ISSN 2359-5191

14/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 88 - Ciência e Tecnologia - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Vai de álcool ou gasolina?
Aumento no preço da gasolina no início desse ano gerou discussão acerca da função do agronegócio em inserir o etanol como combustível renovável e competitivo
Foto: Reprodução/Roberto Amaral (ESALQ/Acom)

No início desse ano, os brasileiros vivenciaram uma subida bastante considerável no preço da gasolina. Isso ocorreu porque o governo anunciou aumento na tributação sobre o combustível, que foi repassado para os postos e, por fim, ao consumidor. Diante disso, o etanol passou a ser mais consumido, uma vez que ficou mais competitivo no mercado. A consequência disso foi o também aumento do preço do etanol.

Essa situação pode trazer, entre várias, uma discussão em relação ao papel do agronegócio brasileiro na questão dos combustíveis renováveis. De que forma o etanol poderia entrar de maneira mais competitiva no mercado? São necessárias políticas públicas para que isso ocorra?


Entendendo a situação

Parte do pacote do governo de elevação de impostos para tentar reequilibrar as contas públicas neste ano, a tributação sobre os combustíveis nas refinarias foi elevada. O impacto do aumento foi de R$ 0,22 por litro para a gasolina, mas, com a diferença entres os postos, esse valor variou. Isso ocorreu através da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), do PIS e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). No início do ano, então, a Petrobras decidiu repassar o valor desses impostos para as distribuidoras. Essas, por sua vez, também repassaram o valor, aumentando o preço nas bombas de gasolina. Prejuízo para o consumidor.

A situação gerou muita revolta nos consumidores, e gera até hoje. O etanol passou a ser mais competitivo no mercado, uma vez que seu valor compensava em relação ao valor da gasolina, dentro da proporção de 70%, referente à diferença no rendimento dos dois combustíveis.



Esquema do cálculo para decidir qual combustível é mais vantajoso. O resultado da divisão do preço do álcool pelo preço da gasolina determina qual dos dois combustíveis compensa mais na hora de abastecer. Isso acontece porque o desempenho do álcool é de 70% em relação ao da gasolina.


Esquema do cálculo para decidir qual combustível é mais vantajoso. O resultado da divisão do preço do álcool pelo preço da gasolina determina qual dos dois combustíveis compensa mais na hora de abastecer. Isso acontece porque o desempenho do álcool é de 70% em relação ao da gasolina.

E esse foi um dos motivos pela também elevação no preço do álcool. Como este passou a ser muito vendido, sua quantidade no mercado caiu, aumentando o preço. É a lei da oferta e da procura.

Além disso, o preço do combustível subiu devido à quebra da safra que, segundo os produtores, ocorreu devido à estiagem. A colheita ficou abaixo do normal e, quando falta produto no mercado, o preço sobe. Outro motivo dessa elevação no preço do etanol foi o mercado internacional do açúcar; quando o mercado está favorável, produz-se mais açúcar e menos etanol, ocasionando, mais uma vez, a diminuição do produto no mercado e aumentando seu valor.

Visando inserir o etanol no mercado de forma mais ampla, iniciativas vêm sendo tomadas para aumentar a produção do álcool. Se o papel do etanol enquanto combustível crescer de modo a superar a gasolina, as vantagens serão grandes, já que o álcool é um combustível renovável.


O etanol de segunda geração


Coprodutos da cana, utilizados na produção do Etanol 2G. Foto: www.raizen.com.br

Uma forma de incrementar a produção é o etanol de segunda geração. Trata-se de produzir o biocombustível a partir dos coprodutos da cana-de-açúcar (palha e bagaço), utilizada no processo comum de fabricação de açúcar e álcool.

Evandro Curtolo da Cruz, gerente de novas tecnologias da Raízen, empresa pioneira na pesquisa do etanol de segunda geração, diz que este pode ser produzido a partir da celulose de qualquer resíduo orgânico. Nos Estados Unidos, por exemplo, produz-se a partir da palha do milho e, aqui no Brasil, a partir dos coprodutos da própria cana.

