ISSN 2359-5191

31/08/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 85 - Economia e Política - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Gestões de FHC e Lula reduziram elitização no concurso do Itamaraty
Juntas, reformas promovidas por governos adversários no campo eleitoral enfrentaram tradições históricas do Ministério das Relações Exteriores
Reformas feitas no certame pelas gestões tucanas e petistas se complementaram

Com alterações no formato do processo seletivo para o concurso de diplomatas, na formatação de acesso aos cargos iniciais, na ampliação da base e no desenvolvimento mais dinâmico à carreira, as recentes gestões dos presidentes da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promoveram significativas mudanças no MRE (Ministério das Relações Exteriores). Ao contrário do que apontam críticas mútuas de ambos os lados, as reformas feitas em ambas as gestões não se conflitaram e sim, ao contrário, se complementaram.

“Para a tristeza dos tucanos e, simultaneamente, para a indignação petista, afirmo que as mudanças ocorridas na burocracia do Itamaraty com Lula, em muito se complementam às alterações promovidas por FHC. Os dois presidentes, de diferentes colorações ideológicas, fizeram um trabalho de significativa consonância”, explica o cientista político Rodolfo de Camargo Lima, autor da dissertação de mestrado Burocratas, burocracia e política: o Ministério das Relações Exteriores, um perfil, desenvolvida na FFCLH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

“Por mais que as reformas pareçam, e sejam de fato, paulatinas e graduais, não se deve diminui-las ou relativiza-las, considerando a tradição histórica da elite de Estado que guarda o Itamaraty. As mudanças em muito incomodaram setores mais conservadores da elite do ministério, que efetivamente encontraram uma carreira menos estruturada do que as gerações contemporâneas em suas vidas profissionais", explica Lima.

A ideia para o mestrado surgiu de uma experiência do pesquisador no exercício da função de assessor consular, no ano de 2012, do embaixador Javier Ponce, Cônsul Geral do Equador em São Paulo. “A convivência com o embaixador me ensinou o quanto os atores-chave que operam a diplomacia estão inseridos nos diferentes níveis da política, principalmente o nível político-burocrático”, relata o cientista político.

Para elaborar sua pesquisa, Lima utilizou como material de consulta o Anuário do Pessoal do Ministério das Relações Exteriores – Diplomatas – 2010. Neste documento, os registros dos indivíduos com entradas mais recentes na carreira são da turma de 2009, enquanto os mais antigos ingressaram em 1961.

A escolha do documento foi inspirada em outro estudo similar, publicado pelo autor Zairo B. Cheibub na RAP (Revista de Administração Pública) da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em 1989. Nesta pesquisa, Cheibub utilizou o Anuário de Diplomatas 1960-77, que registrava a entrada de indivíduos de 1913 até 1960 na carreira.

“Pensei que seria muito interessante ver lado a lado dois anuários, por conta da continuidade histórica. Mesmo com os problemas e limitações das duas amostras, há um enorme ganho descritivo em colocar dois momentos históricos e politicamente distintos do ministério e seus principais atores, nessa perspectiva”, explica Lima.

Ao todo, o estudo analisou 1.466 diplomatas profissionalmente ativos na burocracia do MRE em 2010, agregando e dividindo-os por corte de entrada e respectivas reformas na carreira e na burocracia.

Marcos institucionais

Para sistematizar seu levantamento de dados, Lima traçou os anos de 1996, 2002 e 2003-2009 como marcos institucionais relevantes para a análise do perfil geral dos diplomatas.

Segundo o pesquisador, além da implantação da exigência de curso superior para prestar o concurso, em 1996 (gestão FHC) os aprovados que começariam seus estudos no Instituto Rio Branco (escola preparatória de diplomatas) passariam a tomar posse enquanto terceiros secretários, o primeiro grau da hierarquia dos diplomatas. Este avanço foi importante para garantir a permanência daqueles que não eram “filhos de pais ricos”, e não poderiam viver apenas com a bolsa cedida anteriormente aos ingressantes, insuficiente para custear a vida em Brasília. Ainda neste ano, a prova de língua francesa, considerada elitizante no processo seletivo, foi excluída do concurso.

Em 2002, ainda sob a gestão de FHC, foi implementado pelo governo federal um programa de ação afirmativa para candidatos afrodescendentes sob a forma de bolsa prêmio, no valor mensal de R$ 2,5 mil, para custear cursos e materiais de preparação para o concurso. Neste mesmo ano, o curso preparatório do Instituto Rio Branco passa a ter o valor de mestrado profissional em diplomacia, devidamente reconhecido pelo MEC.

No governo Lula, de 2003 a 2009, outras reformas voltam a ser realizadas. O concurso para o MRE é redefinido, com a exclusão de critérios considerados subjetivos pelos candidatos. Além disso, o material de estudo para o certame passa a ser disponibilizado gratuitamente na internet.

Entre 2006 e 2010, um histórico aumento no número de vagas ofertadas por ano no Instituto Rio Branco é registrado (100, 101, 115, 105 e 108 respectivamente). Outro registro importante é o aumento significativo da remuneração para o cargo neste mesmo período.

Impacto

Para Rodolfo Lima, no entanto, ainda não é possível prever como os esforços de reforma no quadro de burocratas terão efeito prático nos rumos da diplomacia brasileira. Apesar de elevarem, ainda que de maneira tímida, o número de mulheres e negros na composição do corpo de diplomatas, o impacto das mudanças em termos de conteúdo substantivo na política externa brasileira não pode ser mensurado neste momento.

“A modificação desses fatores é delicada e altamente custosa para a estrutura meritocrática e de elite de Estado que guarda o ministério, mas é de fundamental necessidade o aprofundamento democrático e mais igualitário do recrutamento e de sua estrutura hierárquica. A atual base burocrática, entretanto, apenas alcançará a elite em média, daqui a mais ou menos 20 ou 30 anos (caso mantido o ritmo atual de promoções), e é a partir do topo que podem vir alterações mais robustas”, conclui o cientista político.

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