ISSN 2359-5191

07/10/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 93 - Saúde - Instituto de Ciências Biomédicas
Laboratório da USP pesquisa sistemas neurais envolvidos no medo
Grupo realiza uma série de experimentos com ratos para codificar diferentes formas de perigo
Experimento realizado no laboratório do ICB em que o rato, depois de habituado ao local, foi exposto ao predador (Foto: Newton Canteras)

O medo é diferente em situações variadas: ele pode ser natural ou aprendido. Pode ser de um predador ou surgir na interação com indivíduos da mesma espécie; depende da distância que está a presa do perigo e também do tipo de ameaça. Esses diferentes tipos de medo são processados de maneiras distintas no cérebro, segundo estudo do grupo de pesquisa "Bases neurais do medo e da agressão", do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, coordenado pelo professor Newton Canteras.

Medo natural

Pesquisas desse tipo, que têm como objeto de estudo o medo, são feitas em laboratório utilizando-se o que se conhece como medo condicionado. O animal escolhido, geralmente o rato, é colocado em um ambiente específico, onde pareia-se um estímulo neutro, que pode ser o próprio ambiente, com o choque nas patas. Após alguns pareamentos, o animal aprende que aquele ambiente é perigoso. "Depois que ele aprendeu isso, quando o rato for colocado nesse ambiente novamente, ele irá congelar. Esse é o modelo básico que se estuda no laboratório até hoje para falar sobre medo", afirma o professor Canteras.

No laboratório do ICB, o rato foi colocado dentro de uma gaiola com uma porta que levava a um pequeno caminho onde havia comida. No começo do período escuro  o rato é um animal de hábitos noturnos , essa porta era aberta e ele se alimentava. Depois que o rato estava bem habituado, o que leva em torno de dez dias segundo Canteras, ele saiu pela porta e se deparou com um gato. "Esse rato nunca viu um gato. Ele vê e fica desesperado. É o medo", explica. Essa é uma situação de medo inato, isto é, é natural, não aprendido.

Historicamente, o sistema neural envolvido no medo condicionado foi protocolado por Joseph LeDoux. Segundo esse pesquisador, se era entendido como o rato estava congelado e o que o fazia congelar, qualquer situação em que ele fosse exposto a um perigo e respondesse dessa maneira, o medo que sentiria seria o mesmo e as partes ativadas no cérebro também. O que foi feito no laboratório do ICB foi trabalhar em cima desse protocolo já existente para identificar quais sistemas neurais estavam envolvidos na resposta ao experimento. "A primeira coisa que nós pensamos e testamos foi: se esse sistema proposto por LeDoux produz medo, vamos retirar um dos elementos para ver o que acontece", explica o professor. Através de uma série de técnicas laboratoriais, alguns elementos foram retirados e observou-se que o animal continuou respondendo do mesmo jeito. Como os resultados foram diferentes, o grupo chefiado pelo professor Canteras definiu um outro sistema relacionado ao medo. "Nós descrevemos onde o animal percebe as pistas do predador. De um local do encéfalo, ele manda para o hipotálamo para ele integrar essas pistas. Essas informações seguem para o tronco encefálico e ele tem a resposta de congelamento", explica. Se o rato encontra um predador, ele congela. Se é dado o estímulo condicionado pelo choque, ele também congela. Mas, nesses dois processos, o animal utiliza vias diferentes. "A descoberta disso foi muito importante. Depois desse estudo, foi encontrado que esta nova via existe também no homem. Então, se esse local for estimulado no homem, a pessoa tem um ataque de pânico", afirma Canteras.

Medo aprendido

Depois de descrito o sistema neural relacionado ao medo natural, o grupo de pesquisa do ICB começou a testar o sistema em uma situação de aprendizado. No experimento, o predador foi retirado e, no dia seguinte, observou-se que o rato passou a evitar o local onde encontrou o gato. A presa, que antes explorava a região, tem muita cautela na nova situação. Esse medo que o animal começou a ter do ambiente é, agora, aprendido e não mais natural. O passo seguinte foi observar o sistema neural envolvido nesse caso e se ele dependia das condições protocoladas por LeDoux. O sistema proposto foi lesado em algumas partes e, ao fazer isso, nada aconteceu. "O que se observou foi que, quando o medo é aprendido, há estruturas que são importantes para aprendê-lo, que vão mobilizar os mesmos sistemas que o cérebro usa quando o animal está frente a um predador natural, porque ele está se preparando para enfrentá-lo", explica Canteras. "Depois, ele aciona uma série de outros sistemas diferentes que são importantes para o aprendizado. Esse aprendizado é gravado em uma região do encéfalo e, toda vez que ele for nos mesmo ambientes de antes, vai agir como em uma situação de medo".

Medo social

A próxima etapa do grupo de pesquisa foi estudar o sistema neural em outra situação, em que o animal foi exposto a um coespecífico dominante  isto é, um ser da mesma espécie. Nesse experimento, o rato viveu com uma fêmea durante três semanas em uma gaiola, marcando território. Após esse período, a fêmea foi retirada e, em seu lugar, foi colocado um macho adulto. O animal que já estava lá começou a se incomodar com a presença do outro e passou a atacá-lo. Esse rato atacado respondeu da mesma forma que nos outros experimentos, congelando. "Isso é uma outra forma de medo: medo social. Ele não vai ser morto, mas vai ser bem machucado. Ele vai aprender e não vai mais entrar naquele território", explica. Porém, apesar da mesma resposta, quando esse sistema foi analisado, observou-se que era diferente do que havia sido definido na outra situação. "É importante entender qual é a lógica do sistema nervoso, para saber como o nosso cérebro lida com ameaças. Trabalhar com essas situações em humanos, como síndrome do pânico e depressão, é muito difícil. O modelo mais próximo que se tem para estudar o estresse pós-traumático é o gato, pois ele causa uma memória muito persistente", afirma o professor. Se se entender melhor esses mecanismos de memória, pode-se entender melhor algumas patologias humanas.

Próximos passos

Agora, o grupo está investigando um outro tipo de predador do rato, a serpente. Em conjunto com um grupo de pesquisa de Ribeirão Preto, e utilizando-se uma série de técnicas laboratoriais refinadas, como microanálise de circuitos, eletrofisiologia e manipulação gênica, observou-se, em estudo ainda não publicado, que o sistema neural que a serpente mobiliza no rato é diferente daquele que o gato faz. Isto é, classes de predadores diferentes ativam sistemas neurais diferentes na presa. Segundo Canteras, um dos motivos de isso acontecer é o fato de a serpente atacar a presa na toca, enquanto o gato a ataca quando ela está no ambiente. "A gente quer entender como o sistema nervoso codifica diferentes formas de perigo", finaliza.




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