Curtolo explica que, em primeiro lugar, é feito um pré-tratamento da biomassa (no caso, a palha e o bagaço da cana). Nesse pré-tratamento, os coprodutos são expostos a condições que tornam o material acessível à ação das enzimas. A segunda etapa, a hidrólise, é justamente a ação das enzimas, que transformam as fibras da biomassa em açúcares solúveis. Tais açúcares são, na penúltima etapa, fermentados por leveduras e transformados em etanol. Na última etapa, a destilação, o etanol é purificado e fica pronto para a distribuição.



Esquema da produção do etanol.



Todo o processo de produção do etanol de segunda geração é feito juntamente com o etanol de primeira geração, como mostra o esquema. Dessa forma, a produção do álcool aumenta em até 50%, sem que a área cultivada seja aumentada. Mas essa não é a única vantagem apresentada pela nova tecnologia. O aproveitamentos dos subprodutos da cana, a vantagem logística, a produção de biocombustível inclusive na entressafra da cana e a redução da emissão de carbono durante a produção são outros motivos para aderir à essa forma de produção de etanol.

Segundo Curtolo, o esperado é que a produção do etanol de segunda geração chegue a um custo 15% menor que o etanol de primeira geração. Isso ainda deve levar alguns anos para acontecer, visto que atualmente o custo da produção do etanol 2G ainda é mais alto. Na produção do etanol comum, durante a safra 2013/2014, o custo de processamento de cana foi de R$ 112,22 por tonelada, segundo relatório publicado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP.

O investimento feito pela empresa foi pensando no futuro e este é um dos desafios que a nova tecnologia enfrenta. Justamente por ser pioneira na área, a Raízen ainda sofre algumas dificuldades na produção. Mas o gerente afirma que é necessário correr riscos para apostar nessa nova tecnologia.


Políticas públicas

O etanol de segunda geração se mostra uma forma de produção muito promissora para aumentar a produção e a oferta do álcool no mercado. Mas Antônio Stuchi, diretor executivo de produção da Raízen, reclama da falta de políticas públicas que incentivem a produção desse tipo de etanol. “[Essas políticas públicas] não existem aqui no Brasil. As usinas não tem cenário para crescer”, afirma Stuchi, explicando que, atualmente, as empresas que querem entrar nessa parcela do mercado devem se arriscar.

Já Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), afirma que são necessárias políticas públicas para o etanol de segunda geração, mas não apenas isso. Corrêa explica que o desafio da energia em âmbito mundial é ampliar para atender a demanda. No Brasil, ele acredita que seja necessário investimento, sobretudo no etanol, já que não há recursos para ampliar a produção de gasolina, nem tampouco portos e logística suficientes para importar esse combustível.

Corrêa afirma que, em 2014, a cana produziu quatro vezes mais energia que o pré-sal no Brasil, o que significa que ela possui um potencial muito alto e, por isso, merece investimentos. O presidente da Abag aponta, ainda, as vantagens do etanol de segunda geração, como o baixo custo da biomassa. Ele acredita que, além de investimentos e políticas públicas, seja necessário associar tecnologia e pesquisa, para que a produção seja conduzida da forma mais vantajosa possível.

A pesquisa vem sendo inserida de forma representativa dentro das próprias empresas que, para realizar ações inovadoras, precisam de resultados inovadores. Além disso, fora dos portões das indústrias é possível ver o agronegócio se tornando motivo de pesquisas nas universidades. Isso é muito vantajoso para toda a produção e merece cada vez mais destaque e investimento.

Um exemplo é o programa Bioen, desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e coordenado pela Professora Glaucia Mendes Souza, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP). Com o objetivo de estimular e articular pesquisas relacionadas à produção bioenergética brasileira, o Bioen vem sendo bastante importante na consolidação de resultados acerca do tema, sempre intensificando as pontes entre o conhecimento dos laboratórios e a demanda tecnológica das indústrias.

Se todos esses fatores forem associados – investimento, políticas públicas, tecnologia e pesquisa – a produção do etanol pode tomar um rumo diferente, mais moderno, sustentável e vantajoso economicamente. Dessa forma, o álcool poderá entrar de forma mais forte no mercado, com mais independência e o agronegócio pode revolucionar a escolha na hora de abastecer.

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