ISSN 2359-5191

31/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 85 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Psicanálise é usada para entender a subjetividade em obra de Milton Hatoum
"Dois Irmãos" permite discussão sobre o funcionamento do inconsciente e se ampara na psicanálise ao mostrar o desenvolvimento da identidade de personagens
Os atores Cauã Reymond e Matheus Abreu, que vivem os irmãos gêmeos Omar e Yaqub, nos bastidores das gravações da adaptação televisiva da obra de Milton Hatoum (Foto: Leandro Pagliaro)

Em Dois Irmãos, livro que originou uma série de TV homônima, a ser lançada pela Rede Globo ainda este ano, Milton Hatoum cria um universo ficcional muito baseado em sua experiência própria de vida. O autor, que é descendente de libaneses e cresceu em Manaus, escolheu justamente esse cenário e essa configuração familiar ao criar um enredo envolto na rivalidade entre dois irmãos gêmeos, Yaqub e Omar. Os progenitores da família, Halim e Zana, são libaneses e, respectivamente, muçulmano e católica, exatamente como ocorre no núcleo familiar do autor.

Não se sabe o motivo pelo qual Hatoum optou pela criação de uma história que traz tantos paralelos com a sua trajetória pessoal, mas essa proximidade com a vida real foi possivelmente o que permitiu a criação de personagens sob o viés da ação do inconsciente, cujas subjetividades são moldadas por seus percursos de vida, assim como ocorre com qualquer pessoa, de acordo com a psicanálise.

A análise da forma como as subjetividades das personagens foram criadas no romance foi um dos objetivos de uma dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Segundo Selma R. Mascagna, autora do trabalho, "existe uma corrente da psicanálise que estuda obras literárias. Mas pensar os conceitos de subjetividade dentro da obra literária é algo inédito, não encontrei nada a respeito".

Apesar de a história ser focada na disputa entre os irmãos gêmeos, protagonistas do romance, outras personagens também têm sua subjetividade desenvolvida ao longo da trama. É o caso do narrador-personagem, Nael, filho da empregada da família, Domingas. "Eu queria analisar o olhar do narrador. Sou psicanalista, então quis juntar esses dois campos do saber: a literatura e a psicanálise. Essa história contada pelo narrador, que é filho da empregada e também filho de um dos gêmeos, que é da família, mas não é da família, que está dentro e fora, isso me interessava", explica Selma Mascagna. Para ela, a literatura é um espelho de seu tempo, por isso o interesse em pensar a questão da formação do sujeito a partir do estudo de uma obra literária como essa: "A relação com a mãe, a disputa, entre os gêmeos, pelo amor da mãe, tudo isso é da ordem da psicanálise. Tento olhar para a história a partir de um viés psicanalítico, também".

Formação de subjetividades

Assim, segundo a pesquisadora, a rivalidade interna entre os gêmeos é uma disputa pelo amor da mãe. "Quando eles nascem, a mãe escolhe um. Não que ela não goste do outro, mas ela tem um preferido. Então essa rivalidade teve origem nessa disputa pelo amor da mãe, e isso é uma coisa da subjetividade", afirma. Há outras mulheres no romance também sendo disputadas pelos irmãos, mas, de acordo com Selma, essa é uma repetição da disputa pela mãe. Já em relação ao narrador, o que marca a subjetividade, a forma de ser deste personagem como sujeito, tem a ver com a posição que ele ocupa na família: "É meio agregado, meio empregado, meio da família. O avô o reconhece, mas os outros não. Como ele fica preso a essa família, sem nunca ser reconhecido por ela, é algo que marca a vida dele, a subjetividade dele", indica Selma Mascagna.

Além desses exemplos, a pesquisadora também indica que, para a psicanálise, a questão do amor da mãe pelo filho é algo necessário no início de vida, mas, depois, a figura do pai tem que entrar como uma forma de quebrar essa relação, para pleno desenvolvimento do indivíduo. "Se o pai não entra, essa relação com a mãe prejudica a formação do sujeito, pois ele precisa se separar da proteção materna para ir para o mundo", explica. No romance, isso aparece na relação da mãe com o personagem Omar, um dos gêmeos, que fica preso a ela. "O pai não é forte o suficiente para quebrar essa relação da mãe com o filho. Por isso, o filho fica preso à mãe: ele tem outras mulheres, tenta sair de casa, mas sempre volta. Ela vai buscar e ele volta, já adulto. Então ele está preso ao amor dela, da mãe. Isso também é da ordem da psicanálise e da subjetividade", afirma Selma. Há, ainda, outras questões menores relacionadas à formação da subjetividade em Dois Irmãos, mas, para a pesquisadora e psicanalista, as que estão aqui mencionadas são as principais.

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