ISSN 2359-5191

15/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 12 - Arte e Cultura - Instituto de Estudos Brasileiros
Encomendas de esculturas durante o Estado Novo refletem discursos de gênero, raça e nação
Pesquisadora analisa autonomia dos artistas e projeto do governo nas obras encomendadas para prédio do Ministério da Educação e Saúde
Moça Reclinada, Celso Antônio de Menezes. Fonte: DUARTE-DUPLON, L. Celso Antônio e a condenação da arte. Rio de Janeiro: Niterói Livros, 2011, p. 126.

Entre 1937 e 1945, o ministro Gustavo Capanema encomendou várias esculturas para o prédio do Ministério da Educação e Saúde (MES), que estava sendo construído no Rio de Janeiro. Essas obras de arte faziam parte do projeto do edifício e deveriam estar ligadas à ideia de modernidade e tradição. Com o objetivo de analisar essas esculturas, a pesquisadora Marina Mazze Cerchiaro desenvolve seu mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, sob supervisão da professora Ana Paula Cavalcanti Simioni e bolsa da Fapesp.

As esculturas encomendadas foram feitas por diferentes artistas, como Adriana Janacópulos, Bruno Giorgi e Celso Antônio. A pesquisadora explica que o ministro buscou criar por meio das obras uma narrativa que articulasse as ideias de nacionalidade e civilização, o que fez com que elas evocassem discursos de mestiçagem, hierarquia de gêneros, eugenia e família. “No entanto, esse não foi um projeto consensual", explica Marina. "Os artistas apresentaram outras propostas, com discursos que contradiziam o do ministro". Algumas vezes, eles recusaram-se a alterar suas obras e em alguns casos chegaram a subverter as diretrizes de Capanema.

Uma das obras analisadas na pesquisa é Monumento à Juventude Brasileira, de Bruno Giorgi. A escultura foi solicitada pelo sindicato de professores para demonstrar o agradecimento dos alunos do Brasil ao presidente Getúlio Vargas e foi financiada por meio de arrecadação em escolas. “Esse monumento tem clara relação com o projeto político de construção da Organização da Juventude Brasileira, que vinha sendo implantado nesse período no país”, explica Marina. A primeira proposta de Giorgi era a de um casal andando de mãos dadas, mas o projeto sofreu várias mudanças até ser aceita a versão final, com a mulher bem atrás do homem e sem a relação de casal que existia anteriormente.

 Monumento à Juventude Brasileira, 1947, Bruno Giorgi, granito de Petrópolis. Jardins do Palácio Gustavo Capanema (Rio de Janeiro, RJ). Fonte: Itaú CulturalMonumento à Juventude Brasileira, 1947, Bruno Giorgi, granito de Petrópolis. Jardins do Palácio Gustavo Capanema, RJ. Fonte: Itaú Cultural
         
A pesquisadora analisou outras obras, como Moça Reclinada, de Celso Antônio, e Mulher, de Adriana Janacópulos. As duas esculturas são muito diferentes: enquanto a de Celso Antônio representa uma moça mestiça, com traços negros e indígenas muito fortes, em posição erótica, a obra de Janacópulos retrata uma mulher branca com características eugênicas, pautada na discussão de época sobre a mãe saudável que geraria filhos fortes para a nação. Elas demonstram os discursos de raça, de gênero e de nação que o ministério buscava construir: “A mulher mestiça trazia a noção de um Brasil ‘feito na cama’, fruto de relações sexuais inter-raciais”, explica Marina. “E a obra de Adriana, a ideia do Brasil ‘feito no lar’, pautado no casamento e na maternidade, em prol de uma civilização moderna e eugênica".


Escultura Mulher, de Adriana Janacópulos, 1942, Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro.¹

Por fim, a pesquisadora analisa a obra Mulher, para além do ideal eugênico, atentando para o fato de que nessa escultura a mulher não se encontra exatamente na posição sentada. Segundo Marina, a postura revelaria sutilmente uma intenção da artista. “Se você olhar a escultura por trás, notará que a mulher está prestes a se levantar”, afirma. “Nas décadas anteriores, de 1910 e 1920, eram travadas importantes discussões sobre a emancipação feminina. Ao atribuir o gesto de levantar à mulher eugênica, Adriana subverte discretamente o projeto do ministro, dando uma resposta ‘ousada’ a um problema conservador".

 

¹ Foto: Epaminondas, s.d. Arquivo Gustavo Capanema. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Reproduzido de: CAVALCANTI, L. Dezoito graus. Rio Moderno uma história do Palácio Gustavo Capanema. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2014, p.117.


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