ISSN 2359-5191

22/04/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 23 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Balanço geral da Comissão da Verdade aponta futuro incerto da justiça de transição
Durante IX Reunião do IDEJUST, membros das Comissão Nacional da Verdade discutem papel do relatório produzido na justiça de transição brasileira e demonstram incertezas
Comissão da Verdade confirmou 434 mortes e desaparecimentos durante ditadura militar

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade apresenta 29 recomendações para o Estado relacionadas às violações dos Direitos Humanos durante o regime militar. Tais recomendações pedem que o Estado reconheça e puna os crimes cometidos e impeça que eles caiam em esquecimento e voltem a acontecer no Brasil. Contudo, a dúvida que pairou durante a IX Reunião do IDEJUST (grupo de estudos sobre internacionalização do direito e justiça de transição), que aconteceu nos dias 25 e 26 de março no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, foi se tais recomendações serão de fato consideradas e se as pesquisas continuarão de alguma forma.

Contando com a presença de chefes e membros das comissões estaduais da verdade, pesquisadores e intelectuais, a reunião foi responsável por fazer o primeiro balanço geral das Comissões da Verdade do Brasil e discutir o papel do relatório produzido na justiça de transição brasileira. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 para apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre setembro de 1946 e outubro de 1988. Com o término do mandato da CNV em dezembro de 2014, a principal pauta da IX Reunião do IDEJUST foi o futuro do relatório produzido ao longo de dois anos da existência da comissão. O relatório, composto por três volumes disponíveis online (http://cnv.gov.br/), é considerado por membros da CNV e da sociedade um grande passo na reconstrução da memória sobre as violações de Direitos Humanos cometidas durante o regime militar. O trabalho da comissão foi extenso e apresenta relatos e levantamentos ricos em informações acerca das torturas e perseguições políticas cometidas.

Artigos do IDEJUST

Dentre os 39 trabalhos apresentados durante o segundo dia de reunião, três foram produzidos por alunas do IRI.

Thalita Leme Franco, doutoranda no instituto, expôs o artigo A CNV sob o prisma da influência da jurisdição internacional. Parte de sua tese de doutorado, o artigo testa a hipótese da influência da jurisdição internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) na criação da Comissão Nacional da Verdade pelo Estado brasileiro.

Em 2010, o Brasil foi condenado na Corte Interamericana em ação movida por familiares de mortos e desaparecidos no período de repressão militar. Nessa época, a lei para criar a CNV já passava pelos tramites legais, o que para Thalita foi uma tática de política externa. “O Estado brasileiro fez pouco sobre o assunto antes de saber que seria condenado pela Corte Interamericana. Então, o governo foi bastante ardiloso ao criar a CNV”. A condenação numa corte de proteção dos direitos humanos é bastante pejorativa para um Estado democrático, que precisa cumprir integralmente a sentença para que o caso seja encerrado. Até agora, o Brasil não cumpriu toda as medidas, com destaque para o julgamento de crimes não passíveis de anistia - ou seja, que ferem os Direitos Humanos - em detrimento da Lei de Anistia. “Meu objetivo é analisar como a política do Estado usou a CNV como instrumento para passar uma boa imagem no contexto internacional enquanto não cumpre tais medidas ”, explica.

Ainda no âmbito internacional, Fernanda Conforto de Oliveira, graduanda do IRI, apresentou o artigo “A eficácia das ações transnacionais de resgate da memória sobre a Operação Condor”. O trabalho, parte de sua iniciação científica, levanta a hipótese de que as ações transnacionais entre os países membros do Mercosul e alguns associados é essencial na justiça de transição e no resgate da memória por facilitar o acesso e o intercâmbio de documentos relacionados a Operação Condor.

Dentre as iniciativas desenvolvidas na Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados (RADDHH), Fernanda destacou como essenciais a criação do IPPDH (Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos), da Comissão Permanente de Verdade, Memória e Justiça e do Museu de Direitos Humanos do Mercosul (chamado Operação Paloma). O IPPDH foi uma iniciativa especialmente notável, pois, além de propor políticas públicas regionais, criou uma base de dados pública com os arquivos sobre a Operação Condor.

O último artigo do IRI apresentado foiA lei de acesso à informação no âmbito da CNV,da aluna de graduação Natália Lima de Araújo. O trabalho é parte inicial de sua iniciação científica e busca mostrar como, quando e por quê a lei de acesso à informação (LAI) foi acionada por membros da CNV, e se, como e por quê ela foi acionada por cidadãos comuns que procuravam saber mais sobre a comissão e os trabalhos desenvolvidos.

Natália percebeu que grande parte das pesquisas realizadas pela CNV se beneficiou diretamente da lei de acesso à informação, que facilitou o acesso a documentos de órgãos públicos e privados que comprovassem os casos de violação dos Direitos Humanos no período da ditadura. A partir disso, a comissão pôde requisitar que o Estado iniciasse um processo de reconciliação nacional e pôde explicitar os resquícios da cultura política autoritária que persistem hoje. Além disso, Natália lembra que com a lei todo e qualquer cidadão pode ter conhecimento do trabalho da CNV e acompanhar se o Estado atende as recomendações apontadas no relatório final. “Tanto a CNV quanto a LAI são importantes na construção de uma democracia participativa e no fim da cultura do sigilo, porque esse tipo de cultura política pressupõe que a informação é um privilégio de poucos (...) Uma vez que o acesso à informação é facilitado, os processos de participação política podem ser intensificados tanto quantitativamente quanto qualitativamente”, aponta Natália.

Os artigos apresentados no segundo dia da IX reunião do IDEJUST deixaram implícito que a reconstrução da memória em prol da justiça de transição ainda apresenta muitas lacunas que precisam ser preenchidas. Outro ponto preocupante é que assim como qualquer relatório, aquele feito pela Comissão Nacional da Verdade pode ou não levar o Estado a tomar iniciativas. “São recomendações que podem, sim, acabar engavetadas”, diz a doutoranda Thalita Leme Franco. A idéia,  porém,  é que o trabalho da CNV não seja nem o ponto de partida nem o ponto de chegada da justiça de transição, mas que ele consiga impulsionar o surgimento de outros trabalhos, outras comissões e  outros grupos da sociedade civil que se mobilizem em torno da pauta.

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