ISSN 2359-5191

11/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 10 - Educação - Faculdade de Educação
Tese estuda diferenças entre meninas e meninos como estudantes
Crianças aprendem desde cedo a se agrupar de modo a garantir uma sobrevivência no ambiente escolar
É possível observar uma competitividade muito grande entre as meninas já desde a escola. Imagem: reprodução

Intrigado com algumas questões de gênero que apareciam durante seu trabalho como professor, o pesquisador da Faculdade de Educação da USP, Fábio Pereira, investigou em sua tese de doutorado como as crianças aprendem a ser alunas e alunos e como lidam com as regras, normas e rituais da instituição escolar. Através de uma pesquisa de campo e análise teórica ele descobriu que há diversas configurações, ou seja, formas de ser aluna e de ser aluno.

Durante um ano letivo, Fábio acompanhou uma turma de 2º ano do ensino fundamental de uma escola pública. A faixa etária das crianças variava entre 7 e 8 anos. No primeiro semestre, ele observou as interações entre eles. Depois, aplicou questionários sócio-econômicos, de hábitos culturais e de estudos para entender a relação deles com suas famílias e com a cultura letrada. Para poder traçar perfis e definir as “configurações do ofício de aluno”, além das observações, foram feitas entrevistas para explorar quem eles consideravam bons e maus alunos e de quem eram amigos.

No segundo semestre, ele continuou as observações, porém, elas se tornaram mais pontuais. Por exemplo, Fábio conta que sempre via um movimento muito grande das crianças em direção à lata de lixo para apontar o lápis. Então, passou algumas sessões de observação procurando entender o que eles faziam lá. Percebeu que eles levantavam para ir conversar, pois a professora não os deixa conversar em sala e eles tentavam fazer isso escondidos. Outro comportamento observado foi a ajuda que eles davam uns aos outros. Eles se ajudavam quando a professora permitia e quando não permitia também, sem que ela percebe-se.

Questão de sobrevivência

Na pesquisa, há uma descrição da configuração das relações de amizade por desempenho. “Eu percebi que um grupo de boas alunas se tornou amigas, já os meninos bons alunos não se agrupavam tanto em relação ao desempenho escolar e eram mais amigos entre si, com exceção de dois alunos que eram discriminados pela sala inteira. Algumas meninas que não eram consideradas boas alunas ou eram vistas como alunas medianas mantinham amizade entre elas e com alguns meninos”, conta o pesquisador. “As meninas boas alunas formavam um grupo fechado e não permitiam que outras meninas entrassem nele para brincadeiras ou estudo. Às vezes, usavam palavras para desqualificar as outras crianças para não deixá-las entrar no grupo”.

Fábio conta que não conseguiu perguntar diretamente para cada um o porquê de se agruparem dessa maneira, porém desenvolveu algumas hipóteses. “Essas meninas têm que sobreviver na escola buscando uma visibilidade que talvez não tenham em outros espaços sociais, como na família, e o meio de elas sobreviverem é sendo altamente competitivas. Competem o tempo todo: quem tem o melhor material, quem está mais bem vestida, quem terminou a lição primeiro”, analisa. “Quando alguém conversava em sala, chamavam a atenção com mais severidade do que a professora. Quando a professora saia da sala um pouquinho, elas tomavam o papel para si e comandavam a turma”.

Panelinhas?

Fábio procurou mostrar a diversidade de tipos de aluno. Para isso, tomou como base teórica o trabalho do sociólogo Norbert Elias, que no livro “Introdução à Sociologia” defende a ideia de que os indivíduos estabelecem relações de interdependência com os outros. Esses outros não são necessariamente uma pessoa; podem ser a família, a escola, os amigos, a figura da professora, os materiais escolares, o espaço. Os frutos dessas relações irão moldar o indivíduo. É o que Fábio chama de “configurações”: a configuração das boas alunas competitivas, das alunas medianas e boas amigas, os meninos que são bons alunos e de quem todo mundo quer ser amigo, os meninos que ninguém gosta.

Sobre um dos meninos desprezados pela turma, Fábio relata ter percebido uma história de muita solidão. “Eles estudavam de manhã. Ao meio-dia ele voltava pra casa e fica sozinho o resto do dia, pois a mãe não deixava ele sair e só voltava a noite. Ele era muito carente e muito sozinho, então extravasava isso na escola e ninguém queria ficar perto dele por considerá-lo “grudento””. A situação se agravava à medida que, além de ser hostilizado pela turma, a professora demonstrava também não gostar dele. “Eu fico pensando na trajetória educacional dessa criança. Devido a esses problemas, ele não vai ter um bom desempenho escolar e a escola não está olhando nem fazendo nada para ajudar nessa dificuldade de relacionamento”, lamenta.

Após acompanhar a turma por um ano, Fábio pôde perceber que devido a todas as outras atividades a serem realizadas, a professora não percebia esses agrupamentos e, por isso, não tinha como intervir neles. “Ela gostava de agrupá-los em grupo, mas deixava que as crianças escolhessem seu par. Ela poderia agrupar em duplas produtivas (crianças que não necessariamente são amigas, mas vão trabalhar bem juntas), mas não teve esse olhar”.

Segundo o pesquisador, o interessante foi ter identificado que as pessoas já se arranjam em grupos desde pequenas, pois são seres sociáveis. As crianças se colocam como ativas no processo de aprendizagem do ofício de aluno. Mesmo as crianças que são más alunas não estão passivas na escola. Nas relações que estabelecem, as crianças traçam estratégias para sobreviver na instituição, e na maioria das vezes a instituição não tem para com elas um olhar cuidadoso.

“A minha pesquisa mostra que há diferentes maneiras de ser aluno e diferentes maneiras de ser aluna. Ainda é necessária para os professores muita discussão sobre gênero, pois ele tem uma expectativa sobre a masculinidade e feminilidade na escola”, diz. “As crianças são parte da sociedade e estão sofrendo opressões de classe, raça e gênero também e percebem essas diferenças e seus efeitos. A escola não consegue romper com isso, mas precisa questionar. Em que outro espaço as crianças poderão refletir sobre esses temas?”.

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