ISSN 2359-5191

18/12/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 104 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Difícil e enigmática, obra “Menêxeno”, de Platão, é traduzida e comentada
Trabalho realizado a partir do texto original grego acompanha notas críticas e estudo de temas suscitados pelo diálogo
O filósofo Platão, autor de obra traduzida por pesquisadora da FFLCH

Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo, vinculado ao projeto temático “Filosofia grega clássica: Platão, Aristóteles e sua influência na Antiguidade”, coordenado pelo professor Marco Antônio de Ávila Zingano, vem apresentando trabalhos interessantes como fruto de suas reflexões. Um deles é a dissertação de mestrado de Bruna Camara, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da FFLCH: Menêxeno de Platão: tradução, notas e estudo introdutório.

A obra escolhida pela pesquisadora vem despertando grande interesse de estudiosos da filosofia platônica nos últimos anos. Por se tratar de um texto complexo e repleto de dificuldades, por tempos foi negligenciado. Uma das razões disso, segundo Bruna Camara, pode ser o fato de a obra “carregar consigo ambiguidades, anacronismos e questões para as quais é trabalhoso obter respostas definitivas”. A dificuldade de se medir a ironia da personagem Sócrates, a qual permeia o texto, pode ter sido outro entrave. Para muitos autores, este é o escrito mais enigmático de Platão.

Em seu trabalho de traduzir a obra do filósofo para o português a partir do texto grego original, a pesquisadora optou por uma proposta que seguiu rigor no que se refere, sobretudo, à acepção dos termos-chaves necessários ao entendimento de Platão. Além disso, escreveu notas críticas com o intuito de auxiliar a leitura do texto e produziu um estudo sobre os principais temas e problemas suscitados pela obra, principalmente as distorções presentes na oração fúnebre platônica e sua possível relação com o discurso atribuído a Péricles, no Livro II da História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides. Com isso, seu trabalho amplia as possibilidades de compreensão do texto Menêxeno e contribui para o campo dos estudos sobre o filósofo.

No contexto da democracia ateniense no final dos séculos 5º e 4º a.C., as orações fúnebres eram eventos cívicos cuja função política era de extrema importância. Bruna Camara aponta que se, por um lado, o Menêxeno for entendido como uma mera paródia dessas orações, poderia ser visto apenas como “um comentário jocoso a respeito do momento político vivenciado por Atenas”. Mas, por outro lado, o diálogo pode ser lido não apenas por esse viés negativo. Para Bruna, “é possível tratar a obra como uma exposição de opiniões, já que propõe reflexões acerca das possibilidades e dos limites da política democrática então vigente”. 

A questão temporal e a verossimilhança

O Menêxeno conta a história de Atenas “em termos brilhantes, de sua origem autóctone à Paz de Antálcidas, no fim da guerra de Corinto, em 386 a.C., ocasião para o funeral público”, segundo Bruna. O diálogo platônico tem origem quando Sócrates encontra Menêxeno vindo da Assembleia dos cidadãos e é informado pelo rapaz que homens discutiam a respeito da oração fúnebre que deveria ser realizada e decidiam quem seria o político ideal para desempenhar tal função. “A partir daí Sócrates se propõe a fazer um discurso fúnebre”, acrescenta.

Para a pesquisadora, uma das características da obra é a existência de anacronismo, que consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem, por exemplo. Isso também pode se dar ao se relacionar certa data com fatos, pensamentos, costumes  que não lhe correspondem. Há anacronismos em Menêxeno, bem como pouca preocupação com a verossimilhança nos diálogos, como evidencia o estudo de Bruna. Isso aparece, por exemplo, nas referências cronológicas do texto, já que são de mais de uma década depois da morte de Sócrates e Aspásia, e são relatados eventos que nenhum deles vivenciou. Isso parece ser parte do propósito humorístico e crítico do autor.

Platão apresenta o epitáfio como um exemplo supremo do hábito dos oradores prepararem discursos muito tempo antes da necessidade de sua composição, por haver uma fórmula previsível. Assim, para a pesquisadora, a indiferença que a prática retórica por vezes demonstra para com a verdade contrasta com os interesses da filosofia, e nessa diferença é que parecem residir as negligências políticas. As distorções dos fatos no texto de Platão aparecem no provável intuito de reforçar a possibilidade de que, numa história ateniense, pode-se entoar o que bem quiser, pois há licença para omissões e revisões históricas exageradas nesse contexto.

Por fim, a pesquisadora percebe que o pensamento de Platão, em certa medida, busca nos mostrar como o filósofo pode também ser um homem político em sentido pleno. O diálogo apresenta, nessa perspectiva, “o Sócrates platônico atuando no papel que ele reivindica para si mesmo nos Górgias: um ateniense que verdadeiramente pratica a arte política”. Assim, o Menêxeno carrega consigo um projeto platônico de exposição de certas deficiências retóricas. O texto, então, não deve ser entendido simplesmente como paródia ou sátira, mas, sim, como uma reflexão jocosa feita para oferecer um ponto de partida do qual se deve pensar os discursos políticos.

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