ISSN 2359-5191

15/06/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 49 - Saúde - Faculdade de Odontologia
Ações coletivas em saúde bucal: vamos repensar essa prática?
Pesquisa aponta que dentistas não observam contexto em que estão inseridos seus pacientes
Dentistas devem ampliar seu olhar para o outro

       É com ela que se come e se bebe. É a casa do cochicho, do grito, do riso e do beijo; a tela que o batom vermelho vem pintar, lugar simbólico que expressa as relações de desejo, amor, fome, sede. A boca, pedaço do corpo humano tão carregado de funções, é repleta também de significados. E, por esse e outros motivos, a doutora em Odontologia, Maria Aparecida Oliveira, acredita que os dentistas devem ter um olhar especial para o indivíduo e o contexto que está por trás do cuidado com essa parte do corpo. Realizando, contudo, uma pesquisa sobre as ações coletivas de saúde bucal em São Paulo, Oliveira observou que as ações para a promoção da educação nessa área são ineficientes.

Em 2014, uma estranha moda virou notícia nos jornais. Adolescentes de São Paulo foram vistos colocando falsos aparelhos dentários, utilizando produtos de fonte desconhecida para aderir a uma nova “tendência social”. Sem se preocupar com o resultado do uso para os dentes, os jovens mantinham o aparelho para serem incluídos em grupos e ganhar visibilidade. Para eles, tratava-se de uma questão de estilo.

A pesquisadora Oliveira acredita que sem observar esse entorno que leva à mudança de hábito dos adolescentes, por exemplo, é extremamente difícil fazê-los entender os perigos da adoção à moda. “É questão de status, de visibilidade, uma questão social”, explica a doutora que, entendendo como complexo o contexto do uso, diz que não cabe ao dentista julgar a postura dos jovens, mas sim, considerando sua autonomia e relações, educá-los para uma saúde bucal mais consciente, atentando para os reveses de determinadas práticas.

Independência versus contradições

Baseando-se nos conceitos de “bucalidade” proposto em 2006 pelo orientador de sua tese, Carlos Botazzo, e de “processo civilizador” do sociólogo Norbert Elias, Oliveira decidiu investigar os discursos presentes nos documentos que falavam sobre as ações de saúde bucal para verificar até onde havia uma reflexão sobre a autonomia do sujeito atendido na cadeira do dentista. A leitura sobre o assunto mostrou que as orientações de como deveria ser a postura do profissional eram contraditórias.  

As ações coletivas em saúde bucal são descritas no Plano Nacional de Saúde Bucal (PNSB) de modo a incentivar a independência, respeitando diversidades culturais e estimulando o autocuidado. Isso significa que o profissional, segundo o programa, deve estar atento às peculiaridades de uma ação em uma tribo indígena, em um ambiente rural e em uma periferia, por exemplo. Ainda assim, o mesmo documento apresenta outro trecho com falas dizendo que é preciso ensinar as pessoas a escovarem seus dentes, pressupondo que a população não sabe realizar a escovação dentária e que o dentista deve vigiar esse ato em todas as faixas etárias e locais que trabalhar. Oliveira considera tais atitudes controladoras e intervencionistas.

“Essa atuação do profissional de saúde bucal é o que eu acho que tinha que mudar. Essa introjeção que você tem que ser um vigilante no corpo do outro. Você tem que ser um profissional de saúde e um educador”, fala a dentista. Ela explica que muitas vezes as ações de promoção são confundidas com as de prevenção, ou seja, com ações que ao invés de promover o conhecimento sobre a saúde do paciente, realiza procedimentos como a escovação supervisionada para instruí-los no combate objetivo à cárie.

A pesquisadora assume a dificuldade desse olhar diferenciado, “É difícil trabalhar com esse Outro, olhar o Outro, conhecer o Outro”, mas assegura que é muito importante que o cirurgião-dentista tenha essa visão mais social, pois cada comunidade, pessoa e ambiente tem o seu perfil próprio, e precisa de uma atenção específica.

Apesar de afirmar entender tais problemas, Oliveira destaca que a própria fórmula com que a gestão do governo verifica a evolução do trabalho nos postos de saúde e ações de programas dificulta o cuidado mais específico. Os postos precisam exibir dados de alcance da meta de atendimentos, e a doutora critica: “Você tende a tratar as pessoas como mais um número”. Com o estresse para se atender as metas, o profissional muitas vezes acaba não levando em consideração o histórico cultural e social do paciente, e a contradição vista nos documentos ganha espaço na prática do dia-a-dia.

Para alterar esse cenário, a pesquisadora sugere que os dentistas tenham uma formação que amplie esse modelo de atenção em saúde bucal para que o dentista consiga ver o seu papel de educador e que outros estudos sejam feitos para auxiliar na quebra da ideia de um papel “controlador” das políticas de saúde.

Ainda na graduação, Maria Aparecida Oliveira visitou o Parque do Xingu. Iniciando ali um trabalho social que viria a continuar durante anos, a pesquisadora percebeu o tamanho do significado civilizatório inerente ao seu trabalho. Os índios, afirma, a inspiraram para esse olhar especial ao paciente. Sua tese de doutorado foi realizada na Faculdade de Odontologia da USP (FOUSP).

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br