O processo de diferenciação em células tronco, que dará origem aos mais diversos tipos de célula, depende intimamente da forma e da função de suas mitocôndrias. É o que concluiu estudos do Laboratório de Metabolismo Energético, do Instituto de Química (IQ) da USP. O resultado surgiu a partir da experimentos de diferenciação de células tronco de pele em três tipos de células específicas: as de cartilagem (condrócitos), de osso (osteócitos) e de gordura (adipócitos), escolhidos por serem tipos bem estabelecidos.
Pouco se sabia sobre o metabolismo das células tronco em diferenciação, e entender esse processo envolve necessariamente estudar as mitocôndrias, organelas responsáveis pela produção de energia da célula. Maria Fernanda Forni, pesquisadora responsável pelo projeto, explica que “é muito difícil você pensar em um processo que é tão custoso energeticamente que não dependa da mitocôndria.”
Foi observado um comportamento diferente das mitocôndrias em cada tipo de célula estudada. Nos condrócitos as organelas sofrem fissão, ou seja, se “separam” e viram estruturas menores, além de assumirem o formato de “bolinhas” (imagem). Nos adipócitos e nos osteócitos, por sua vez, observa-se a fusão, o “acoplamento” das mitocôndrias, que se tornam alongadas (imagem). A diferença entre esses dois últimos tipos é que na célula de gordura é possível observar uma quantidade muito maior de mitocôndrias, se comparada à de osso.
Todos osteócitos, condrócitos e adipócitos estudados partiram de células tronco vindas da pele. O colhimento do material parte da pele de camundongos, que é retirada e tratada com uma série de enzimas que degradam a matriz extracelular, deixando assim, apenas as células. Por fim é realizado um protocolo de purificação, em que são identificadas características que apontam a natureza indeferenciada da célula uma vez que as células tronco estão no meio de todas as outras específicas.
Apesar ser necessário uma série de etapas para extrair as células de interesse, a pele surgiu como uma opção fácil para o colhimento o material. Alicia Kowaltowski, coordenadora do laboratório, comenta: “O legal da célula tronco de pele é o acesso. Pele todo mundo tem.”
Controle de células tronco
Esquema de mudança de forma das mitocôndrias. Foto: Maria Fernanda Forni
Já era conhecido que algumas proteínas têm função de mediar a mudança de forma e quantidade de mitocôndrias, mas em células já diferenciadas. A novidade é a conclusão de que essas proteínas podem controlar o processo de diferenciação. Em experimentos essas proteínas reguladoras foram inibidas e observou-se a interrupção do processo de mudança de função da célula. “Isso é interessante porque uma das coisas que se quer com a célula tronco é saber ter controle sobre ela, poder fazê-la virar ou não células diferentes num momento determinado.” explica Alicia
O que não se sabe é o motivo de as células tronco não serem tão eficientes para a diferenciação fora do seu organismo de origem. Assim, alguns dos próximos passos são conseguir olhar para a essas estruturas diretamente na pele do animal e entender se seu comportamento muda diante de uma mudança de ambiente e dieta, por exemplo.
Ao entender claramente o mecanismo de diferenciação de células tronco é possível imaginar uma série de aplicações para a regeneração de tecidos ou até, a inibição desses. Sobre a possibilidade de controlar e inibir a produção de células adiposas, Alicia ressalta: “É bem longínquo. Mas, com certeza, quanto mais a gente conhece do processo, mais a gente pode manipular.” Por enquanto, então, será preciso manter a dieta.