ISSN 2359-5191

07/07/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 65 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Patrimônio biogenético não é regulado pelo Estado
Brasil deixa nas mãos de atores não-estatais garantir que comunidades extrativistas tenham direito ao acesso e à repartição de benefícios da biodiversidade
Reprodução: Natura

O Brasil é considerado a nação com maior biodiversidade do planeta. Seus 8,5 milhões km² abrigam cinco biomas com enormes variações biológicas e com diferentes possibilidades de exploração econômica. A mais tradicional ao longo da história do país é a atividade extrativista, que ainda hoje constitui uma fonte de renda importante para comunidades locais. A  legislação nacional, porém, é incapaz de regular questôes como a repartição de benefícios da biodiversidade e o acesso de recursos genéticos, o que deixa a cargo de ONGs e de indústrias atuantes em comunidades extrativistas garantir que haja equidade nessas questões.

O Protocolo de Nagoya, adendo da Convenção sobre Diversidade Biológica, surgiu em 2010 com o objetivo de regular o acesso ao patrimônio biogenético e a partilha de beneficios entre as indústrias e as comunidades locais. O Brasil assinou, mas não chegou a ratificar o protocolo. "O que mais saiu na mídia foi que a bancada ruralista foi contra por acreditar que isso poderia interferir na atividade agrícola", explica Murilo de Alvares Carvalho, mestrando do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Em sua tese de mestrado, Carvalho mostrou que a aplicação do regime proposto pelo protocolo independia da sua ratificação. Ao analisar as comunidades de Salvaterra e Bragança, no Pará, ele constatou que a governança dos recursos de uso comum em âmbito local passou a ser feita por atores não estatais. Estes atores garantem que as regras definidas pelos tratados internacionais sejam seguidas ainda que os tratados não tenham sido ratificados. “É um exemplo de autoridade difusa. O Estado perde parte de suas capacidades regulatórias e delega isso para outros atores, como as ONGs, a sociedade civil e o setor privado”. Nesse cenário, as ONGs são responsáveis por promover as ideias dentro dos regimes internacionais, enquanto as indústrias intermediárias - que extraem óleo das sementes coletadas e vendem para as indústrias de cosméticos - atuam diretamente nas comunidades através das corporativas. As corporativas são formadas por essas indústrias e pelas famílias das comunidades,que negociam até que ambas as partes fiquem satisfeitas com o rumo da atividade econômica.

Como os atores não estatais atuam?

Além de aplicarem os regimes internacionais de forma indireta, as empresas e ONGs envolvidas com essas comunidades extrativistas têm papel fundamental na mudança da legislação brasileira. A ONG UEBT (Union For Ethical BioTrade) é um exemplo: ela reúne empresas que possuem relações com as comunidades para discutir as leis atuais e envia para o Ministério do Meio Ambiente o resultado dessas reuniões com sugestões de políticas públicas.

Programas de conscientização e de responsabilidades social corporativa também são iniciativas cruciais desses atores. Carvalho analisou comunidades do Pará que coletam sementes para as indústrias de cosméticos. Apesar de ser uma atividade secundária, a coleta aumentou a renda das famílias e incentivou a diminuição do desmatamento, já que as corporativas perceberam que as sementes usadas na indústria de cosméticos valem mais do que a madeira das árvores vendidas e usadas por eles como lenha. Com essa segunda fonte de renda, as famílias também foram capazes de se sustentar sem a pesca predatória e conseguiram respeitar o período de reprodução dos peixes. “Isso mostra que é possível promover um desenvolvimento sustentável, socialmento correto e economicamente viável”, afirma Carvalho.


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