ISSN 2359-5191

04/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 87 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Método de pesquisa desenvolvido para “prever” futuro amplia formas de pensar a História
Atuação de institutos de consultoria-especulativa para defesa militar dos EUA permite reflexão mais ampla sobre tempo e limites dos conceitos de passado, presente e futuro
Herman Kahn propôs construção de sistema de ligação fluvial que atravessaria todo Brasil/ Foto: Wikipedia

A maneira de olhar e compreender o passado permite a definição do que são os limites do tempo presente e da perspectiva de futuro. Como estas características não são imóveis, a ‘futurologia’ é baseada no exercício de aproximar passado e futuro para definir uma ação presente. A prática em questão foi analisada na tese de doutorado Quando a história também é futuro: as concepções de tempo passado, de futuro e do Brasil em Herman Kahn e no Hudson Institute (1947-1979), desenvolvida na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

“É uma visão bastante pragmática, onde o passado e o futuro se opõe ao presente por este ser um tempo da decisão e da ação, que pode usar o passado como tendência que explica, como metáfora que ajuda a pensar, e percebe o futuro como o espaço de reflexo das ações e decisões presentes, que deve ser pensado e configurado como um presente passível de decisões e ações”, explica o historiador Fábio Sapragonas Andrioni, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e autor da tese de doutorado.

Para analisar o tema, o estudo explorou principalmente a história do físico norte-americano Herman Kahn, fundador do Hudson Institute (HI), um Think Tank (TT) que trabalhava com pesquisa e desenvolvimento para estudar tecnologias possíveis e delinear as possibilidades de como desenvolvê-las sem as desenvolver, promovendo um trabalho eminentemente teórico-especulativo.

Na tese, Andrioni deu continuidade ao seu projeto iniciado quando ingressou no mestrado, que consistia na análise do conceito de futurologia para diversos autores, como Arthur C. Clarke e Erik Von Däniken (Eram os deuses astronautas). Segundo o historiador, que atualmente desenvolve pós-doutorado no mesmo tema, o interesse comum de todos os trabalhos foi o de refletir sobre as formas de pensar e conceber história em campos exteriores ao da própria disciplina.

“As decisões e ações orientadas por esse Know-how técnico de planejamento e previsão [desenvolvido pelos Think Tanks] é uma conclusão sobre o tema que ainda estou desenvolvendo por meio de outras pesquisas, que está em paralelo com um afastamento também da história, enquanto disciplina, de uma reflexão mais ampla sobre o tempo, que abarque o futuro”, explica o professor.

Desde sua monografia de conclusão de curso na graduação em História, Andrioni concentrou seus estudos no fim dos anos 60. Na confluência de fatores como movimentos estudantis, arrefecimento da Guerra Fria, Guerra do Vietnã, e, no Brasil, da ditadura militar, o período marcou o momento do nascimento de um novo modo de reinterpretação do mundo e da temporalidade. Esta nova perspectiva  possibilitou o reordenamento e reconfiguração das relações e articulações possíveis entre o passado, o presente e o futuro.

“No meu trabalho, Herman Kahn e suas obras são entendidas como uma resposta possível às questões trazidas pelo momento, assim como uma forma de entender, definir e elaborar essas questões”, afirma o professor.

Herman Kahn

Na tese, Andrioni se baseou em duas biografias diferentes para reconstruir a trajetória de Herman Kahn. Ambas as narrativas, Supergenius, de B. Bruce-Briggs, e Worlds of Herman Kahn, de Sharon Ghamari-Tabrizi, relatam o físico como uma criança inteligente, ávida por leitura, principalmente por ficção científica.

Kahn começou estudando engenharia química da University of Southern California, em 1940, e depois transferiu-se para o curso de Física na UCLA. Devido ao divórcio dos pais e dos problemas decorrentes disto, sua mãe se mudou de New Jersey para Los Angeles.

Em 1943, Kahn se alistou no Exército, obtendo destaque em um teste feito para candidatos ao alcançar a nota mais alta de toda a história da prova. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou como engenheiro de transmissão de uma linha de telefone em Mianmar. Com o fim do combate, concluiu seu curso de Física e um mestrado, para depois ingressar na Rand (Research and Development) Corporation, primeiro Think Tank a surgir nos Estados Unidos após a Guerra.

Durante muito tempo, a Rand possuiu contrato exclusivo com a Força Aérea dos EUA para desenvolver relatórios e memorandos sobre tecnologias possíveis e onde aplicá-las, como uma forma de consultoria. Estes estudos teóricos viabilizaram, por exemplo, o desenvolvimento do abastecimento de aeronaves durante o vôo.

Hudson Institute

Por conta de insatisfação mútua, Herman Kahn decidiu deixar a Rand Corporation para criar o Hudson Institute na virada das décadas de 50 e 60. Para o físico, a preocupação exclusiva da Rand com os planos de defesa da Força Aérea a tornavam um espaço de reflexões restritas, não aberto à novas especulações e diferentes ideias.

No HI, Kahn ampliou o conceito de tempo futuro analisado. Em seu livro On Thermonuclear War, que falava dos efeitos de uma Guerra nuclear para o futuro, apesar de analisar um futuro de 20 anos à frente, o físico também tratava de um futuro aberto cronologicamente, mas que parecia ser imediato, por conta da urgência das decisões no momento presente.

“Ele trata e descreve como seria a vida em um mundo pós-guerra atômica, algo condizente com a ameaça constante de uma guerra nuclear naquele período, principalmente por uma política de defesa que Kahn considerava perigosa e convidativa a um conflito desta natureza”, explica Andrioni, que pesquisou pessoalmente os arquivos do Hudson Institute, localizados no National Defense University, no Fort McNair, em Washington, capital dos EUA.

No final dos anos 60, o financiamento militar aos Think Tanks foi significativamente reduzido. Por conta disto, o Hudson Institute começa a prestar consultoria para outros países e empresas privadas. O HI prestou consultoria para nações como Angola-Portugal, Argélia, Colômbia, Brasil e Japão. Neste novo ambiente, o Instituto apresentava projetos para governos e empresas nacionais dentro de uma lógica de desenvolvimento, além de ajudar multinacionais e continuar a dialogar com o governo dos EUA sobre temas de interesse estratégico de defesa ou influência externa.

Na América do Sul a influência do HI foi muito pequena, concentrada quase exclusivamente no Brasil por conta das polêmicas geradas pelas propostas formuladas.

Segundo Andrioni, o Instituto propôs no Brasil a construção de um grande sistema de ligação fluvial, que ligaria os oceanos Atlântico e Pacífico por meio de lagos e canais. Esse sistema cortaria a floresta Amazônica para se ligar, inclusive, com as bacias dos rios Prata e Paraná. Um dos alicerces do projeto era uma lago de 700km que ficaria da Amazônia, inundando até mesmo parte da cidade de Manaus.

No então Brasil sob o regime militar, os planos do HI foram rechaçados por todas as frentes. Tanto pela esquerda, que considerou as ideias parte de um plano imperialista, como por parlamentares críticos ao governo, e até mesmo pelo próprio regime, que usou as críticas para reafirmar discursos nacionalistas e justificar outros planos nacionais as vésperas do Ato Institucional 5 (1968).

De acordo com o professor da UFPR, nos anos seguintes, previsões contraditórias que apontaram o Brasil como o país que cresceria menos entre seus vizinhos para logo depois prever um futuro econômico fabuloso para a nação, tornaram Kahn uma figura cômica na crônica e no noticiário nacional.

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