ISSN 2359-5191

08/12/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 125 - Educação - Faculdade de Educação
Convívio com pessoas negras incentiva professores brancos a trabalhar questões étnico-racias
Pesquisadora da Faculdade de Educação da USP investiga motivos e dificuldades enfrentadas por professores brancos que trabalham questões raciais
Trabalhar a história e cultura afro brasileira com os alunos é lei. Porém, as barreiras e dificuldades para isso são muitas. Imagem: revista Nova Escola

Professores brancos trabalhando questões étnico-raciais em sala de aula. Por que sim, por que não e como? Janaina Bastos, da Faculdade de Educação da USP (FE), pesquisou esse tema em sua dissertação de mestrado “Da história, das subjetividades, dos negros com quem ando": um estudo sobre professores brancos envolvidos com a educação das relações étnico-raciais”, e chegou a conclusões interessantes, como o fato de que dos professores entrevistados, todos conviveram e convivem com pessoas negras em seus círculos pessoais.

A Lei de número 10.639/03 torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Porém, segundo Janaina, poucos professores trabalham essas questões e quando o educador é branco, menos ainda. A questão da branquitude é uma das maiores bairreiras para o combate ao racismo. “Por causa dessa branquitude as pessoas não se importam com o racismo, acham que isso não afeta a vida delas. Porém, isso modela muito a vida de todos, uma pessoa branca só tem privilégios porquê o outro é subalternizado. Ninguém é considerado superior sozinho, você sempre é superior a algo”, diz a pesquisadora.

Desse modo, ocorre um problema muito grande, as questões étnico-racias acabam sendo vistas como um problema exclusivo dos negros. Sempre que se fala de racismo o negro é objeto de estudo: professor negro, aluno negro. Pensando nisso como um problema de todos, a pesquisadora resolveu fazer o contrário: ver o lado branco do racismo. Em um primeiro momento, ela observou — em congressos, seminários e outros cursos de formação continuada sobre a questão — os participantes brancos. Depois, entrevistou alguns desses professores, tanto da rede pública quanto da rede privada, para saber como e porquê trabalhavam questões raciais com os alunos.

Através dessas entrevistas, descobriu-se que esse professores, desde a infância, sempre conviveram com pessoas negras; tem parentes negros ou moram em bairros onde a maioria das pessoas são negras. Com base nos estudos de Theodor Adorno, a pesquisadora definiu que esses educadores têm tendência a ser mais tolerantes com as diferenças. O meio familiar nos quais eles cresceram possibilitou o desenvolvimento dessa personalidade. E o fato de que na vida adulta eles continuaram a conviver com pessoas negras e presenciaram muitas situações de racismo fez com que reconhecessem sua branquitude, conseguissem problematizá-la e quisessem enfrentar essa realidade.

Bons exemplos

Um dos professores entrevistados é responsável pela disciplina de Inglês em uma escola de periferia e, ao contrário de muitos, não trabalha essa questão apenas no Dia da Consciência Negra. Ele sempre leva para a turma textos que possibilitem discutir questões raciais. O objetivo é levar referências de personalidades negras para que os alunos negros possam ter outras inspirações e fugir dos papeis estereotipados delegados aos negros. No começo, os próprios alunos sentiram uma desconfiança em relação ao professor, pelo fato de ele ser branco. Porém, depois de algum tempo muitos relataram um aumento na auto-estima ao perceberem que podem ter um futuro diferente dos subalternizados colocados pela mídia.

Outra professora entrevistada fez um trabalho de discussão da Umbanda com crianças de 1º ano do ensino fundamental. Uma aluna que era praticante começou a contar como era e outros alunos começaram a falar “Ah! É do capeta!”. A professora falou que não e deixou a menina explicar. Essa conversa foi essencial para desconstruir esteriótipos que os alunos têm desde pequenos. A professora acredita que se algum dia alguém relacionar as religiões africanas à algo negativo, aqueles alunos que participaram da aula vão conseguir questionar esse esteriótipo.

Uma segunda professora trabalha em uma escola particular de classe alta e conta que quando leva esse tema pra sala de aula, que tem muitos (ou todos) alunos brancos, o tema fica difícil de ser trabalhado. A professora defende que a razão disso é o fato de que em muitos casos as únicas pessoas negras que aquele aluno conhece são a empregada doméstica e o porteiro. Já quando há algum aluno negro em sala a discussão flui bem melhor.

Barreira institucional

Segundo Janaina, esses trabalhos são sempre de iniciativa individual. “O coletivo da escola não apoia. Uma festa junina, que é de origem europeia, tem total apoio institucional. Questões étnico-racias não. Logo, eles são professores realmente interessados em trabalhar o tema, independente de apoio”, conta ela. “Alguns professores nem contam para os colegas sobre os projetos que estão desenvolvendo, porquê muitos educadores têm preconceito com a abordagem desse tema”, lamenta.

Nas escolas particulares de classe alta muitas barreiras são colocadas sobre as questões da história e cultura africana. Geralmente, as pessoas acham que não tem que tratar esse tema por que não tem negro na escola. Tanto em instituições privadas quanto públicas, o que se tem é uma resistência em debater o tema, desde a educação infantil até o ensino superior. Segundo Janaina, “A USP, por exemplo, não tem nenhuma disciplina obrigatória na Faculdade de Educação sobre o assunto. Mas se a Lei define que é obrigatório abordar essas questões em sala, deveria ser obrigatório estudar como fazer isso”, conclui.

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