ISSN 2359-5191

24/02/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 19 - Economia e Política - Centro de Biologia Marinha
Atuação do RH não contribui para oportunidades das mulheres dentro das empresas
Apesar de esforços desses profissionais por práticas mais justas, gestores ainda detêm palavra final
As mulheres apresentam maior qualificação, mas menores salários e oportunidades de crescimento de carreira. Fonte: Reprodução

A área de recursos humanos não tem grande poder de interferência nas oportunidades de crescimento na carreira da mulher. Embora envolvidos em decisões a respeito de promoções, aumentos de salário e recrutamento dentro das empresas, a ação desses profissionais se limita a conscientizar o gestor, quem tem a palavra final e geralmente é um homem. Dessa forma, a funcionária que não tem perfil considerado feminino acaba sendo menosprezada. A constatação é de um estudo desenvolvido na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, que, a partir de conceitos de Gestão Estratégica de RH e Justiça Organizacional, pretendeu revelar quais os sentidos atribuídos pelos profissionais de RH à sua atuação nas questões de gênero dentro das empresas.

Intrigada com o dilema encontrado por muitas mulheres no mercado de trabalho, a pesquisadora Angela Christina Lucas se motivou para entender o ponto de vista das empresas sobre ações de valorização da diversidade. Quando a licença-maternidade termina, a transição entre a rotina como mãe e o retorno ao trabalho se dá de forma brusca, gerando uma série de confusões na cabeça da mulher. Além disso, há vários problemas ocasionados pela negligência dos gestores: “O período em que a mulher está grávida até sair da licença-maternidade é totalmente nulo em sua vida profissional. A mulher pode ter trabalhado da melhor forma possível e não haverá reconhecimento”, aponta Angela, para quem os estereótipos femininos e masculinos moldam esse tipo de decisão. “E aí vem o discurso da meritocracia, o que não faz sentido. Se o estereótipo vale tanto, mérito e desempenho não significam nada”.

Uma das primeiras coisas que Angela percebeu foi que o RH se coloca em uma posição de conscientizador do gestor. Está ali para auxiliar, ser um órgão de apoio. Embora defina seu papel dentro da empresa como estratégico na tomada das decisões esse profissional reconhece as limitações junto à autonomia do gestor. O RH pode dizer que uma mulher é a melhor entre os candidatos selecionados, mas o gestor terá total soberania em escolhê-la ou não. A pesquisadora conta que até usou a metáfora do Grilo Falante do Pinóquio em sua tese. “Como um RH, o Grilo Falante fica atrás da orelha do Pinóquio para que ele não se meta em problemas. Em vão, porque o Pinóquio sempre arranja confusão”, brinca ela.

Uma questão que também impacta na justiça organizacional (diz respeito ao tratamento justo dado às pessoas nas organizações) é a forma com que a própria sociedade está estruturada. A forte tradição católica trouxe a visão da mulher vista como “Maria”, dona de casa e responsável pelos filhos, pelo bem-estar. Esse papel tem impacto na empresa pela opinião de muitos gestores de que a mulher terá melhor desempenho em atividades ligadas aos cuidados, como educação, enfermagem e o próprio setor de recursos humanos. Querem alguém que se dedique à empresa, não aos outros. Angela também coloca a questão da mulher vista como “Eva”. Segundo esse pensamento, a mulher tem algum dever para com sua beleza, seu corpo e as roupas que veste. “Quando o homem aparece com cara de cansado, significa que está trabalhando demais. Se a mulher aparecer assim, é por que não está arrumada o suficiente”, aponta. “É o chamado ‘terceiro turno’. O primeiro é o trabalho, o segundo é a casa e o terceiro, a beleza”.

Por fim, outra variável que incide no crescimento de carreira da mulher é o próprio marido, como verificado na pesquisa. A implicância dos namorados, noivos ou maridos acaba por impedi-las de viajar sozinhas. O fato de uma mulher viajar a trabalho é visto como uma coisa anormal até mesmo pelas empresas. Em muitas companhias, se a esposa viajar como acompanhante, terá uma série de benefícios. Mas não há políticas do tipo voltadas aos homens, o que significa que situações de maridos acompanhando cônjuges nem sequer são consideradas.

Angela conseguiu perceber pelos relatos que não restam muitas alternativas a um perfil adequado para a mulher em um ambiente organizacional. Quando há comportamentos tipicamente femininos, como delicadeza, sensibilidade e amabilidade, a funcionária é vista como pouco competente. Tendo comportamentos que se opõem a estes, considerados mais masculinos, ela acaba sendo rejeitada da mesma forma, já que se espera que as mulheres sejam o contraponto do homem dentro da empresa. Sua função seria trazer sensibilidade e charme para o ambiente de trabalho. “É o que Simone de Beauvoir aponta em sua obra O Segundo Sexo. A mulher é sempre vista em relação ao homem”, aponta a pesquisadora. Isto é, se a funcionária é mais feminina, acaba não sendo competente, e se é mais masculina, não tem espaço naquele ambiente. O espaço que cabe à mulher, portanto, é ser unicamente coadjuvante. Para invalidar essa escolha de preferência, Angela lembra o fato de que há pesquisas comprovando que tipos de personalidade são distribuídos uniformemente entre homens e mulheres. “Ser feminina ou menos feminina não quer dizer nada”, pontua.

Apesar de não ter sido foco do estudo, a pesquisadora conseguiu mapear os setores mais e menos preocupados com práticas de valorização da diversidade de gênero. De acordo com experiências relatadas nas entrevistas, o setor farmacêutico é o mais pioneiro nessas ações mais justas. Além de movimentar muito dinheiro, lida naturalmente com inovação. O que acaba transparecendo em costumes dentro das próprias empresas. Nessas companhias, até mesmo as práticas de RH precisam ser inovadoras e, sendo uma área ligada à saúde, existe uma preocupação maior com o bem-estar dos funcionários. No lado oposto, estão as áreas industriais, de construção civil e de aviação, tidas como bastante discriminatórias.

Para chegar a essas conclusões, Angela fez uma análise de práticas discursivas de 26 entrevistas com profissionais da área de recursos humanos. Quinze destes eram mulheres. O critério utilizado foi que tivessem pelo menos dez anos de experiência em empresas e no mínimo cinco como RH. A facilidade encontrada pela pesquisadora, segundo ela mesma, deu-se pelo momento em que o debate se encontra. Há grande pressão surgindo para que assuntos relacionados à posição da mulher na sociedade. Como prova disso, basta lembrar a quantidade de campanhas contra assédio sexual, práticas machistas e outros tipos de atitudes discriminatórias que veio à tona no último semestre, além de questões no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). “Felizmente, as pessoas estão muito abertas para falar sobre o tema. Até mesmo os homens estão procurando ler e se informar sobre o assunto”.

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