ISSN 2359-5191

26/11/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 117 - Educação - Faculdade de Educação
Estudo revela dificuldade de educadores em trabalhar com gênero e sexualidade
Apesar de constantes discussões na mídia e redes sociais, questões de gênero e sexualidade ainda são pouco trabalhadas na escola
Escola, professores, pais e crianças ainda têm dificuldade em romper com padrões pré-estabelecidos de gênero. Imagem: Wladimir Aguiar/Folhapress

Trabalhar questões de gênero e sexualidade na escola, eis um grande desafio encontrado por todos os educadores. Buscando abordar esse tema, o pesquisador da Faculdade de Educação da USP (FEUSP) Osmar Garcia desenvolveu sua dissertação de mestrado “Marcas da experiência na formação docente em gênero e diversidade sexual: um olhar sobre o curso "gênero e diversidade na escola", sob a orientação da professora Claudia Vianna. Através da pesquisa, Osmar investigou como os professores se relacionavam com esses conceitos.

O grupo de estudos examinado foi oferecido pela Unesp campus de Rio Claro na cidade de Jaú, interior de São Paulo e se encaixa na chamada formação continuada. Nas faculdades de Educação de todo o país, é difícil encontrar disciplinas obrigatórias que abordem as questões de gênero e sexualidade, daí a importância de que os professores procurem uma formação para aprender a trabalhar da melhor maneira com o tema. Segundo Osmar, “Na formação inicial também deveríamos ter disciplinas obrigatórias que tratem dessa questão, para que os professores já chegassem na escola com um olhar diferente”. Na sua visão, “o grupo de estudos não vai sanar todos os problemas. A importância está no fato de ele abrir e modificar o olhar. Ele não é o único caminho, é apenas mais um”.

Através da análise dos documentos de todos os trabalhos realizados durante o curso, o pesquisador chegou a conclusão de que os educadores buscavam o grupo tanto por motivações pessoais quanto profissionais. Alguns procuravam porquê em algum momento da vida tiveram contato com alguém gay, lésbica ou criança que demostrou alguma diferença de gênero. Outros porque viam essas questões aparecerem constantemente em sala de aula. Então, o curso serviria como uma amparo para que eles lidassem melhor com esse assunto na escola.

Porém, apesar de a escolha em participar do grupo ser individual e não-obrigatória, um dos resultados que mais chama a atenção na pesquisa de Osmar é a dificuldade dos educadores em trabalhar com questões tão delicadas. “É um desafio desconstruir as formas tradicionais da nossa concepção e a maneira tradicional como nos acostumamos a trabalhar com isso”, diz a professora Claudia Vianna. “Muitos professores escolhem trabalhar com esse tema, mas ao longo do caminho percebem que não dão conta, pois seu preconceito é muito grande”, complementa.

Consequências

Apesar de tentar desconstruir pensamentos e comportamentos pré-concebidos,há uma estrutura organizacional da qual os professores não querem sair, como por exemplo as filas de meninas e meninos. Menino não pode brincar de boneca e menina não pode brincar de carrinho. Menino não pode usar rosa. A dificuldade está no fato de que as experiência anteriores em gênero e sexualidade deles cristalizam alguns conceitos errados. Depois do grupo, os professores passaram a se questionar sobre isso.

Essa dificuldade dos educadores em trabalhar com diferenças de gênero e sexualidade na escola prejudica os alunos. As meninas enfrentam muita dificuldade em serem incentivadas para as áreas de exatas, porquê os esteriótipos de gênero dizem que elas não são capazes. A mesma coisa acontece com os meninos com as áreas de humanas. “Logo, não é só uma discussão de como esse sujeito se sente psicologicamente. É uma discussão de como ele poderia ter mais acesso igualitário a determinados conteúdos.”, argumenta Claudia.

Osmar levanta ainda a questão da grande desinformação por parte de alguns educadores. “Muitos acham que isso deveria ser tratado pela família, que a escola não é o lugar de se falar sobre gênero e educação sexual. Quando falamos sexualidade eles acham que estamos falando de sexo e se assustam “Nossa! Vamos trabalhar sobre sexo com crianças pequenas”  e isso não é a verdade”, diz.

Para a orientadora, trabalhar questões tão delicadas exige tato, bom senso e uma boa formação do professor. “Você não vai discutir com uma criança do mesmo jeito que você discute com jovens”, explica ela. “As questões de gênero e sexualidade devem ser trabalhadas, pois aparecem a todo momento. No enunciado de um problema de matemática ou na maneira como um professor conta uma piadinha machista, sexista e homofóbica em sala”.

O fato de a escola não conseguir lidar bem com essas questões, pode não só prejudicar como até mesmo interromper a formação das minorias. Segundo Osmar, ainda faltam censos que acompanhem a trajetória escolar de grupos específicos, mas já existem pesquisas que mostram que quando essas questões não são trabalhadas na escola, alunos e professores que estão sujeitos a discriminação não se sentem empoderados. “Meninas que não aguentam a violência deixam de estudar. Vítimas da homofobia deixam de estudar. Nós temos aí o caso da professora Luiza, que foi demitida após se assumir transexual”, conta ele.

E o “kit”?

Em 2004, o governo federal lançou o programa Brasil sem Homofobia com o objetivo de combater a violência e o preconceito contra a população LGBT (travestis, transexuais, gays, lésbicas, bissexuais e outros grupos). Uma parte dele era voltada para a formação de educadores para tratar questões de gênero e sexualidade. O “kit gay”, como ficou pejorativamente conhecido, continha um caderno de orientação para o professor, boletins informativos e vídeos (atualmente disponíveis na internet). Em 2011, o material foi acusado de “estimular o homossexualismo e a promiscuidade” e acabou vetado pelo Governo Federal (mesmo após um investimento de 1,9 milhão de reais).

“Eu considero que isso é uma grande perda. Quando você não forma as pessoas e não tem material que oriente os alunos a fazer esse debate, acaba acontecendo que o que ocupa espaço na escola é a pior forma de se lidar com isso: exclusão, homofobia, preconceito de gênero, divulgação na redes sociais de meninas que tem vida sexual ativa, assédios.”, diz Claudia. “Quanto mais você veda a produção de informação, esclarecimento, material e instrumentalização de como os educadores podem trabalhar com isso, mais chance você tem de reforçar as exclusões.”, lamenta a professora. “Ela [cartilha] teve a má sorte dessa bancada fundamentalista religiosa, que achou que o material iria destruir a família. Também temos que pensar nos gastos públicos; o  governo gastou muito dinheiro para elaborá-la e no fim esse material nem vai ser distribuído. A gente continua retrocedendo mais do que avançando.”, complementa Osmar.

Assista à "Encontrando Bianca", um dos seis vídeos do programa Escola Sem Homofobia:


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