ISSN 2359-5191

02/07/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 62 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Feminismo aparece de maneira resignada em romances de ficção científica
"The Left Hand of Darkness", de Ursula K. Le Guin, e "The Handmaid's Tale", de Margareth Atwood, enfocam a questão feminista, mas resignam-se a modelos tradicionais de tratamento ao tema
The Left Hand of Darkness (A Mão Esquerda da Escuridão) é um dos romances de ficção científica que abordam a temática feminista de maneira resignada. Imagem: latenightlibrary.org

O filme Mad Max - Estrada da Fúria, blockbuster lançado em 2015, surpreendeu a muitos espectadores ao apresentar uma distopia permeada por desejos utópicos feministas. De maneira similar, os romances de ficção científica The Handmaid's Tale (O Conto da Aia, editora Rocco), de Margareth Atwood, e The Left Hand of Darkness (A Mão Esquerda da Escuridão, editora Aleph), de Ursula K. Le Guin, abordam a temática feminista e trazem à tona, respectivamente, uma distopia em que a realidade social é marcada por restrições e limites dos mais variados tipos, e uma utopia que apresenta uma sociedade em que os conflitos que vivenciamos hoje já foram superados. Assim, esses romances permitem um debate, ainda que restrito, sobre o feminismo, de acordo com tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e  Ciências Humanas da USP.

Para Ana Rüsche, autora do trabalho, ambos os romances têm o objetivo de discutir como seria a sociedade sem a disparidade entre homens e mulheres. Em The Left Hand of Darkness entramos em contato com uma realidade utópica, um planeta em que os habitantes são ambissexuais, ou seja, andróginos a maior parte do tempo, adquirindo órgãos sexuais externos masculinos ou femininos apenas durante o período fértil. Assim, o romance de Ursula K. Le Guin concebe um mundo "liberto de uma distinção corporal, o sexo, que traz uma discriminação entre pessoas", de acordo com Ana Rüsche. A obra de Margareth Atwood, por sua vez, apresenta uma realidade distópica, um cenário em que as mulheres perderam todos os seus direitos e garantias, sendo seus corpos tidos como propriedades administradas pelo Estado. Logo, em The Handmaid's Tale "se parte do princípio que a equiparação entre homens e mulheres seria impossível", segundo a autora da pesquisa.

Resignação

Apesar da agenda feminista, a pesquisa indica que os dois romances acabam resignando-se a modelos tradicionais de percepção do mundo, não apresentando soluções para a questão da desigualdade entre os gêneros. Segundo Ana Rüsche, no romance de Ursula K. Le Guin há traços indiscutíveis da força da tradição, apesar de toda a inovação imaginativa de que a autora lança mão. De acordo com a pesquisadora, "uma das narrativas que irá estruturar o romance é o relatório de Genly Ai, que possui a função no enredo de apresentar a cultura dos alienígenas. Embora Le Guin procure discutir a ideia de colonização, é a partir da voz do colonizador que temos a narrativa estruturada e, sem esquecer: o enviado é um homem. Tampouco se notam construções que não estejam presas aos padrões biológicos, heteronormativos e fixos na binária 'homens e mulheres'”. Outro indício são os gêneros literários utilizados como base para a constituição do relato de Genly Ai, muito próximos do gênero Aventura: "Tradicionalmente, trata-se de um gênero literário voltado a 'leitores homens', na construção da ideologia de sua capacidade de dominar a natureza não conhecida, de apreender e conquistar habitantes de outros lugares, de se relacionar com questões sociais que despontam com o neocolonialismo", explica Rüsche. Além desses, outro aspecto que demonstra a ligação do romance com a tradição literária é o sentimentalismo, presente na conclusão da trama: "A forma narrativa resigna-se às estruturas sentimentais mais conhecidas", de acordo com a pesquisadora.

The Handmaid's Tale, por outro lado, resigna-se de maneira diferente, já que não se propõe a representar uma utopia. No romance de Margareth Atwood, segundo a pesquisadora, "a resignação opera magistralmente no uso de formas bem familiares ao público feminino: a tradição de romances com heroínas sofridas, que sobrevivem a clausuras e privações, o tom desesperançado e a nostalgia de tempos melhores e já passados". Dessa forma, ao apresentar respostas velhas às demandas das políticas feministas, Atwood se fecha para uma possível utopia e acaba celebrando o modo de vida existente na sociedade real, fora dos âmbitos da ficção, segundo Rüsche. Temos, assim, “a resignação ao que conhecemos, a aceitação final de que o capitalismo pós-industrial não vai tão mal assim. Ao final da leitura do romance, parece que o que nos cerca é fantasticamente bonito e livre – folhear revistas, a possibilidade de fazer compras – a moral do romance seria algo como ‘dê graças a Deus pelo que você tem’”, conclui.

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