ISSN 2359-5191

30/09/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 89 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Química
Emissão de luz em cogumelos ajuda na perpetuação de espécies, conclui estudo
Bioluminescência em fungos segue um ritmo de 24 horas para ajudar no processo reprodutivo
Fungo bioluminescente "Neonothopanus gardneri"


Os cogumelos bioluminescentes controlam a emissão de luz e o fazem com um intuito certo: a disseminação de esporos. É o que dizem os mais novos resultados publicados na revista americana Current Biology, fruto do estudo de um grupo de pesquisa do Intituto de Química da USP (IQ-USP). O grupo, pioneiro em muitos aspectos do mundo de fungos bioluminescentes, conseguiu comprovar que os eles emitem luz em ritmo circadiano, ou seja, num ciclo de 24 horas. Além disso, os experimentos realizados apontam que a regulação da emissão de luz tem ligação estreita com o processo reprodutivo dos fungos, servindo para atrair insetos fungívoros, que disseminam seus esporos e atrair insetos maiores, que se alimentam dos fungívoros e também auxiliam na disseminação das espécies bioluminescentes.

A primeira conclusão do grupo de pesquisa, comandado pelo Professor Cassius Vinicius Stevani, diz respeito à periodicidade da emissão de luz dos cogumelos estudados. As bases da descoberta foram os estudos da cientista Martha Berliner, que já havia observado certa periodicidade nos fungos em questão, mas não havia comprovado se esse ritmo seguia um ciclo de  24 horas. Assim, os pesquisadores do IQ, em parceria com os cientistas da Dartmouth Medical School, Jennifer Loros e Jay Dunlap, realizaram uma série de experimentos com a cultura dos fungos.

Após um período de "entrainment" (termo técnico que designa a adaptação do organismo ao experimento), que dura 48h, em que a cultura é colocada em períodos de 12 horas claro e 12 horas escuro, ela é mantida no escuro. "Se nós temos um ritmo que não muda com a temperatura e que tem um período próximo de 24h  tem-se um ritmo dito circadiano. Com esse experimento comprovamos o que a Berliner disse em 1961, que realmente há um ritmo e esse ritmo é circadiano", afirma Stevani. A sustentação do ritmo  no escuro e a constatação de que a quantidade de luz emitida não varia conforme a mudança de temperatura tornaram possível essa afirmação.

Mais ainda, foi comprovado que esse controle também acontece ao nível molecular. Para isso, foram feitos experimentos baseados no extrato quente-frio do francês Rafael Dubois. De forma simples, o experimento consiste em fazer um extrato do organismo e dividi-lo em duas partes: uma delas é aquecida, desnaturando as enzimas, e a outra é resfriada, mantendo-as intactas. No caso dos estudos dos fungos, os extratos serviam para medir a variação de cada um dos componentes presentes e necessários para a emissão de luz, ou seja, duas enzimas (hidroxilase e luciferase) e um substrato (luciferina). Ao observar que cada um dos componentes também varia ao longo do dia, também em período circadiano, foi possível concluir que o controle da bioluminescência ocorre ao nível molecular.

Outro avanço na pesquisa diz respeito à finalidade da emissão de luz nos organismos estudados. Tomando como base as hipóteses elaboradas em 1981 por Sivinsky, pesquisador da Universidade da Flórida, o grupo partiu para experimentos em campo apontassem a real finalidade da bioluminescência nos cogumelos. Os experimentos em campo valeram-se de cogumelos produzidos com resina acrílica e equipados com luz LED verde, idêntica em intensidade e cor aos cogumelos reais. Estes cogumelos "de brinquedo" foram recobertos com cola sem cheiro e deixados nos locais em que cogumelos bioluminescentes reais eram encontrados O experimento era colocado após o pôr do sol e retirado antes de o sol nascer, sempre em lua nova para evitar interferências da luz natural.

Os artrópodes atraídos -moscas, percevejos, besouros, aranhas e grilos- comprovadamente enxergam a luz verde, e foi observado uma maior biodiversidade nos experimentos realizados  na Mata Atlântica do que na Mata dos Cocais, os dois locais de estudo. Os experimentos também foram realizados com filmagem com câmeras infravermelho, que forneceram ainda mais informação. Segundo o professor, "quando um inseto é atraído pelo cogumelo e o come, os esporos podem ser transportados para longe na sua superfície ou dentro de seu corpo." E mais, "a luz também pode atrair aranhas, que comem os insetos fungívoros. Com isso, os esporos também podem se depositar no aracnídeo, que irá levá-los para longe do cogumelo inicial." Em ambos os casos o fungo é favorecido.

É importante lembrar que, como estrutura reprodutiva, o cogumelo não prejudica o fungo ao ser comido. Em analogia, é como se o cogumelo fosse uma fruta, e a árvore frutífera em si seria o micélio, que também emite luz.

Acredita-se que a bioluminescência venha de um mecanismo evolutivo para metabolizar o excesso de oxigênio que começou a surgir na Terra bilhões de anos atrás. A luciferina teria surgido como antioxidante e mais tarde serviria para como substrato na reação de emissão de luz.

Hoje, ele auxilia na alimentação do fungo, baseada na celulose das plantas. Essa, porém, é protegida por uma barreira de lignina, que age como um escudo protetor químico. "Todas essas enzimas liberam água oxigenada (peróxido de hidrogênio) e outras espécies que produzem radicais livres, espécies que estão muito próximas das hifas [...]. Então um fungo tem que ter um jeito de se proteger dessas espécie extremamente oxidantes que ele está usando para conseguir o alimento dele." explica. Um desses mecanismos, que que se baseia em reações de oxirredução, é a bioluminescência.

Mesmo com tantas novidades, ainda há muitas perguntas sem repostas. Os estudos do grupo do IQ inspiraram diversos outros estudos pelo mundo, com destaque para o grupo do Professor russo Ilia Yampolsky, de Moscou. O grupo descobriu recentemente que, ao contrário do que se pensava, o substrato responsável pelo mecanismo de bioluminescência dos fungos está presente em espécies muito distantes do cogumelos que emitem luz, como na planta do gengibre, em uma planta da família da pimenta do reino e fungos orelha-de-pau. A substância em questão chama-se hispidina, e sua ação intriga os pesquisadores. O que está em estudo agora é o seu mecanismo detalhado de emissão de luz, além de novas descobertas sobre as enzimas participantes do processo de bioluminescência. Uma pesquisa que começou há 15 anos, com coleta de material e fotos sobre os objetos de estudo hoje caminha para novos avanços e resultados surpreendentes.

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