ISSN 2359-5191

24/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 81 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Irmandade Muçulmana teve comportamento pragmático em política externa egípcia
Estudo mostra que partido da vertente Islã política chegou ao poder egípcio ampliando o arco de alianças, mas ascensão de novo regime militar fez país regredir ao ultranacionalismo
Fonte: Estado de S. Paulo

A ascensão da Irmandade Muçulmana no Oriente Médio é esperada há anos pelos estudiosos. Como principal movimento adepto do chamado Islã político, seu sucesso ou fracasso poderiam indicar a possibilidade de êxito na construção das democracias locais, uma vez que o Islã político é o maior beneficiário da queda dos regimes ditatoriais que dominam a região. O que José Antonio Lima, mestre no Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI), mostrou em sua pesquisa é que a Irmandade Muçulmana, ao contrário do que era esperado, assumiu a democracia egípcia recém-nascida sem deixar a religião interferir em questões de política externa e ampliou o arco de alianças do país, antes resumido aos Estados Unidos.

A importância da Irmandade Muçulmana dentro do Oriente Médio é incalculável e atinge diferentes setores da sociedade através da sua rede de benfeitorias . “De hospitais e creches até agências de emprego, escolas de inglês e de árabe, a Irmandade funciona no vácuo do Estado e abrange tanto milionários quanto pessoas paupérrimas dependentes dela”, aponta Lima. Logo, qualquer abertura democrática no Oriente Médio seria automaticamente preenchida pela Irmandade, como mostrou o Egito após a queda da ditadura de Hosni Mubarak em 2011. O medo de que mais uma vez os Estados Unidos intereferissem numa eleição do Oriente Médio se mostrou infundado, e Mohamed Morsi, candidato adepto ao Islã político, tornou-se o primeiro presidente eleito democraticamente no país a contragosto dos militares egípcios. Apesar da Irmandade ser hostil aos americanos, em nenhum momento Morsi tentou romper sua aliança com os Estados Unidos, apenas buscou novos aliados na Europa e nos países-membros do BRICS, ao qual tentou incorporar o Egito.

Essa abertura da política externa teve fim em agosto de 2013, quando os militares derrubaram Morsi, e o chefe do exército egípcio Abdel Fatah al-Sisi assumiu o governo. Baseado no ódio a qualquer vertente do Islã político e com um discurso ultranacionalista, Sisi passou a perseguir a Irmandade Muçulmana como se esta fosse um grupo terrorista e desencadeou uma onda de xenofobia contra qualquer estrangeiro passível de ser islamista. O governo usou disso para se fortalecer e pautar a política externa: todos unidos contra a Irmandade Muçulmana e o terrorismo. “Eles quebraram todas as alianças feitas no governo de Morsi. Ainda há alguma relação diplomática com a Rússia, porque ali tem uma insurgência islâmica, então o Putin é visto como aliado nessa batalha. A Arábia Saudita, que é totalmente hostil a Irmandade Muçulmana, virou uma parceira de primeira ordem”, explica Lima.

A ascensão da Irmandade Muçulmana

A Irmandade Muçulmana surgiu em 1928 dentro da ideologia do Islã politico. Essa ideologia começou a florescer no Oriente Médio a partir dos anos 70 devido ao fracasso de outras ideologias opostas ao imperialismo ocidental e à ascensão da Arábia Saudita por conta dos choques do petróleo. A Arábia Saudita já era então um pólo do Islã radical, e passou a atrair economicamente a população de países como Egito e Jordânia, que tinham suas próprias interpretações do Islã político. “Esse intercâmbio foi a origem da islamização do Oriente Médio”, aponta Lima.

No Egito, a Irmandade Muçulmana é perseguida há décadas pelos regimes militares que dominam o país. O governo de Anwar Sadat foi uma exceção, pois este apoiou a Irmandade como forma de contrapor o socialismo e o comunismo que caracterizaram o regime anterior, encabeçado por Nasser. Em troca de seu apoio, Sadat pressionou a Irmandade para que abandonasse a violência oficialmente. No regime de Mubarak, de 1981 a 2011, membros da Irmandade começaram a concorrer às eleições como candidatos independentes - a Irmandade era uma instituição ilegal desde 1954, o que não permitia que formasse um partido próprio. Em 2005, apesar das fraudes que marcam as eleições no Egito e das perseguições à Irmandade Muçulmana, 88 deputados membros do movimento foram eleitos.

É essencial compreender a força dos militares egípcios, conquistada durante todo o período em que estiveram no poder. O império econômico adquirido por eles vai desde resorts na Península do Sinai e indústrias de armamentos até pequenos estabelecimentos. Eles também gozam de privilégios constitucionais, como a isenção de impostos, e tem poder sobre o zoneamento das cidades. Quando Mubarak foi derrubado durante a Primavera Árabe, Lima diz que foi apenas uma manobra dos militares. “Eles tiraram a cabeça do regime somente para que o regime não fosse ameaçado”. Quando as manifestações não cessaram e a pressão externa para o Egito se democratizar aumentou, os militares permitiram que as eleições ocorressem. “Eles não imaginaram que a Irmandade pudesse vencer. Tanto que eles só anunciaram a vitória de Morsi sobre um ex-militar depois de trés dias que souberam do resultado”.

Egípcios protestam a favor de Morsi, deposto Exército do Egito (Fonte: Estado de S. Paulo)

Havia um porém: a Irmandade estava despreparada para assumir o poder. “Durante décadas, a Irmandade não se preocupou em evoluir sua ideologia, ela não acreditava que fosse chegar ao poder. Nunca existiu uma preparação de como conciliariam o Islã e a democracia. Além disso, a hierarquia da Irmandade é fechada, para ser um membro pleno a pessoa precisa passar por um processo de oito anos, o que dificulta a renovação dos quadros internos e dá muito poder pra quem já está na cúpula, composta por pessoas bastantes retrogradas que tem dificuldade em se relacionar com atores que não sejam islamistas como eles”.

A Irmandade chegou ao poder com dificuldade em dialogar com os grupos que não desejavam o Islã. “Vários atores da sociedade egípcia rejeitavam a irmandade de forma visceral por temerem que ela fosse violenta e transformasse o Egito num Estado Islâmico, como na Síria”. Com a oposição de setores como a elite, a mídia, o judiciário, a Irmandade se viu isolada e acabou derrubada pelo exército, maior força política e econômica do Egito.

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