Ao longo do século 19, a presença do negro na literatura brasileira foi muito pequena. Nos romances da época, eles eram muitas vezes silenciados ou animalizados, como na obra Memórias de um sargento de Milícias, em que o negro não tem voz. No entanto, a escritora Maria Firmina dos Reis é uma das figuras que foi contra essa caracterização supérflua, representando o escravo em sua dimensão humana, cheio de subjetividade e desejos individuais. Com objetivo de analisar essa representação nas obras de Maria Firmina, a pesquisadora Luciana Martins Diogo realiza seu mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, sob supervisão da professora Ana Paula Simioni e bolsa da Fapesp. “O objetivo é recuperar a literatura esquecida sobre a produção feminina do século 19”, afirma Luciana.
A pesquisa apresenta um recorte delineado, centrado principalmente no estudo da obra Úrsula e do conto A Escrava. Para estudar a subjetividade negra na forma literária, a pesquisadora primeiro buscou em documentações históricas reais ideias que se aproximassem da subjetivação presente na obra ficcional de Maria Firmina dos Reis. Um desses documentos são as cartas de uma escrava africana, Teodora, escritas por um escravo crioulo, Claro. Nelas, estão presentes elementos da subjetividade que também se encontram na obra de Firmina, como a busca pela liberdade, a memória e família. Em ambas também é possível identificar representações do desejo do escravo de ser indivíduo e de criar uma história pessoal com marcas de subjetivação.
A pesquisa tem um papel importante em situar os escritos marginalizados e essa escritora no circuito literário. “Podemos entender como motivação a intenção de apresentar os cativos como sujeitos de sua história”, explica Luciana. “E assim tirá-los da posição de marginalidade, anomia e mercadoria, que comumente lhes é atribuída”.
Importância literária
A escritora Maria Firmina dos Reis (1825 -1917) nasceu em São Luís do Maranhão e em 1847 se tornou funcionária pública e professora. Com 34 anos, Maria publica Úrsula, considerado um dos primeiros romances escrito por uma mulher na literatura brasileira. No contexto literário brasileiro, esse livro tem importância significativa porque, além de escrito por uma mulher (e mulata), trata sobre a condição de vida dos negros escravos e dos libertos. “A obra de Maria Firmina dos Reis chama a atenção de estudiosos e pesquisadores por constituir uma fala dissonante ao século 19, com relação aos temas referentes à escravidão e à dominação masculina”, explica Luciana.
A escritora permaneceu esquecida até 1975, quando o pesquisador José Nascimento Morais Filho, ao buscar textos de maranhenses sobre a “missa do galo”, deparou-se com os textos de Maria Firmina e os trouxe à tona novamente. Neste mesmo ano, José Nascimento publica a edição fac-similar de Úrsula e também o livro Maria Firmina – fragmentos de uma vida, contendo um acervo de várias de suas obras.