ISSN 2359-5191

11/11/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 108 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Barreiras culturais prejudicam atendimento de grávidas bolivianas em São Paulo
Profissionais de saúde ignoram costumes bolivianos por não pertencerem ao campo científico
Foto:Cesar Catalan

A hora do parto para as imigrantes bolivianas, em São Paulo, tem gerado dores muito mais profundas que as contrações. Os profissionais de saúde que as atendem, na maioria das vezes, ignoram seus costumes culturais, causando nelas um sentimento de grande angústia e frustração. A partir desse contexto, a pesquisadora e enfermeira Rosario Avellaneda, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, realizou um estudo, orientado pela professora Carmen Simone Grilo Diniz, que buscou analisar como essas mulheres eram atendidas. Para a pesquisadora, há um desencontro dos saberes tradicionais dessas gestantes em relação aos procedimentos padrões realizados na maternidade.

Avellaneda observou, por oito meses, a rotina de uma maternidade localizada no Belém, zona leste de São Paulo. Nessa região, se concentra a maioria das oficinas de costura, local de trabalho de muitos imigrantes. Durante seu estudo etnográfico foram realizadas observação participante e entrevistas. A pesquisadora acompanhou 106 mulheres e dessas selecionou 10 para serem entrevistadas.

Os desencontros culturais

Segundo a enfermeira, muitos profissionais não têm conhecimento da cultura das bolivianas e acabam não entendendo o quão importante ela é para essas mulheres. Um dos exemplos citados é quanto à questão do corpo. Várias das imigrantes grávidas chegam ao pronto atendimento agasalhadas, pois acreditam que devem estar aquecidas, durante e pós trabalho de parto. No entanto, ao chegar ao hospital, os atendentes exigem que se vistam com uma bata aberta. Para elas, além disso, ir contra seus costumes, invade sua privacidade.

O chá também é um dos elementos essenciais para as bolivianas, pois, conforme seus conhecimentos culturais, ele mantém o corpo aquecido, ajudando na hora de dar a luz. Em um dos relatos ouvidos, uma mulher menciona que começo a sentir as dores de parto e foi ao pronto atendimento. Depois de ser avaliada, a orientaram a voltar para casa e esperar as contrações ficarem mais fortes.

Entretanto, ao chegar a sua residência, tomou chá e as contrações aumentaram. No caminho para maternidade, o bebê nasceu no táxi. Mesmo as condições sendo precárias, a gestante se sentiu melhor tendo seu filho fora do hospital, já que lá seria obrigada a realizar procedimentos que vão contra seus saberes.

Arroz, feijão e bife são vetados no cardápio das bolivianas após o nascimento dos seus filhos. Para elas, esses alimentos são ruins para a recuperação da saúde do corpo. Porém, muitas vezes, as nutricionistas das maternidades não levam em conta esse aspecto cultural e acabam não mudando a dieta das imigrantes, ressalta a pesquisadora.

Algumas das pacientes relatam que, às vezes, comem por se sentirem fracas ou com fome. Elas preferem tomar sopas, porque acreditam que aumenta a quantidade de leite e ajuda na recuperação do corpo.


Parto (des) humanizado

No parto humanizado, a criança vem ao mundo de forma totalmente natural. Dessa maneira, não é aplicado oxitocina, para aumentar as contrações e nem é realizado episiotomia (corte na vagina, com intuito de ampliar o canal do parto). A mulher participa ativamente do processo e suas vontades também são consideradas.

A partir da sua experiência na maternidade, a enfermeira percebeu que há muitas técnicas desnecessárias e desconhecidas para as mulheres. Para a cultura boliviana, procedimentos como episiotomias, manobras de Kristeller (pressão na parte superior do útero para facilitar a saída do bebê), toques vaginais, utilização de fórceps e da cesárea são vistos como práticas agressivas para seus corpos, já que elas esperam por um parto natural.

Algumas mulheres bolivianas, quando estão em trabalho de parto, pedem para ter seus filhos em determinadas posições, como, por exemplo, de joelho, cócoras ou penduradas, para ajudar o bebê descer. Entretanto, muitos profissionais de saúde ignoram esses pedidos por não saberem atender as gestantes nessas posições, explica Avellaneda.

Em um dos casos, uma boliviana relata que sofreu episiotomia e fórceps. Como ela trabalhava o tempo todo sentada, a dor intensificava-se mais. Segundo a enfermeira, as mulheres, ao terem alta hospitalar, recebem um atestado médico de 120 dias de licença por maternidade, mas isso não é cumprido, pois trabalham em oficinas de costura, onde esse direito é ignorado. Assim, quase todas preferem parto normal.  

O que fazer com a placenta após o parto? Segundo a pesquisadora, em muitos hospitais, é apenas um órgão descartável. Mas em muitas culturas, como também para as famílias bolivianas, ela possui um valor cultural, pois “deu vida a outro ser”. Também é considerada como “um anjo, por isso deve ser enterrada”,  não podendo ser jogada no lixo.  Muitos daqueles que atendem essas mulheres não compreendem esses costumes e acabam os ignorando. “Nós que atendemos partos estamos nessa coisa de ver a todos por iguais e não é assim”, destaca a enfermeira.

Foto: Divulgação 

As dificuldades de dialogar com os profissionais de saúde

O idioma é uma das principais barreiras culturais enfrentadas pelos imigrantes. No caso das bolivianas, elas, em geral, só falam espanhol e aimará. A pesquisadora cita que há registros, de uns anos atrás, sobre capacitações que receberam os funcionários para compreender essas línguas. No entanto, esses profissionais são insuficientes e sempre estão se deslocando entre os hospitais.

De acordo com Avellaneda, a comunicação não se dá apenas pelo idioma é possível, também, dialogar a partir de sinais. A pesquisadora explica que há profissionais bons que se esforçam para compreender e auxiliar as mulheres, mas grande parte da equipe do hospital nem sempre atua assim.

Algumas bolivianas também relataram que eram menosprezadas nos consultórios e ouviam, muitas vezes, frases como “outra vez você está grávida” e “por que você não vai ter filho em seu país?” Isso fazia com que muitas delas não fizessem pré-natal com medo de serem humilhadas pelos médicos. Porém, para essas mulheres, ter vários filhos faz parte da sua cultura, é uma forma de oferecer mais mão de obra ao país, explica a enfermeira. Ela ressalta que a partir desse estudo conseguiu conhecer o contexto social e cultural das práticas tradicionais associadas à saúde materna das bolivianas e suas diferenças em relação à cultura brasileira.

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