionadas pela pesquisadora sobre o caso fictício, as policiais da DDM louvaram a atitude do marido, como telespectadoras. Entretanto, concordaram com a possibilidade de Carminha recorrer à Lei Maria da Penha contra Tufão, e afirmaram que, como policiais, registrariam um boletim de ocorrência de lesão corporal e injúria. “Qual a justificativa para não usar a lei? A vítima é mulher, o agressor é o marido, houve socos, empurrões e palavrões. E daí que ela era má? Ele que fosse atrás dos direitos dele. Então vai todo mundo bater na nora e na cunhada só porque não gosta dela, por que acha que ela é má?”, questionou uma escrivã.

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